Durante a eleição presidencial americana de 2016, o pré-candidato pelo Partido Democrata Bernie Sanders, um autodeclarado socialista, se recusou a responder perguntas sobre a Venezuela durante uma entrevista à rede Univison.
O senador alegou que não queria falar sobre o país porque “estou focado em minha campanha”. Muitos afirmaram que o real motivo era outro: a atual situação econômica da Venezuela é um exemplo prático do que ocorre quando um estado implanta um “socialismo democrático”, como sempre defendeu Sanders.
Similarmente, o papa Francisco — que arrumou tempo até mesmo para atacar ideologias pró-mercado, contraditoriamente dizendo que elas empurram milhões para a pobreza — parece bastante desinteressado em falar sobre o acentuado processo de empobrecimento a que foi submetida a população venezuelana nos últimos anos, chegando até mesmo a vivenciar uma desnutrição generalizada.
O doutor Samuel Gregg, escrevendo para o periódico Catholic World Report, disse que:
O papa Francisco é conhecido por raramente se negar a vociferar contra aquilo que ele considera ser graves injustiças. No que tange a assuntos como refugiados, imigração, pobreza e ambientalismo, Francisco fala impositivamente, e utiliza uma linguagem vívida e forte ao fazê-lo.
Entretanto, apesar da violência diária infligida pelo governo da Venezuela contra os manifestantes, apesar dos crescentes assassinatos cometidos pelo governo, apesar de uma explosão sem precedentes da criminalidade no país, apesar da desenfreada corrupção do governo, apesar da galopante inflação, apesar da explícita politização do judiciário, apesar da quase completa escassez de remédios e alimentos básicos, e apesar de todo o inegável desastre econômico causado pelas políticas do governo, o primeiro papa latino-americano quase nada fala sobre a crise que está destruindo aquele país latino-americano majoritariamente católico.
Este silêncio ocorre não obstante o fato de bispos católicos que vivem na Venezuela terem denunciado o regime de Nicolás Maduro como sendo mais um exemplo prático de como o socialismo resulta em um “total fracasso” em “absolutamente todos os países em que este regime foi instalado”.
Sendo assim, para muitos venezuelanos, a pergunta que segue sem resposta é: “Onde está o papa Francisco?”
Assim como ocorreu com Bernie Sanders [N. do E.: e com toda a turma do PT e do PSOL], Francisco nada tem a dizer sobre a Venezuela precisamente porque o regime venezuelano implantou exatamente todas as políticas defendidas por toda a esquerda que se opõe a uma economia de mercado.
Trata-se — como já dito inúmeras vezes por este Instituto — de um programa marcado por controle de preços, estatizações e expropriação da propriedade privada, generosos programas assistencialistas, planejamento centralizado, e uma infindável retórica sobre igualdade, redução da pobreza e, acima de tudo, combate aos “neoliberais”.
O próprio presidente venezuelano Nicolás Maduro fez a gentileza de explicar tudo ao mundo: “Há dois modelos: o neoliberal, que destrói tudo; e o chavista, que é centralizado no povo”.
O modelo chavista é simplesmente uma mistura de social-democracia, planejamento centralizado (o que inclui preços controlados por uma elite burocrática), impressão de dinheiro sem limites, estatizações e amplos programas assistencialistas. Na prática, é apenas uma versão mais dura da mesma ideologia de esquerda defendida por várias elites políticas dos EUA e da Europa.
Já o ‘neoliberalismo’ — como também já explicado em detalhes por este Instituto — é apenas um termo vago utilizado pejorativamente para descrever, ainda que de maneira totalmente incorreta (neoliberalismo nada tem a ver com o genuíno liberalismo), um arranjo caracterizado por mercados relativamente livres e um laissez-faire moderado.
Com efeito, nenhum outro regime no mundo, com a exceção de Cuba e Coreia do Norte, foi tão explícito em sua luta contra a suposta “ameaça neoliberal” quanto a Venezuela.
Por esse motivo, à medida que a Venezuela vai se afundando cada vez mais no caos, estamos ouvindo este silêncio ensurdecedor de grande parte da esquerda. Tal silêncio é tão gritante, que até mesmo alguns esquerdistas mais sensatos perceberam e criticaram.
Em um artigo para a revista de esquerda Counterpunch, Pedro Lange-Chorion, professor da Universidade de San Francisco, aponta:
A Venezuela era notícia apenas quando era boa notícia e quando Chávez podia ser usado como um estandarte para a esquerda, dado que suas tiradas produziam algum alívio cômico. Porém, tão logo o país entrou em sua espiral decadente e o chavismo começou a se assemelhar a qualquer outro regime autoritário latino-americano, passou a ser melhor ignorar tudo.
Ou seja, como um dedicado esquerdista, Pedro acredita que o problema da Venezuela é meramente político, e não econômico. Para ele, é apenas uma questão de infortúnio do destino que a implantação da agenda econômica chavista tenha coincidido com a destruição das instituições políticas e econômicas do país. Para Pedro, a destruição do país nada tem a ver com a adoção de políticas econômicas de esquerda. Tudo foi causado pelo repentino surgimento do autoritarismo político, o qual estaria arraigado no DNA da América Latina.
Obviamente, não houve coincidência nenhuma. Com efeito, é apenas mais um exemplo clássico de um país que, após alguns anos de políticas moderadamente pró-mercado, elege um populista de esquerda que, ao implantar sua agenda econômica, acaba por destruir toda a economia.
Isso vem ocorrendo há décadas na América Latina, onde, como já explicado pelos economistas Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards em sua tese a respeito do “populismo macroeconômico na América Latina”, o ciclo se repete continuamente. Aconteceu mais recentemente na Argentina e no Brasil.
