Altos impostos sobre bens de consumo afetam o protagonismo dos indivíduos

Adivinhe quem realmente arca com o fardo?

O senso comum nos assegura que um imposto sobre a renda é “justo” porque tira dinheiro apenas dos ricos ao passo que impostos sobre bens de consumo penalizam majoritariamente os consumidores pobres, pois os empresários gananciosos repassam integralmente tais impostos ao preço final destes bens. Será mesmo? 

Seria realmente possível as empresas repassarem os impostos que incidem sobre bens de consumo totalmente para os consumidores na forma de um preço final mais elevado?

O fato de impostos sobre a renda acabarem prejudicando diretamente também os mais pobres já foi devidamente abordado em outros artigos (aqui), de modo que este irá se concentrar exclusivamente na questão de impostos sobre bens de consumo. 

Para entendermos claramente o mecanismo de uma transmissão de impostos para os consumidores, e verificarmos se tal transmissão realmente é possível em termos econômicos, comecemos do início. 

A transmissão não é simples

Imagine que o mercado esteja funcionando normalmente sem um imposto sobre bens de consumo. Assim, todos os preços vigentes são aqueles determinados pela interação entre a oferta de bens — o estoque de bens disponíveis para serem vendidos — e a demanda por esses bens. 

E então vem o governo e impõe uma taxa de 20% sobre o valor de todos os bens de consumo da economia. O que irá ocorrer?

Em primeiro lugar, todos os varejistas sofrerão um imediato aumento de 20% em seus custos de vendas. Se a receita era de $100, eles agora ficarão com apenas $80. 

Eles podem aumentar integralmente os preços para compensar este custo adicional? Difícil. Afinal, os preços, em todo e qualquer momento, tendem a já estar estipulados em um valor que traga o máximo possível de receita líquida para cada vendedor. Se os vendedores pudessem simplesmente repassar integralmente o aumento de 20% em seus custos para os consumidores, então por que já não haviam feito isso antes? Por que tiveram de esperar que o governo estipulasse um imposto sobre bens de consumo para que então elevassem seus preços?

Assim, se os preços de fato forem aumentados em decorrência desta elevação dos impostos, haverá necessariamente uma queda no consumo. Afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram em decorrência desta elevação de impostos. A demanda dos consumidores não foi alterada só porque o governo criou um imposto. Se o governo criar um imposto sobre as vendas, os consumidores não irão alterar suas curvas de demanda de modo a repentinamente aceitarem um preço maior para os bens de consumo.

Logo, se o aumento de custos for repassado aos preços, estes preços mais altos, tudo o mais constante, reduzirão o consumo.

A conclusão básica é que qualquer aumento nos custos terá de ser absorvido pela empresa; tal aumento não pode ser repassado integralmente para os consumidores.

Por isso, se as empresas repassarem o imposto para o preço final de seus produtos, elas simplesmente perderão receitas, pois menos consumidores comprarão seus produtos (assumindo aqui que a quantidade de dinheiro na economia não sofreu alterações volumosas). 

No final, os custos dos impostos serão absorvidos pelas empresas. [Isso explica por que era ingenuidade imaginar que os preços cairiam por causa da extinção da CPMF ou por causa da abolição das sacolas plásticas nos supermercados].

O efeito inesperado da elevação de impostos sobre bens específicos

O exemplo acima abordou a criação de um imposto uniforme sobre todos os bens de consumo da economia. Analisemos agora o que ocorreria caso este mesmo imposto incidisse apenas sobre bens específicos.

Imagine que o governo impõe uma taxa de 20% sobre um determinado bem — por exemplo, produtos cítricos. Tal imposto faria com que as empresas que vendem laranjas, limões, pomelos, sucos de laranja e limão, picolés, saladas de frutas etc. inicialmente tivessem de lidar com um aumento em seus custos de produção e, consequentemente, uma redução em seus lucros.

