As virtudes cardeais, o Estado e seus pecados capitais

As virtudes na ética burguesa versus os vícios e pecados capitais do Estado moderno

Atualmente, quase ninguém mais fala sobre as tábuas das virtudes e dos vícios, dentre os quais estão os sete pecados capitais.  Porém, ao analisarmos ambos — virtudes e vícios –, encontramos um perfeito sumário dos fundamentos da ética burguesa e uma sólida crítica moral ao Estado moderno.

É verdade que os libertários muito raramente falam sobre virtudes e vícios, principalmente porque nós concordamos com o filósofo Lysander Spooner: vícios não são crimes, e a lei deveria cuidar apenas destes últimos.  Ao mesmo tempo, é extremamente necessário observarmos como vícios e virtudes — bem como nossa concepção sobre o que constitui uma cultura e um comportamento adequados — possuem uma forte relação com a ascensão e o declínio da liberdade em nosso mundo atual.

Permitam-me um simples, porém intrigante exemplo.  Há alguns anos, um palestrante em uma conferência realizada pelo Mises Institute estava explicando como algumas questões como assistencialismo, caridade e amparo aos pobres poderiam ser realizadas por meios voluntários — isto é, pela filantropia.  Sua explicação foi brilhante, só que, ao final, alguém levantou a mão.

Um aluno da Índia tinha uma pergunta.  E se — perguntou ele — uma pessoa vive em uma sociedade em que a religião diz que a condição de um indivíduo é ditada por Deus, e que, sendo assim, seria um pecado tentar modificá-la?  Os pobres, segundo essa visão, supostamente devem continuar sendo pobres, e ajudá-los seria uma violação dos desígnios de Deus.  Com efeito, uma pessoa caridosa estaria cometendo um crime contra Deus.

O palestrante ficou ali parado, em estupefato silêncio.  Todos os outros presentes olharam boquiabertos para o autor da pergunta.  Todos nós ficamos perplexos ao sermos confrontados com uma realidade que é frequentemente por nós ignorada: a ética que fortalece a nossa cultura, algo que muitas vezes tomamos como um fato consumado, é essencial para o funcionamento daquilo que chamamos de “boa sociedade”, baseada na dignidade do indivíduo, bem como para a possibilidade do progresso, da liberdade e da prosperidade.

E uma economia produtiva, baseada no livre mercado e sustentada por um forte senso de responsabilidade individual e por um compromisso moral para com o respeito aos direitos de propriedade, é justamente o arranjo que pode permitir progresso, liberdade e prosperidade.  No entanto, esse arranjo possui um grande inimigo: o Estado intervencionista.  É ele quem tributa, regulamenta e inflaciona a quantidade de dinheiro na economia, distorcendo desta forma um sistema que caso contrário iria funcionar harmoniosamente, produtivamente e para o grande benefício de todos, gerando riqueza, segurança e paz, e criando as condições necessárias para o florescimento de tudo aquilo que chamamos de civilização.

O nome que Karl Marx deu a esse sistema foi ‘capitalismo’, pois ele acreditava que o livre mercado era o sistema que fortalecia e dava plenos poderes aos proprietários do capital — a burguesia — em detrimento dos trabalhadores e camponeses da classe proletária.

O nome ‘capitalismo’ é um tanto capcioso porque a livre iniciativa não é, de fato, um sistema econômico organizado para beneficiar unicamente as classes detentoras do capital.  Ainda assim, os defensores do livre mercado não se mostram desconfortáveis em utilizar o termo capitalismo precisamente porque a propriedade do capital e sua acumulação é de fato a força-motriz que impulsiona o funcionamento de um produtivo livre mercado.  Como explicou Mises, o capitalismo serve aos interesses materiais e ao proveito próprio de todas as pessoas, inclusive os não-capitalistas — os proletários.  Em uma sociedade capitalista, os meios de produção em mãos privadas servem exclusivamente ao mercado.  Quem se beneficia fisicamente das fábricas e indústrias são todas aquelas pessoas que compram seus produtos.  Em conjunto com os incentivos gerados pelo sistema de lucros e prejuízos, bem como toda a liberdade de concorrência que tal sistema implica, a existência da propriedade privada dos meios de produção garante uma sempre crescente oferta de bens e serviços para todos.

Portanto, embora esse sistema funcione não apenas para o benefício dos capitalistas, é certamente verdade que a propriedade privada dos meios de produção, bem como a criação dessa classe de cidadãos empreendedores, é algo crucial para que todos nós desfrutemos todas as glórias de uma economia produtiva.

