Há apenas duas maneiras de se aumentar a renda dos indivíduos — ou seja, a renda per capita — de uma sociedade: ou se aumenta o número de horas totais durante as quais se fabricam bens e serviços, ou se aumenta o número de bens e serviços fabricados por cada hora de trabalho.
Ou seja: ou trabalha-se mais ou trabalha-se com mais produtividade.
Estas são as duas únicas maneiras possíveis de se aumentar a renda de cada indivíduo da economia. Ou ele aumenta sua carga de trabalho e, consequentemente, passa a produzir uma quantidade maior de bens e serviços (cujas vendas irão lhe permitir mais renda), ou ele mantém suas horas de trabalho e passa a produzir mais coisas durante este mesmo intervalo de tempo (o que, igualmente, irá lhe permitir mais renda).
No longo prazo, é claro, o padrão de vida de qualquer sociedade só consegue melhorar de maneira sustentada se ela optar pela segunda alternativa: afinal, a quantidade máxima de horas que os indivíduos de uma sociedade podem trabalhar é materialmente limitada, de modo que só lhes resta elevar a produtividade.
Portanto, temos que maior qualidade de vida requer maior produtividade. Porém, eis o problema: a produtividade das economias em desenvolvimento está estancada.
Por que o Brasil segue parado: primeira teoria
No Brasil, por exemplo, segundo estudo do Insper em parceria com a consultoria Oliver Wyman, “entre 1996 e 2014, o índice que mede a produtividade, chamado de PTF (produtividade total dos fatores), caiu de forma acentuada em comparação com o resultado americano, saindo de 69% em 1996 para 48% em 2014.”
E mais: o trabalhador brasileiro leva uma hora para fazer o mesmo produto ou serviço que um norte-americano consegue realizar em 15 minutos e um alemão ou coreano em 20 minutos. Em termos de riqueza, o Brasil produz em uma hora o equivalente a US$ 16,75, valor que corresponde apenas a 25% do que é produzido nos EUA (US$ 67). Comparado a outros países, como Noruega (US$ 75), Luxemburgo (US$ 73) e Suíça (US$ 70), o desempenho do país é ainda pior.
Eis uma lista de 62 países em ordem de produtividade.
E eis um gráfico da revista The Economist mostrando a evolução da produtividade de Coreia do Sul, Chile, México, Brasil, China e Índia.
Há um certo consenso sobre as causas da baixa produtividade:
- Baixa qualificação e capacidade dos trabalhadores (capital humano)
- Tecnologia atrasada e mal administrada nas empresas (capital físico)
- Investimento caro e abaixo do necessário (capital financeiro)
- Infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos insuficientes e sucateados)
- Burocracia complicada
- Ambiente de negócios perverso
Tudo isso é verdade. E vale acrescentar também a hipótese de uma baixa qualidade do corpo administrativo das empresas. Os economistas Fabiano Schivardi e Tom Schmitz, em recente trabalho acadêmico voltado para as economias mais atrasadas da Europa, afirmam que pelo menos metade do atraso de produtividade desses países em relação à Alemanha se deve a uma má gestão das empresas, cujos administradores não souberam aproveitar a difusão da tecnologia.
Em outras palavras, por causa da má qualidade dos administradores e gestores, as empresas destes países não foram capazes de tirar o máximo proveito possível da incorporação de novas tecnologias — ou, mais ainda, essa incompetência impediu que muitas das tecnologias sequer fossem adotadas.
Consequentemente, com menos tecnologia adotada, houve menor demanda por mão-de-obra mais qualificada, o que redundou em salários menores do que poderiam ser.
Tudo isso, repetindo, na Europa.
Mas não é desarrazoado imaginar causas semelhantes no Brasil.
Podemos até mesmo ir um pouco além e concluir que, no final, todos os elementos listados acima apontam para um mesmo problema comum. Mais especificamente: a baixa acumulação de capital, o mau uso da tecnologia disponível, o baixo progresso técnico, o mau gerenciamento das empresas, e o baixo nível técnico da mão-de-obra decorrem de uma causa maior: a estrutura regulatória e protecionista do país protege as grandes empresas da concorrência externa e impede (por meio das regulações anti-truste) que as mais ineficientes sejam adquiridas pelas mais eficientes e com melhor qualidade administrativa.
Estando blindadas da concorrência externa e não podendo ser adquiridas por outras empresas mais eficientes, não há realmente por que se importarem com produtividade. Não há grandes riscos.
Baixa produtividade significa crescimento econômico de má qualidade
Vale lembrar que a produtividade nada mais é do que o resultado de uma divisão. Divide-se o PIB (que, grosso modo, é o total de bens produzidos por uma economia) pelo número de trabalhadores, e assim se obtém quanto cada trabalhador produziu.
Logo, se a produtividade ficou estagnada, então tem-se a obviedade matemática de que o PIB foi conduzido majoritariamente pelo aumento da mão-de-obra (o famoso “bônus demográfico”).
Ou seja, a economia cresceu simplesmente porque mais pessoas entraram no mercado de trabalho. Mais pessoas trabalhando e produzindo gerou um inevitável aumento dos bens e serviços produzidos (óbvio), e daí o PIB cresceu.