Como consequência, as pequenas empresas que operam marginalmente nesta indústria poderão sofrer prejuízos e falir, ao passo que as empresas mais eficientes irão cortar custos e reduzir sua produção, de modo a provocar uma redução na oferta de produtos cítricos no mercado. Ao fazerem isso, a redução na oferta levará a um aumento dos preços e a uma queda na demanda, mas os lucros não serão afetados, pois houve também uma redução na produção.  

Portanto, a taxa de 20% não pôde simplesmente ser repassada para os preços. Se as empresas fizessem isso e não alterassem seus custos de produção, o aumento dos preços levaria uma queda na demanda. E por não ter havido redução na produção, os lucros cairiam. 

Por isso, é exatamente o efeito destrutivo do imposto sobre os lucros da empresa o que afeta a relação de oferta e demanda, levando a uma redução da oferta e a um consequente aumento dos preços para os consumidores.

Adicionalmente, dado que os consumidores podem, e irão, alterar suas preferências, passando a consumir outros tipos de frutas e sucos assim que os preços dos cítricos subirem, as empresas de cítricos não poderão aumentar os preços de seus produtos em exatos 20%. Tudo vai depender da oferta de produtos da concorrência. Dependendo dessa disponibilidade de substitutos e da elasticidade das curvas de demanda dos consumidores, o aumento percentual no preço dos cítricos pode acabar sendo bem menor do que 20%.

Até aqui, essa análise austríaca é bastante semelhante à análise neoclássica padrão. O diferencial vem agora.

No longo prazo — e este é o ponto distintivamente austríaco –, o fardo do imposto será jogado para os proprietários dos fatores de produção voltados especificamente para o setor de frutas cítricas — no caso, os cultivadores de frutas cítricas e donos de pomares. 

O valor de seu capital — sua terra e sua mão-de-obra — cairá acentuadamente como consequência da queda na demanda por produtos cítricos. Os trabalhadores destes setores terão seus salários reduzidos. Caso não aceitem tal redução, serão demitidos e terão de procurar empregos em outras áreas. Esta maior oferta de mão-de-obra irá deprimir os salários destas outras áreas da economia.

E é assim que os consumidores serão prejudicados por este imposto indireto: como os cultivadores menos eficientes terão parado de produzir simplesmente porque não eram capazes de cobrir seus custos salariais, passa a haver uma maior escassez de produtos cítricos no mercado. E isso leva a um aumento nos preços para os consumidores. 

É desta forma, portanto, que impostos indiretos levam a aumentos nos preços. Eles não são simplesmente repassados; há toda uma distorção na cadeia de produção que leva a este aumento de preços. Quanto maior o imposto, maior será este efeito. 

Um famoso exemplo prático dessa teoria — e se tornou famoso justamente porque foi amplamente visível — ocorreu nos EUA no início da década de 1990, com a indústria de iates. Para combater uma queda nas receitas decorrente da recessão da época, o governo aprovou um imposto de 50% sobre ‘artigos de luxo’, como aviões particulares, automóveis e barcos que custassem mais de US$100.000. Mas a demanda por estes itens de luxo era tão elástica que as compras de iate despencaram de 400 unidades em 1990 (ano anterior à criação do imposto) para 10 unidades em 1992.

Quase todos os construtores de iates foram à falência e vários trabalhadores desta indústria — uma mão-de-obra muito especializada — foram demitidos e tiveram de aceitar salários muito menores como pescadores de caranguejos, pilotos de barcos de turismo etc. Os consumidores tiveram de lidar com altos preços até o imposto ser finalmente abolido em 1993.

O governo quis aumentar suas receitas mas acabou apenas gerando desemprego.

Thomas Sowell nos lembra que “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”.

No caso da indústria de barcos de luxo, quem pagou a conta não foi o governo.

Como o aumento de impostos prejudica o protagonismo dos indivíduos?