Em conjunto com a criação desta classe vem também a formação daquilo que se convencionou chamar de ‘ética burguesa’ — um termo utilizado sarcasticamente para escarnecer o comportamento habitual da classe empreendedorial.  Marxistas empedernidos ainda utilizam essa frase como se ela descrevesse a classe exploradora.  Mais comumente, ela é utilizada por intelectuais para identificar um tipo de comportamento monótono e previsível que, na concepção deles, não mostra um devido respeito por coisas vanguardistas e progressistas.

Normalmente ela é utilizada para descrever aquelas pessoas que possuem afeições à sua comunidade (ou à pequena cidade em que nasceu), à religião e à família, e que se mostram um tanto avessas a modismos e comportamentos progressistas que ultrapassam as normas culturais comumente aceitas.  Porém, aqueles que utilizam esse termo pejorativamente não costumam ser gratos ao fato de que foi justamente a ética burguesa quem tornou possível o estilo de vida de todas as classes, inclusive da classe intelectual.

A burguesia, na acepção original do termo, sempre foi formada por uma classe de poupadores, de pessoas que honravam suas palavras e respeitavam seus contratos, de pessoas que tinham uma profunda ligação à família.  Essa classe de pessoas se importava mais com o bem-estar de seus filhos, com o trabalho e com a produtividade do que com o lazer e o deleite pessoal.

As virtudes da burguesia são as tradicionais virtudes da prudência, da justiça, da temperança e da fortaleza (ou força).  Cada uma delas possui um componente econômico — vários componentes econômicos, na verdade.

A prudência dá sustento à instituição da poupança, ao desejo de adquirir uma boa educação para se preparar para o futuro, e à esperança de poder legar uma herança aos nossos filhos.

Com a justiça vem o desejo de honrar os contratos, de dizer a verdade nos negócios e de fornecer uma compensação para aqueles que foram injuriados.

Com a temperança vem o desejo de se controlar e se restringir a si próprio, de trabalhar antes de folgar, o que mostra que a prosperidade e a liberdade são, em última instância, sustentadas por uma disciplina interna.

Com a fortaleza vem a coragem e o impulso empreendedor de se deixar de lado o temor desmedido e de seguir adiante quando confrontado pelas incertezas da vida. 

Essas virtudes são os fundamentos tradicionais da burguesia, bem como a base das grandes civilizações.

Porém, a imagem invertida destas virtudes mostra como o modo virtuoso do comportamento humano encontra seu oposto nas políticas públicas empregadas pelo Estado moderno.  O Estado se posiciona diretamente contra a ética burguesa, sobrepujando-a e fazendo com que seu declínio permita ao Estado se expandir em detrimento tanto da liberdade quanto da virtude.

Na tradição religiosa ocidental, os sete pecados capitais não são os únicos pecados que existem.  Eles são chamados de capitais porque, no ensinamento tradicional, eles resultam na morte espiritual. 

Analisemos cada um deles:

Vaidade (ou soberba)

Também chamada de orgulho, ou, mais exatamente, de um excessivo e desproporcional orgulho por si próprio.  Sabemos o que significa uma pessoa ser excessivamente vaidosa ou orgulhosa.  Significa que ela coloca seus interesses antes dos de todos os outros, mesmo que, ao fazer isso, prejudique a todos.  Trata-se da superestimação de uma pessoa por si própria e da importância de que é obter seus interesses e “direitos” à custa de todos.

Na esfera pública, podemos pensar nos vários grupos organizados que acreditam piamente que suas demandas e interesses são mais importantes que os de todo o resto da população.  Com efeito, esse traço de soberba caracteriza perfeitamente essa pavorosa moda de se sair exigindo todos os tipos de novos “direitos”.  Temos, por exemplo, lobistas que se julgam genuínos representantes de todas as várias categorias sexuais, raciais e de deficientes, e que se acham por isso no pleno direito de violar a propriedade e a liberdade de todos para o seu próprio benefício.  Eles estão plenamente convictos, por causa de sua própria vaidade, de que têm o direito de ter privilégios especiais em detrimento dos genuínos direitos de todo o resto.  O estado de direito e sua aplicação igualitária para todos se torna assim completamente distorcido pelas demandas de alguns poucos contra a ampla maioria.