Mas isso é um crescimento “inercial”. Não é um crescimento duradouro. É o tipo de crescimento que tende a estagnar tão logo o número de pessoas entrando no mercado de trabalho pare de crescer.
E aí começa o verdadeiro problema.
Segundo a teoria neoclássica, se um país adota novas tecnologias que aprimorem a produtividade de sua mão-de-obra, haverá desenvolvimento econômico. Essas novas tecnologias normalmente são criadas pelos países ricos; ao passo que o criador dessas novas tecnologias irá auferir lucros extraordinários no curto prazo, todos irão ganhar ao adotarem essa tecnologia no longo prazo.
Isso significa que economias em desenvolvimento deveriam ser capazes de se aproximar mais das nações desenvolvidas tão logo adotassem essas novas tecnologias. Consequentemente, os mercados emergentes de hoje deveriam estar mais ricos do que as economias avançadas estavam antes da criação dessas tecnologias.
E, como mostram os dados acima, isso não ocorreu. As tecnologias estão disponíveis para os países mais pobres, mas elas não geraram maior crescimento econômico. Como a produtividade se manteve (ou até mesmo caiu), isso significa que o crescimento econômico nos países mais pobres foi gerado pelo aumento da mão-de-obra, e não por novas descobertas.
Por que foi assim? Por que a adoção de novas tecnologias gerou crescimento econômico nos países mais ricos e não nos mais pobres?
O professor Ricardo Hausmann, da Universidade de Harvard, já abordou este problema. Ele se apoiou na mesma tese de Friedrich Hayek: segundo ele, trata-se de um problema de conhecimento.
Friedrich Hayek argumentou em seu ensaio O Uso do Conhecimento na Sociedade que o conhecimento necessário para o avanço econômico é fundamentalmente subjetivo e está disperso por toda a sociedade. Seria impossível, por exemplo, condensá-lo e transmiti-lo por completo.
Ou seja, a natureza tácita do conhecimento faz com que seja extremamente difícil transmitir corretamente, para os países pobres, todas as coisas que foram aprendidas pelos países ricos no passado. Assim como ninguém aprende a andar de bicicleta apenas lendo um livro de física, o verdadeiro conhecimento também só é absorvido quando colocado em prática, pelo método da tentativa e erro.
Portanto, segundo esta teoria, o conhecimento necessário para o desenvolvimento econômico não está mastigado e pronto para ser aplicado, como uma receita de bolo, em países que até então desconheciam esses conhecimentos. O real desafio de um país em desenvolvimento é descobrir quais são os melhores métodos a ser aplicados em sua economia. Deve-se levar em conta o conhecimento específico da população desse país e, após um longo (e talvez doloroso) processo de tentativa e erro, determinar o que funciona melhor.
A tese, em si, é irrefutável. Mas também não explica tudo. Pode-se igualmente pontificar aqui sobre todos aqueles itens citados na seção anterior (imediatamente abaixo do gráfico), bem como as incertezas geradas pelos respectivos regimes políticos, ou mesmo sobre as décadas de desastre monetário geradas pelos bancos centrais desses países. Tudo isso certamente será válido. Mas ainda incompleto.
A causa principal do atraso dos países pobres é outra.
Para prosperar, tem de arriscar
A realidade é que, no final, todo e qualquer crescimento econômico decorre de uma só atitude: a assunção de riscos.
É sempre necessário haver um grupo de indivíduos dispostos a colocar seu capital e patrimônio em risco, visando a implantar uma nova ideia ou um novo projeto, com o objetivo de auferir altos retornos financeiros caso o risco incorrido se comprove acertado — isto é, caso eles saibam satisfazer os desejos dos consumidores.
É assim que ocorre o crescimento econômico: indivíduos assumindo riscos ao investirem o capital próprio (ou emprestado por terceiros) em uma ideia, a qual eles esperam irá agradar terceiros (consumidores) que voluntariamente irão pagar por ela.
Não há crescimento econômico sem a tomada de risco. Não há prosperidade sem indivíduos assumindo riscos em investimentos incertos.
Nem todos os riscos assumidos produzem crescimento (sempre há os investimentos mal sucedidos), mas se houver uma grande quantidade de assunção de riscos, o crescimento ocorrerá.
O que nos leva às seguintes obviedades:
- Se os riscos necessários para se alcançar o crescimento forem diminuídos, mais crescimento ocorrerá.
- Se as incertezas (políticas, jurídicas, regulatórias, monetárias e fiscais) forem reduzidas, mais risco será tomado, e mais crescimento ocorrerá.
- Se as recompensas para aqueles riscos que se comprovarem bem-sucedidos aumentarem (por exemplo, uma redução dos impostos sobre os lucros e ganhos de capital), mais crescimento ocorrerá.
- Se o custo de se assumir riscos diminuir (redução da burocracia e dos encargos sociais e trabalhistas), mais riscos serão assumidos e mais crescimento ocorrerá.