Como vimos, o aumento de impostos pode prejudicar o protagonismo dos indivíduos de várias maneiras, principalmente pela redução da renda disponível, de forma direta e indireta. Quando os impostos aumentam, a renda disponível dos indivíduos é reduzida, pois uma parte maior de seus ganhos é destinada ao pagamento de tributos. Isso limita sua capacidade de tomar decisões sobre como gastar, investir ou economizar seu dinheiro, diminuindo seu protagonismo financeiro. Em suma, o indivíduo passa a viver para pagar seus tributos e, em uma situação extrema, o mesmo passa a ficar inadimplente com as suas obrigações fiscais, pois este tenderá a garantir sua subsistência.

Outro fato é que impostos altos restringem as escolhas dos cidadãos. Com menos recursos disponíveis devido ao aumento dos impostos, os indivíduos podem se ver limitados em suas escolhas e opções, cortando despesas em áreas importantes, como educação, saúde, lazer ou investimentos em si mesmos, o que afeta diretamente seu protagonismo na busca de uma vida plena e realização pessoal.

O impacto do aumento de tributos, em detrimento da diminuição de gastos públicos também acaba por inibir o empreendedorismo. O aumento de impostos desencoraja o investimento em novos negócios, impondo uma carga financeira adicional sobre as transações e dificultando a criação e o crescimento de novas empresas. O protagonismo daqueles que desejam iniciar seus próprios empreendimentos fica prejudicado, limitando suas oportunidades de inovação, geração de empregos e crescimento econômico. Isso é demonstrado pela teoria de Laffer, que tratamos neste artigo. Governos não produzem riqueza e assim, com o crescente aumento de taxas e tributos, em um dado momento no tempo a arrecadação passa a cair. Isso se dá pela desaceleração da economia e, sobretudo, pela inadimplência dos contribuintes.

Além disso, menos recursos para investimento pessoal diminuem a capacidade dos indivíduos de custear o seu próprio desenvolvimento pessoal, como educação, treinamentos, bem-estar ou aquisição de novas habilidades. Isso prejudica a busca de crescimento profissional e limita suas chances de melhorar sua situação financeira e qualidade de vida.

De todos os problemas, a consequência maior é a crescente dependência do governo. Com o aumento de impostos, o Estado ganha mais poder, mais controle sobre os recursos financeiros da sociedade e sobre as necessidades mais básicas do cidadão. Isso pode levar a uma maior dependência das pessoas em relação aos serviços governamentais, limitando sua autonomia, ou seja, o poder de escolha na resolução de suas próprias necessidades e problemas. Governos costumam usar termos como “bem-estar social” e “é pelos pobres” quando anunciam aumentos de tributos, que, no fim das contas, se transformam em dependência social. O cidadão se torna um servo. E, mais uma vez, lembrando Thomas Sowell, “é difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço algum por estarem erradas”. Estando errados ou não, quem paga a conta é sempre o contribuinte.

Podemos compreender então que o aumento de impostos reduz a renda disponível, conquistada pelo próprio esforço do cidadão, restringindo suas oportunidades, inibindo o empreendedorismo, limitando os recursos para investimento pessoal e promovendo maior dependência do Estado. Como explicado neste artigo, é importante buscar um equilíbrio na tributação, caso contrário o colapso econômico pode se instalar de forma irreversível e, mais uma vez, quem paga a conta somos nós.

Não somos contra a cobrança de impostos, mas defendemos que os mesmos sejam mínimos para que o cidadão decida o que fazer com o recurso proveniente do seu esforço, trazendo para si uma vida melhor, paz para realizar o que desejar, liberdade de escola e prosperidade a partir daquilo que gerar honestamente.

Como bem explicou Frédéric Bastiat, na economia há aquilo que se vê e o que não se vê. Um economista tem de ser igualmente versado nas duas artes. Nenhum imposto é neutro ao mercado; todo e qualquer imposto gera consequências inesperadas e não-premeditadas. A questão é que qualquer exagero quem paga, no fim das contas, é o povo.


Artigo produzido a partir do texto de Mises Brasil, escrito por Joseph Salerno – Vice-presidente acadêmico do Mises Institute, professor de economia da Pace University, e editor do periódico Quarterly Journal of Austrian Economics.

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