Esse dificilmente é o caminho para uma paz social de longo prazo.  Considere a questão da discriminação (racial, sexual, religiosa, de gênero ou de inaptidão física) no emprego.  Por que uma pessoa iria querer trabalhar para um empregador que realmente não quer contratá-la?  Em um mercado competitivo, empregadores têm a liberdade de discriminar, mas os custos dessa prática serão arcados totalmente por eles, pois seu sucesso ou fracasso dependem totalmente do julgamento dos consumidores.

Como empregadores estão em constante concorrência entre si, todos podem encontrar um lugar para si próprio dentro dessa vasta rede que é a divisão do trabalho.  O orgulho que leva ao curto-circuito desse processo não é do interesse de longo prazo da sociedade.

O mesmo raciocínio é válido quando ampliado para o conceito de nações.  Não há nada de errado em se ter um orgulho natural e normal de seu país.  Porém, ser arrogante e sobrestimar os méritos de um determinado país pode gerar péssimos efeitos econômicos.  Dentre estes temos o protecionismo, o mercantilismo e o nacionalismo, o que gera beligerância nas relações internacionais.

Se, por exemplo, os cidadãos de um país estão plenamente convencidos de que os produtos fabricados dentro de suas fronteiras são bons (pois “foram feitos por nós!”), então qual o motivo de se querer punir qualquer estrangeiro que tente nos vender seus produtos?  Isso é arrogância, presunção, orgulho, soberba, vaidade.  Além disso, ao se adotar este protecionismo, estamos nos prejudicando a nós próprios, pois estamos nos obrigando a pagar preços mais altos por produtos de menor qualidade — algo especialmente cruel para os mais pobres.

Trata-se de um arranjo insustentável no longo prazo.  Qualquer indústria que seja protegida da concorrência se torna cada vez menos eficiente.  O país que adota esse tipo de mercantilismo pode chegar ao extremo de levar à total ineficiência todo o seu parque industrial, suprimindo novas linhas de produção que seriam eficientes caso operassem sob concorrência e tivessem acesso a maquinário importado a custo baixo.

Por fim, a vaidade na arena pública pode resultar em uma total abolição da inteligência crítica.  Ao se repetidamente afirmar que se vive em um país maravilhoso e grandioso, questões genuinamente importantes como tributação, protecionismo e políticas regulamentais, e seus consequentes efeitos sobre a liberdade das pessoas, passam a ser ignoradas por todos, pois absorveu-se a ideia de que criticar o governo e suas medidas é algo antipatriótico, e que quem o faz está sendo contra o próprio país e contra todos que ali vivem.

Ira

A civilização ocidental, ao longo de 2000 anos, considerou a ira como um vício grave, pois leva à destruição em vez da paz e da produtividade.  Daí surgiu a instituição dos tribunais no âmbito doméstico e da diplomacia no âmbito internacional.

Porém, dentro de nossos próprios países, o tabu contra a ira já desapareceu por completo nas questões públicas, e as medidas raivosas do Estado são tratadas com absoluta normalidade pela grande maioria da população.  Pessoas que não pagam de impostos aquela quantidade que o próprio Estado estipulou ser a correta são publicamente perseguidas, execradas, encarceradas e ameaçadas de morte, e suas propriedades são confiscadas e furiosamente redistribuídas a terceiros — ou ficam para os próprios membros da burocracia.

Essa institucionalização da fúria estatal contra os súditos que não cumprem sua “obrigação” de sustentá-la — bem como a entusiasmada aceitação dessa postura estatal por boa parte da população — possui consequências culturais devastadoras.  Não apenas estimula a inveja (que será analisada abaixo), como também institucionaliza um método legal para canalizar toda a ira gerada pela inveja.

Quando o governo se enfurece contra uma determinada classe de indivíduos “insolentes” que não aceitam acatar todos os seus ditames, ele despeja toda a sua ira sobre eles, e sempre com o apoio das classes bem pensantes.  Qual a lição que o resto da população tira de tudo isso?  Tremo só de pensar.

Inveja

Trata-se de uma palavra que raramente se ouve hoje em dia.  Inveja não é a mesma coisa que ciúme.  O ciúme é meramente um desejo de usufruir a mesma propriedade e status de uma outra pessoa.  Já a inveja significa o desejo de se prejudicar alguém unicamente porque esse alguém possui alguma qualidade, virtude ou bem que você não tem.  É o desejo de destruir o sucesso ou a felicidade de outra pessoa.

No mundo atual, vemos reiteradas cantilenas raivosas contra os ricos, seguidas de irados apelos para que o governo aumente a tributação sobre eles, confiscando assim boa parte daquilo que conseguiram por mérito próprio e por meio de seu esforço pessoal.  Isso nada mais é do que a inveja dos incapazes sendo despejada sobre aquelas pessoas que eles, os invejosos, no íntimo sabem serem melhores do que eles próprios.  E as políticas assistencialistas e redistributivistas nada mais são do que a inveja em ação.

