As lições de Aristóteles a um jovem que sofre bullying na escola

Uma reflexão inspirada nos ensinamentos de Aristóteles para ajudar pais e filhos a enfrentarem o bullying com coragem, virtude e sabedoria

Era uma tarde tranquila. Miguel, de dez anos, estava sentado na sala, pensativo, brincando distraidamente com uma peça de quebra-cabeças em suas mãos. Ao seu lado, seus pais, Ana e Roberto, preocupados com a situação que vinha se desenrolando há semanas. Miguel, um garoto inteligente, doce, apaixonado por desenhar, extremamente curioso por experimentos científicos e séries sobre como as coisas funcionam, vinha enfrentando algo que o desgastava mais a cada dia: o bullying na escola. Os colegas o deixavam de lado em atividades como nos jogos de futebol, chamavam-no de “esquisito” e faziam-no sentir-se deslocado e mal diante das atividades. A família, buscando respostas, se perguntava por que ele precisava passar por isso, enquanto a escola parecia lenta demais para intervir, cobrando a responsabilidade da instituição para que o problema fosse amenizado ou resolvido. Estavam até pensando em enviá-lo a outra escola, que tivesse uma outra metodologia que o ajudasse a enfrentar a situação.

Foi nesse contexto que Aristóteles — sim, ele mesmo, o filósofo — apareceu, como que convocado pelas preocupações da família. Sentou-se na cadeira ao lado de Miguel e observou o garoto com gentileza. Com uma voz calma e acolhedora, pediu ao menino que contasse o que estava acontecendo.

— Miguel, você é curioso, criativo e interessado pelo mundo. Muitos não compreendem o valor dessas qualidades, mas isso não significa que você deva duvidar de si. O que você enfrenta é uma situação que chama pela sua força interior. Para lidar com isso, vamos entender juntos um pouco mais sobre como e por que as pessoas agem dessa forma com você.

A nobreza não está em dominar os outros, mas em dominar a si mesmo

Aristóteles

Miguel começou hesitante, mas logo se soltou, falando sobre as brincadeiras que adorava e a frustração que sentia. Quando terminou, Aristóteles sorriu com compreensão e disse:

— Miguel, o que você me conta me lembra que a busca pela harmonia com os outros nem sempre é fácil, mas isso não define quem somos. Quando as outras crianças te chamam de “esquisito”, elas estão agindo de maneira que parte cruel, mas, na verdade, isso revela muito mais sobre o que são e não sobre quem você é. É muito mais uma fraqueza interior delas. Muitas vezes, essas que zombam estão, na verdade, inseguras. Em vez de enfrentarem o próprio medo ou dúvida, tentam parecer mais fortes ao atacar os outros. A visão delas sobre a própria força é equivocada; não entendem que a verdadeira força está em controlar a si mesmo e serem justas, como explico em minha obra Ética a Nicômaco. A nobreza não está em dominar os outros, mas em dominar a si mesmo. Vejamos então, para que serve a força que você tem.

Miguel olhou curioso, sem saber responder. Aristóteles continuou:

— Há muitos tipos de força, meu jovem. Existe a força física, que nos ajuda em brincadeiras e esportes, mas existe uma força ainda mais importante, que é a força da mente e do coração. É essa força que nos permite lidar com os desafios sem que nos tornemos amargos. Diga-me, Miguel, você gosta de desenhar e criar, certo?

Miguel balançou a cabeça, indicando que sim, com entusiasmo.

— A força de sua imaginação — Aristóteles prosseguiu — é um talento que poucos têm. Ela faz parte de quem você é. Os outros talvez não compreendam esse talento agora, mas isso não significa que ele seja menor. Pelo contrário, é algo que torna você único. Cada pessoa tem suas  virtudes, características especiais que, quando bem desenvolvidas, a ajuda a encontrar a própria felicidade e propósito. Muitas vezes, na busca por essas características, seus colegas se deparam com as suas qualidades e, na verdade, lá no fundo do coração, desejam ser como você, mas sabem que isso nem sempre é possível. Então, o que acabam fazendo é implicar com o seu jeito, numa forma de tentar te igualar a eles, para que possam se sentir confiantes de que não conseguem ser ou fazer o que você faz.

Miguel escutava com atenção e perguntou:

— Então… essas crianças, na verdade, têm problemas?