De novo: todo e qualquer crescimento econômico decorre da assunção de riscos (investimentos arriscados em projetos incertos). E o impulso humano, em todo e qualquer lugar do mundo, sempre foi o de avançar assumindo riscos que tragam recompensas condizentes (pois isso é o que melhora seu bem-estar).
Se o arranjo governamental vigente desestimula a assunção de riscos e, pior ainda, pune os mais bem-sucedidos, então é óbvio que não haverá muita assunção de risco. E aí não haverá crescimento econômico duradouro.
Se as barreiras à assunção de risco não forem reduzidas, ou se a recompensa pela assunção de riscos não for aumentada, não há como aumentar a taxa de crescimento da economia.
É realmente simples assim.
Os corajosos foram mais recompensados nos países ricos
Por mais cruciais que sejam os debates sobre produtividade, uso da tecnologia e uso do conhecimento disperso na sociedade, a realidade incontornável é que nada disso terá qualquer serventia se não houver um grupo de indivíduos dispostos a incorrer em riscos para empreender.
Sem a tomada de risco por parte de empreendedores, não há crescimento econômico substantivo.
Daí a importância de se criar um arranjo institucional que não crie barreiras ao empreendedorismo e à tomada de risco.
E, no final, é aí que está a reposta para as diferenças entre os países ricos e os países pobres: o ambiente empreendedorial.
Os países ricos são aqueles em que houve mais assunção de risco. E houve mais assunção de risco porque havia menos incertezas institucionais e menores punições para os bem-sucedidos (vide o fato de que, mesmo nos países escandinavos, o imposto de renda sobre pessoas jurídicas está entre os mais baixos do mundo).
Por isso, sim, acumular capital e fomentar a adoção de novas tecnologias (via abolição de tarifas de importação) são medidas cruciais. Porém, serão inócuas se não houver pessoas dispostas a incorrer em riscos para transformar ideias em coisas concretas. Sem pessoas tomando risco, não haverá crescimento econômico.
Consequentemente, o que é realmente crucial é abolir as barreiras que impedem estas pessoas tomadoras de risco (empreendedores) de atuar. Daí a importância de reformas estruturais que visem não apenas a aumentar a produtividade (e, consequentemente, o padrão de vida), mas também aumentar os incentivos à tomada de risco.
Como primeiro passo, é crucial cortar aqueles impostos que terão os maiores efeitos marginais sobre os incentivos que as pessoas têm para criar e produzir. Imposto de renda de pessoas jurídica, CSLL e imposto sobre ganhos de capital são os principais.
Um elevado imposto sobre ganhos de capital significa punir pessoas que se arriscam criando empresas com o intuito de gerar valor para posteriormente vendê-las. Reduzir impostos sobre ganhos de capital foi o segredo dos governos Reagan e Clinton, e seu aumento foi o desastre do governo Bush I.
Além de zerar todos os encargos sociais e trabalhistas da folha de pagamento, o financiamento a pequenas e médias empresas pode ser facilitado zerando o imposto de renda e o imposto sobre ganhos de capital dos fundos de investimento, de private equity ou de venture capital que investirem nelas.
No entanto, aumentar o incentivo à tomada de risco envolve não apenas obviedades como flexibilizar o mercado de trabalho e o mercado de energia, reduzir burocracias, impostos e regulações, e permitir maior dinâmica concorrencial entre as empresas (para que as eficientes possam crescer e as ineficientes serem absorvidas ou desaparecerem), como também estabilidade monetária, fiscal e institucional: a certeza de que a moeda não será dilapidada (pois a recompensa do sucesso viria em uma moeda sem poder de compra), a certeza de que impostos futuros não serão aumentados (pois impostos maiores no futuro, além de serem um custo artificial, equivalem a punir os mais bem-sucedidos) e a certeza de que o arcabouço econômico e jurídico não será alterado.
Qualquer incerteza em qualquer um destes itens — e observe que todos estão ligados à política — já diminui os incentivos para a tomada de risco. Consequentemente, aniquilam qualquer perspectiva de crescimento econômico.
E, historicamente, os países mais pobres sempre foram aqueles que criaram mais incertezas no ambiente empreendedorial (afugentando os tomadores de risco). Com efeito, são pobres exatamente em decorrência disso.
Concluindo
No final, é realmente básico: para haver crescimento econômico é necessário haver pessoas com uma genuína mentalidade empreendedorial dispostas a incorrer em riscos para transformar idéias em coisas concretas. E tais pessoas só são abundantes em ambientes que lhes permitam atuar e, principalmente, usufruir as eventuais recompensas pelos riscos que assumiram.
Logo, as barreiras à atuação destas pessoas devem ser removidas ao máximo. Caso contrário, qualquer eventual acumulação de capital e adoção de novas tecnologias serão apenas perda de tempo e desperdício de recursos. Sem pessoas tomando risco, nada sai do lugar. E para haver tais pessoas, é necessário abolir as barreiras à sua atuação.
Foi isso o que historicamente fizeram os países ricos. E não foi isso o que historicamente fizeram os países pobres.
Anthony P. Geller é formado em economia pela Universidade de Illinois, possui mestrado pela Columbia University em Nova York e é Chartered Financial Analyst credenciado pelo CFA Institute.
Fonte: Mises Brasil