Algumas pessoas até mesmo dizem que o que realmente importa nas políticas de redistribuição de renda não é o Estado ajudar os pobres mas sim prejudicar os ricos.  O mesmo raciocínio se aplica para o imposto sobre a herança, o qual arrecada relativamente muito pouco, mas faz um enorme estrago sobre pretensas dinastias familiares.

Quantos discursos feitos por políticos contra empresas, contra os ricos e contra a classe empreendedorial você já ouviu?  Quantos deles são guiados puramente por esse pecado capital?  Certamente quase todos.  Além do confisco direto da renda, políticas antitruste que visam a destruir um determinado empreendimento simplesmente porque ele se tornou grande e bem sucedido também são resultado da inveja.

Intelectuais mais honestos costumam dizer que não há nada de errado com a inveja, pois, como eles corretamente concluem, a inveja fornece as bases para boa parte das modernas políticas públicas…

Ainda assim, trata-se de um pecado capital.  E um com o potencial de destruir toda uma sociedade caso sua expansão não seja completamente contida.  E em nenhum outro lugar ele é mais implacavelmente difundido e generalizado do que dentro da cultura do próprio Estado, que condena de todas as formas o sucesso empreendedorial e pessoal, e abomina o mérito e o esforço próprio.

Cem anos atrás, várias dinastias possuíam mais riqueza à sua disposição do que o governo federal.  Será que algum Estado moderno toleraria tal disparate?  Muito duvidoso.  De acordo com a mentalidade que hoje nos domina, toda riqueza que não pertença ao Estado está necessariamente à disposição de todos, podendo ser confiscada sob demanda.  Principalmente a riqueza das famílias ricas.

Avareza

O semelhante pecado de cobiçar aquilo que pertence a outra pessoa, querendo se apropriar daquilo através de qualquer meio possível, também é algo socialmente pernicioso.  Por meio da tributação e da redistribuição, o Estado está efetivamente abençoando o pecado da avareza.

No entanto, convém deixar algo bem claro.  Cobiçar algo não é o mesmo que um inocente desejo de melhorar a própria condição de vida.  Este último representa um bom impulso, algo que motiva as pessoas a serem bem sucedidas na vida.  A avareza é diferente porque ela não dá a mínima para os meios que serão utilizados para se alcançar os objetivos estabelecidos.

Em vez de trocas produtivas, a avareza recorre ao roubo — seja o roubo feito individualmente, seja o roubo público que utiliza o governo.  Vemos a avareza, por exemplo, em todas as políticas governamentais que visam a socorrer pessoas cujos investimentos ou empreendimentos deram errado, e as quais clamam para que o governo intervenha para lhes socorrer.  Vemos também no caso de funcionários públicos que exigem, sempre por meios chantagistas, que o governo aumente seus proventos. 

Nesses casos, o desejo por dinheiro sobrepuja todas as considerações morais a respeito de como exatamente esse dinheiro deve ser adquirido.  E quanto mais o Estado aquiesce, isto é, quando mais o Estado cede e alimenta o pecado da avareza, mais as pessoas se tornam avarentas, e mais a ética burguesa cai em desuso.

O Estado moderno não é capaz de nada sem a sua avareza.  Ele mantém seu olhar vigilante constantemente fixado em nossas liberdades, em nossa privacidade, em nossa riqueza e em nossa independência, desejando suprimir todas elas utilizando qualquer meio possível.  Sob o Estado avarento, a liberdade está em constante declínio, a fatia da riqueza sujeita à tributação está sempre aumentando, e a capacidade de indivíduos e instituições prosperarem fora da alçada das bênçãos do governo é cada vez mais ínfima.

Gula

Costumamos pensar em gula como algo relacionado unicamente ao ato de comer.  Porém, gula também significa um desejo excessivo por conforto, luxo, magnificência e ócio, tudo em detrimento do trabalho e da produtividade.  Funcionários públicos, por exemplo, quando exigem que o governo espolie a população para lhes fornecer uma vida confortável, principalmente por meio de aposentadorias nababescas, estão incorrendo no pecado da gula.