— Exatamente, Miguel. Muitas vezes, aqueles que fazem o bullying agem assim para pertencer a um grupo ou esconder a própria vulnerabilidade. Alguns podem repetir comportamentos que observam em casa, ou talvez, tenham passado por situações difíceis e não conseguem se expressar para resolver seus problemas. A agressão é, por vezes, um ponto de atenção, um pedido silencioso de ajuda e de aceitação. O que eles realmente buscam parecer é se sentirem pertencentes a um grupo, mas o fazem da maneira errada.

Aristóteles se voltou então para os pais de Miguel, que ouviam atentamente.

— Ana e Roberto, as dificuldades do Miguel com os colegas não dizem respeito apenas a ele. Dizem respeito também ao ambiente e ao entendimento de todos sobre quem ele é. Às vezes, quando alguém é um pouco diferente, pode assustar aqueles que não entendem bem o valor das diferenças. Acredito que, antes de buscar medidas contra os outros, precisamos ajudar Miguel a desenvolver o que chamo de “virtudes da alma”: a coragem, a resiliência e a sabedoria para entender que seu valor não depende das opiniões dos colegas.

Ana, preocupada, questionou:

— Mas, Aristóteles, como ele pode aprender com tudo isso? Ele ainda é tão jovem…

— Justamente porque é jovem é que tem a chance de aprender — respondeu Aristóteles. Isso faz parte da vida.

— Miguel, a coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de seguir em frente apesar dele. Isso significa que, mesmo quando o chamam de “esquisito”, você pode lembrar-se de que é apenas uma palavra. Aqueles que a usam não entendem tudo o que você tem a oferecer. Talvez nem queiram entender. Lembra-se do que você me disse sobre robótica? Você cria, explora e inventa. Esse é o seu talento, e nada do que dizem pode mudar isso.

— Então… eu não sou o problema? — perguntou Miguel, com os olhos brilhando.

— Não, meu rapaz — disse Aristóteles, colocando a mão no ombro de Miguel. — Quem busca entender o mundo, quem imagina, quem explora, não pode ser um problema. Você é, na verdade, uma dádiva para este mundo. E sua tarefa é desenvolver-se e aprender a valorizar o que você traz de especial, para que, quando crescer, ajude outros a verem isso também. As pessoas que zombam de você, na verdade, sentem-se inseguras por não saberem o que fazer com alguém que brilha de forma diferente.

— Mas isso não justifica o que fazem com Miguel! — Ana interrompeu, visivelmente emocionada.

Aristóteles assentiu com compreensão.

— Claro que não, Ana. A injustiça que Miguel sofre não é correta. No entanto, quando compreendemos a origem da injustiça, podemos enfrentá-la sem nos tornarmos prisioneiros do ressentimento. O que esses colegas dele precisam é de orientação, de alguém que os ensine a cultivar a verdadeira virtude. Como vocês podem ver em minha obra Política, a educação e o ambiente são fundamentais para a formação do caráter. Crianças que crescem sem esses valores podem se perder em uma visão equivocada de poder e pertencimento.

Voltando-se para Miguel, Aristóteles continuou:

— A solução, Miguel, não é reagir com raiva ou ressentimento, mas aprender a ser forte por dentro. A coragem verdadeira não é se impor sobre os outros, mas encontrar o equilíbrio entre proteger seu valor e não se deixar afetar pelo que é pequeno e injusto. E, indo além, ao fazer isso, você se torna um exemplo para os outros.

Virando-se novamente para os pais, Aristóteles continuou:

— Vocês podem ajudar Miguel, mas de uma forma que talvez não esperem. Em vez de alimentarem o desejo de vingança ou de defesa contra os outros, deem a ele oportunidades para entender a si mesmo. Deem-lhe espaço para experimentar, para errar e para crescer. Incentivem-no a fazer amigos que compartilhem seus interesses, como a robótica, o desenho, artes, esportes ou a ciência. Vocês podem construir a resiliência em Miguel não o protegendo de cada pequena dor, mas mostrando-lhe que ele é forte o bastante para suportá-las e, sobretudo, que vocês estarão com ele nesta jornada.

Ser autêntico exige coragem

Aristóteles

Miguel, que escutava atentamente, perguntou:

— Mas e se eu continuar me sentindo sozinho na escola?

— A solidão pode ser um desafio, Miguel — disse Aristóteles. — Mas, às vezes, é nela que encontramos nosso verdadeiro eu. A vida tem diferentes fases, e nem sempre as coisas serão fáceis. Mas você verá, ao longo do tempo, que os amigos verdadeiros virão quando você menos esperar, atraídos pela sua autenticidade e gentileza.