O ciclo, de forma resumida, ocorre em quatro etapas.
Na primeira etapa, com a economia relativamente arrumada após alguns anos de um governo mais economicamente racional — o que significa, na prática, um governo que pratica uma pequena contenção de gastos e adota uma política monetária mais austera —, um populista é eleito sob a promessa de que é chegada a hora de dar à economia uma “face mais humana”, com mais redistribuição de riqueza e mais regulações. Ato contínuo, o populista dá início a políticas fiscais e monetárias expansivas. De início, tais políticas geram um crescimento da produção, do emprego e dos salários reais.
Na segunda etapa, vários gargalos começam a aparecer. A inflação aumenta de maneira significativa. O déficit fiscal do governo piora em decorrência dos subsídios do governo aos seus setores favoritos e do congelamento das tarifas dos serviços públicos (o que gera necessidade de repasses para essas empresas). A desvalorização cambial ou o controle do câmbio se tornam inevitáveis.
As etapas 3 e 4 mostram como terminam todos os experimentos populistas: escassez de produtos, inflação de preços em disparada, fuga de capitais, acentuada desvalorização cambial e, no extremo, escassez de dólares. Consequentemente, com a queda nos investimentos e com menos capital investido per capita, os salários reais inevitavelmente caem e o crescimento econômico se estanca e entra em contração.
O que normalmente se segue é a ascensão de um governo “neoliberal” que dá início à implantação de um plano “ortodoxo” de estabilização, que buscará corrigir os desequilíbrios na economia para que os investimentos retornem e a produção volte a crescer.
Neste momento, a Venezuela está no meio deste ciclo. Após décadas de um governo relativamente contido, a Venezuela se tornou, na década de 1950, um dos países mais ricos da America Latina, e sua população, a quarta mais rica do mundo. Porém, ao longo dos últimos vinte anos, os chavistas conseguiram confiscar essa riqueza, distribuí-la, regulá-la e expropriá-la, e tudo em nome da “igualdade”, do “bem do povo” e do “combate aos malefícios do capitalismo”.
Porém, só é possível redistribuir, tributar, regular e expropriar até o ponto em que as classes produtivas desistem de ser exploradas. Quando isso ocorre, a riqueza desaparece.
Para as mentes de esquerda, tamanha explosão da pobreza após a adoção de políticas econômicas abertamente de esquerda não pode, de maneira nenhuma, ser resultado de políticas econômicas ruins. Afinal, o chavismo conseguiu implantar tudo aquilo que sempre defendeu. O governo redistribuiu riqueza à vontade. Prometeu e “garantiu” um salário digno, serviços de saúde gratuitos e comida abundante para todos. A “igualdade” foi imposta por meio de decretos, suplantando toda a oposição “neoliberal”.
A única explicação possível para a calamidade, pressupõe a esquerda, está na sabotagem dos capitalistas. Ou, como o próprio papa enfatizou, no excesso de “individualismo“.
O problema insanável para a esquerda é que, neste caso, a narrativa simplesmente não é plausível. Será que a Colômbia tem menos capitalistas e menos individualistas que a Venezuela? É quase que certo que tenha mais. Sendo assim, por que os venezuelanos enfrentam racionamento de comida e de remédios, e se submetem a ficar horas em uma gigantesca fila para tentar cruzar a fronteira com a Colômbia, onde podem adquirir alimentos e produtos básicos que não estão disponíveis no paraíso socialista-democrático da Venezuela?
Igualmente, o Chile já renunciou ao seu arranjo econômico de estilo “neoliberal”? Dado que a resposta é não, então por que a economia chilena cresceu 150% nos últimos 25 anos ao passo que a economia venezuelana encolheu neste mesmo período?
A resposta consiste em um amplo e ensurdecedor silêncio.
Isso obviamente não significa que aquele arranjo que a esquerda chama de “neoliberal” não possua falhas. Alguns aspectos do neoliberalismo — como maior liberdade comercial e mercados relativamente mais livres — são a razão por que a pobreza global e a mortalidade infantil estão despencando, ao mesmo tempo em que a alfabetização e as condições de saneamento estão aumentando ao redor do mundo.
Já outros aspectos do neoliberalismo — que nada mais é do que uma mistura de social-democracia com alguma liberdade de mercado em termos microeconômicos — são odiosos. Genuínos neoliberais defendem monopólio estatal da moeda por um Banco Central, agências reguladoras para controlar determinados setores da economia, programas de redistribuição de renda, leis e regulações anti-truste, concessões em vez de genuínas privatizações e desestatizações, ajustes fiscais por meio de aumentos de impostos, além, é claro, de monopólio estatal da justiça, e saúde e educação fornecidas pelo estado.
Mas a alternativa de livre mercado para o neoliberalismo já foi fornecida há muito tempo por Ludwig von Mises, que, em sua luta solitária contra os neoliberais, defendeu a adoção de um livre mercado genuíno, de uma moeda sólida e não controlada pelo governo, e de uma liberdade total no comércio internacional.
Já a alternativa da esquerda ao neoliberalismo já foi explicitada pela Venezuela, um país onde as pessoas estão literalmente morrendo de fome e têm de esperar horas na fila para conseguir um rolo de papel higiênico.
E se isso é tudo o que a esquerda tem para mostrar sobre como seria sua vitória contra o neoliberalismo, então não é surpresa nenhuma que a esquerda esteja em silêncio.
Ryan McMaken é o editor do Mises Institute americano.
Fonte: Mises Brasil