O mesmo pode ser dito também para grupos de interesse de idosos, quando estes demandam aumentos em seus pagamentos previdenciários.  Como a previdência nada mais é do que um fraudulento esquema de pirâmide, não há nenhum dinheiro que foi ali guardado e investido apenas para, futuramente, ser devolvido com valores corrigidos aos depositantes originais.  Todo o dinheiro hoje direcionado para a previdência social é imediatamente gasto pelo governo.  Logo, quando aposentados exigem aumentos em suas aposentadorias, eles estão na realidade querendo melhorar suas vidas à custa da atual geração de trabalhadores, cujas contribuições previdenciárias teriam de ser elevadas.  Eis aí outro exemplo do pecado capital da gula.

E ele não se restringe aos idosos e aos funcionários públicos.  Trata-se de um fenômeno também entre aqueles pobres que foram condicionados pelo Estado assistencialista a crer que têm o direito de viver bem sem a necessidade de ganhar dinheiro por conta própria.  Curiosamente, em vários países, as taxas de obesidade entre os pobres superam em muito as da burguesia.

A difusão da gulodice também aparece nos crescentes níveis de endividamento das pessoas em todo o mundo.  Tal comportamento implica o desejo de se consumir hoje sem qualquer consideração para com as consequências futuras.  O consumidor glutão não se importa em nada com o longo prazo; só se importa em saciar seu apetite hoje.

E quem estimula esse comportamento imprudente e estouvado, esse pecado capital, é justamente o banco central por meio de suas políticas de expansão monetária, de manipulação dos juros e de socorro a instituições em dificuldade, o que cria a ilusão de que não há aspectos negativos em se viver pensando apenas no presente à custa do futuro.  A inflação monetária estimula o gasto e desestimula a poupança, pois faz com que o dinheiro perca continuamente poder de compra.  A inflação institucionaliza o pecado da gula e o faz parecer algo racional.

Para um exemplo final, basta uma visita às instalações governamentais — de preferência, na capital do seu país — para ver intermináveis ostentações de gulodice: gula por dinheiro, por bens e por poder.  Do ponto de vista do Estado, ele nunca possui uma quantidade suficiente de poder, de dinheiro e de bens.  Ele só faz comer, tornando-se cada vez mais gordo.  E se você apontar para este fato, será rotulado de extremista e depois será devidamente escarnecido. 

Preguiça

A história de como o Estado assistencialista criou uma classe de pessoas preguiçosas é antiga, e raramente contestada.  A promessa de algo em troca de nada, e tudo à custa de terceiros, corrompeu não apenas os pobres, mas também os mais velhos e principalmente os jovens estudantes recém-graduados, especialmente aqueles entre 18 e 25 anos.

Entre os mais velhos, é patético ver como uma classe de pessoas preparadas, que deveria estar na vanguarda da sociedade com sua sabedoria e experiência, liderando-a rumo aos mais altos ideais, se tornou meramente uma classe de desocupados.  A coisa se torna ainda mais moralmente degradante quando os “velhos” em questão são funcionários públicos que tiveram aposentadorias precoces e privilegiadas, e se tornaram uma classe de meros viajantes, sustentados com dinheiro de impostos e com tempo de sobra em mãos.  Sejamos bem claros (e isso é válido para todos os tipos de aposentados): em uma sociedade livre, não existe algo como um ‘direito à aposentadoria’, e muito menos um direito a uma aposentadoria confortável.  Esse conceito foi inventado apenas no New Deal.  Antes dessa época, a preguiça era algo que deveria ser comprada com dinheiro próprio.  Hoje, qualquer um pode desfrutar dela por meio das tributações do Estado.

Quanto aos jovens estudantes, nosso sistema educacional (público e privado), totalmente gerido pelos burocratas do Ministério da Educação, os socializou e os condicionou a acreditar que, quanto mais credenciais e títulos uma pessoa tem, mais ela tem o direito de exigir da sociedade alguma recompensa em troca da benção que é para o mundo a sua mera existência.  Pergunte a qualquer empreendedor sério hoje que queira contratar alguém.  Ele lhe dirá que é extremamente raro encontrar algum jovem que entenda que o emprego não é uma homenagem concedida, mas sim um arranjo voluntário em que o trabalho é ofertado em troca de um salário.  Quanto maior o nível de socialização do sistema educacional de um país, mais difundido é essa mentalidade do “direito adquirido”.

O subsídio da preguiça cria um círculo vicioso.  Quanto mais o Estado recompensa o ato de não trabalhar, menos as pessoas se dão ao trabalho de adquirir meios financeiros e pessoais para serem independentes do Estado.  Os indolentes são naturalmente propensos a desenvolver dependências, que é exatamente aquilo que o Estado quer e é exatamente aquilo de que ele gosta.