E olhando diretamente nos olhos de Miguel, Aristóteles acrescentou:

— Ser autêntico exige coragem. E a maior nobreza está em ser quem você é, independentemente do que os outros pensem. Mantenha-se fiel ao que gosta e ao que acredita. No futuro, será essa fidelidade que mostrará a sua grandeza, e aqueles que o ridicularizaram terão que reconhecê-la, mesmo que em silêncio.

Miguel, com uma expressão aliviada, perguntou:

— Então, a solução é continuar sendo quem eu sou, mesmo que isso seja difícil?

— Exatamente, Miguel — disse Aristóteles. — Coragem não é apenas a força física; é a capacidade de enfrentar o que é desafiador, permanecendo fiel a si mesmo. E lembre-se: cada um de nós tem um propósito e uma maneira única de contribuir com o mundo. O que hoje parece solitário, um dia será a razão pela qual outros o procurarão e o admirarão.

Aristóteles então se despediu, deixando Miguel e seus pais com reflexões e um novo entendimento. Ana e Roberto perceberam que, em vez de tentar mudar o ambiente ou os colegas, precisavam focar em fortalecer Miguel por dentro. A escola, claro, ainda teria um papel importante, mas a verdadeira mudança viria de Miguel, de sua capacidade de enfrentar o que não podia ser mudado e crescer com o que lhe era oferecido.

Naquele momento, Miguel começou a vislumbrar que, com o tempo, suas qualidades poderiam se desenvolver, naturalmente. Isso trouxe um novo panorama para a questão, resultando em uma certa paz no coração. E, ao lado dos pais, que agora entenderam a importância de uma base firme e amorosa, Miguel compreendeu que necessitava não apenas de coragem, mas também do apoio para trilhar seu caminho. Compreendeu que o problema não é só dele. Assim passou a se sentir mais confiante, pois sabia que, a cada passo, ele estava se tornando não só mais resiliente, mas também mais próximo de seu propósito, em busca de desvelar a sua força genuína, a partir da paz interior e da autoconfiança.

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Para saber mais

Para os pais que se identificaram com a jornada de Miguel e desejam se aprofundar nos temas de virtude, autoconfiança e formas de lidar com o bullying, aqui estão algumas leituras recomendadas:

  1. Ética a NicômacoAristóteles
    Este clássico de Aristóteles explora as virtudes e como cultivá-las para alcançar uma vida equilibrada e feliz. Ideal para pais que desejam entender o valor da educação emocional e do autodomínio.
  2. A PolíticaAristóteles
    Nesta obra, Aristóteles aborda a importância da comunidade e do ambiente na formação do caráter, oferecendo insights sobre como as relações sociais moldam o comportamento.
  3. Em defesa de si mesmo: psicologia do autoconhecimento e resiliênciaChristophe André
    Este livro traz uma abordagem prática para desenvolver a autoestima e a autocompreensão, fundamentais para enfrentar situações como o bullying com equilíbrio emocional.
  4. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligenteDaniel Goleman
    Este best-seller oferece um guia sobre como as emoções afetam as relações e o sucesso pessoal, ajudando pais a entender a importância da inteligência emocional no combate ao bullying.
  5. A Psicologia do Bullying: como a cultura influencia o comportamento agressivoPeter K. Smith
    Um estudo profundo sobre as raízes culturais e psicológicas do bullying, mostrando como os comportamentos agressivos surgem e como a empatia pode ser incentivada para preveni-los.
  6. A Coragem de ser imperfeitoBrené Brown
    Brené Brown explora como a vulnerabilidade é essencial para desenvolver a coragem e a autocompaixão, valores que ajudam as crianças a lidar com as críticas e a valorizarem quem realmente são.
  7. Criando filhos resilientes: como criar crianças autoconfiantes e resilientesRobert Brooks e Sam Goldstein
    Este guia para pais traz orientações sobre como fortalecer a resiliência das crianças, com estratégias para ensiná-las a superar dificuldades como o bullying.
  8. Bullying e Cyberbullying: estratégias para enfrentar o problemaIan Rivers
    Este livro examina o bullying e o cyberbullying, oferecendo conselhos práticos para pais e educadores sobre como identificar, prevenir e intervir nesses comportamentos.

Jorge Quintão – IoP

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