Enquanto isso, considere a indolência do próprio Estado.  Não existe classe mais avessa ao risco do que a classe burocrática.  Fazer com que burocratas trabalhem é o mesmo que fazer com que porcos gordos disputem uma corrida.

Há alguns anos, um burocrata federal nos enviou um artigo, no qual ele se recusou a escrever seu nome verdadeiro.  Ele dizia:

O que leva as pessoas a trabalharem para o governo?  O que as mantém lá por toda a vida?  É simples: compensações excessivas, enormes benefícios e ótimas condições de trabalho.  É atraente para entrar e praticamente impossível de se querer sair…  O que eu perderia se saísse do governo?  Pra começar, uma semana de trabalho curta já estaria fora de qualquer perspectiva… Atualmente, posso gastar 17,4% do meu horário de trabalho em férias.  São doze semanas por ano, eternamente… Eu também poderia dar adeus aos “benefícios” extra-oficiais: por exemplo, todos os dias faço uma corridinha leve de uma hora, seguida de um banho prolongado e um almoço calmo e tranquilo.  Isso me mantém em ótima forma para usufruir minhas constantes férias.  E visitas a algum shopping durante minha hora de trabalho são sempre possíveis (pois ninguém é de ferro).  Stress?  Não tem como.  Se relaxamento prolongasse a longevidade, burocratas viveriam até os 150 anos de idade.

Entretanto, nessa área específica, talvez devêssemos ser agradecidos.  A única coisa pior do que um Estado indolente é um Estado energizado que acorda cedo todos os dias ávido para confiscar nossas liberdades.

Luxúria

Este pecado é normalmente visto como sendo apenas um problema pessoal.  Porém, vemos todo o seu potencial de destruição presente em qualquer política governamental que não considere a família como o alicerce da sociedade burguesa.  No atual cenário político, age-se como se a família fosse algo dispensável, quando na realidade ela é o baluarte essencial entre o indivíduo e o Estado.

Economistas atentos como Ludwig von Mises e Joseph Schumpeter observaram que a família é o campo de preparo para a ética do capitalismo.  É com a família que aprendemos que o roubo é algo perverso, que respeitar a propriedade alheia é algo essencial e moralmente correto, que poupar e fazer planos para o futuro é indispensável para o sucesso e que manter a nossa palavra é uma atitude respeitável.

Não é nenhuma coincidência que os marxistas desde sempre tenham tentado esmagar a instituição da família e reduzir toda a sociedade a indivíduos atomísticos incapazes de se proverem a si próprios — e que, por isso, inevitavelmente teriam de acorrer ao Estado, em vez de aos pais e à família, suplicando por ajuda.

Estes são os sete pecados capitais, e em cada exemplo — e de centenas de maneiras distintas que não mencionei aqui — as políticas governamentais estimulam esses pecados à custa da ética burguesa, que é a ética de um livre mercado, de uma sociedade produtiva, pacífica e blindada contra poderes arbitrários.

Por que atualmente pouco ouvimos falar dos sete pecados capitais?  Talvez porque nenhuma instituição é mais gulosa, avarenta, vaidosa e raivosa do que o próprio Estado.  No setor privado, as instituições criadas pelo próprio mercado corrigem esses abusos ao longo do tempo.  No Estado, como não há nenhum mecanismo de mercado para testar e coibir comportamentos antiéticos, esses pecados capitais prosperam violentamente.

Não estou de modo algum sem esperanças quanto ao futuro da burguesia.  Se houvesse um real perigo de que essa classe pudesse ser destruída, décadas de políticas estatais criadas justamente para aniquilá-la já teriam alcançado seu objetivo a esta altura.

Mesmo assim, não podemos nos tornar complacentes.  Da mesma maneira que várias batalhas políticas são reduzidas a um conflito entre culturas, raças, gêneros e sexualidade, a melhor maneira de oferecer resistência ao Estado é vivendo e praticando a ética burguesa em nossos lares, comunidades e empreendimentos.

Relembremos constantemente, portanto, as quatro grandes virtudes burguesas da prudência, da justiça, da temperança e da fortaleza; e, ao praticá-las, façamos nossa parte para construir a liberdade e a prosperidade, ainda em nossa era.  Que jamais tomemos esses alicerces culturais da nossa civilização como um fato consumado e corriqueiro.


Lew Rockwell é o chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com , e autor dos livros Speaking of Liberty.

Fonte: Mises Brasil

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