BNDES: uma máquina perniciosa de redistribuição de renda ao contrário

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apresentou ontem (14) os resultados financeiros de 2022. O lucro líquido recorrente foi de R$ 12,5 bilhões. O valor considera o lucro contábil líquido de R$ 41,7 bilhões, deduzido dos elementos de caráter extraordinário. Entre eles, o banco destaca receitas de dividendos da Petrobras, valores devidos pela operadora Oi e alienação de ações da JBS e da Eletrobras. O resultado representa crescimento de 46,2% em relação a 2021.

Os desembolsos, que incluem os empréstimos e as ofertas de crédito, foram de R$ 98 bilhões em 2022, o que equivale a 1% do PIB. Em comparação mais ampla, o BNDES repassou, de 2015 a 2022, R$ 873 milhões ao Tesouro Nacional, enquanto os desembolsos foram de R$ 646 bilhões.

O resultado é positivo, mas nem sempre foi assim. Em governos anteriores o BNDES financiou projetos fora do Brasil, mesmo o país tendo enormes deficiências de investimento em obras estruturais. A relação estabelecida até com ditaduras da América Latina deixa dúvidas quanto à transparência das transações e sugere influência política, sobretudo pela falta de garantia no retorno dos empréstimos.

Em 2023, a dúvida sobre o uso político volta a rondar, sobretudo pela escolha do atual presidente do BNDES, Aloísio Mercadante, que defende o uso político da instituição, através do direcionamento do crédito com juros abaixo do mercado, por meio do forte endividamento do governo.

A consequência dessa política é a elevação dos gastos públicos e do risco fiscal, além da interferência na política monetária. Em outras palavras, a medida causa distorções no mercado de crédito – enquanto o Banco Central tenta controlar a inflação elevando os juros, o BNDES continua a fornecer crédito com juros baixos, estimulando o consumo na ponta final.

A possibilidade de que Mercadante apoie maiores gastos públicos para financiar o crescimento levanta a questão sobre o modelo que será adotado no BNDES. Restaurar o modelo em que o BNDES promove uma enxurrada de dinheiro no mercado, de forma subsidiada pelo governo, pode gerar mais distorções e dificultar o trabalho do Banco Central no combate à inflação.

O histórico de uso político do BNDES para financiar projetos fora do Brasil

Não é novidade que o Brasil enfrenta sérios problemas de infraestrutura.

Na contramão deste fato, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou portos, estradas e ferrovias, mas não no Brasil e sim em vários países ao redor do mundo.

O BNDES se tornou um elemento-chave do modelo de desenvolvimento proposto pelo governo do PT, quando Guido Mantega deixou a presidência do banco e assumiu o Ministério da Fazenda em 2006.

No entanto, quando se analisa a atuação do BNDES, percebe-se que, na verdade, se trata de uma máquina perniciosa de redistribuição de renda ao contrário. Ao compreender como o banco realmente funciona, fica claro seu mecanismo espoliativo.

Inicialmente, os recursos do BNDES vinham do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), um fundo destinado a financiar o seguro-desemprego e o abono salarial. No entanto, como os recursos do FAT são provenientes das arrecadações do PIS e do PASEP, na prática, os recursos do BNDES provinham dos encargos sociais que incidiam sobre a folha de pagamento das empresas. Esse dinheiro era, então, direcionado para as grandes empresas a juros subsidiados.

Esse arranjo, por si só, já demonstrava um grande privilégio. Por que as pequenas empresas deveriam financiar os juros subsidiados das grandes empresas?

No entanto, essa matriz piorou a partir de 2009. Antes, o BNDES se financiava exclusivamente por meio de impostos, mas então passou a se financiar também por meio do endividamento do Tesouro, o que significa que ele se custeia por meio da inflação monetária.

Assim, como o BNDES não tinha todo o dinheiro que o governo queria destinar aos seus empresários favoritos, como o multifacetado Senhor X, o Tesouro começou a emitir títulos da dívida para arrecadar dinheiro e complementar os empréstimos. E quem compra esses títulos? O sistema bancário, que os adquire criando dinheiro do nada, pois opera com reservas fracionárias.

O BNDES e o endividamento do governo

Com o objetivo de financiar o BNDES, o Tesouro adotou um mecanismo que aumentou o endividamento do governo e também a quantidade de dinheiro na economia. No entanto, isso prejudicou os mais pobres, pois desvalorizou a moeda e utilizou impostos dos pequenos para financiar empresários ricos. O banco se tornou uma espécie de Robin Wood às avessas.

Desde que essa modalidade foi adotada, o total de repasses do Tesouro para o BNDES aumentou significativamente, de R$ 9,9 bilhões para R$ 440 bilhões. Parte desses empréstimos, que eram destinados a financiar atividades de empresas brasileiras no exterior, eram considerados secretos pelo banco. A partir da liberação dessas informações, descobriu-se uma lista com mais de 2.000 empréstimos concedidos pelo banco desde 1998 para construção de usinas, portos, rodovias e aeroportos no exterior. A seleção dos recebedores desses investimentos era incerta, o que gerou suspeitas de critérios políticos na escolha.

Além disso, os juros concedidos pelo BNDES às empresas eram abaixo do mercado, o que levou a um subsídio que foi arcado pelos impostos e carestia, prejudicando quem, exatamente, deveria ser os beneficiados pelos projetos do banco: o povo brasileiro.

Calote

No fim de 2021, o então presidente do BNDES, Gustavo Montezano, confirmou que países da América Latina, alguns dados como ditaduras, receberam financiamento com dinheiro público brasileiro e se encontram inadimplentes em um montante de cerca de US$ 1,5 bilhão. A declaração de Montezano evidencia a magnitude do crime cometido durante os governos dos ex-presidentes petistas sob o comando de Lula e Dilma Rousseff, que usaram o banco de fomento nacional para financiar obras em nações como Cuba, Venezuela e Moçambique, sem garantias e em esquemas escandalosos de desvio e corrupção.

As “obras”

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem suas atividades supervisionadas diretamente pelo Ministério da Economia, além de ter o Governo Federal como regulador de suas atividades através do Ministério da Fazenda. Nesse sentido, seus gastos comumente costumam ser motivo de polêmica.

No mandato presidencial de Jair Bolsonaro (PL), a instituição esteve na mira do governo, que prometeu abrir a “caixa-preta” da instituição para divulgar gastos “comprometedores”. Inclusive, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os contratos internacionais realizados entre 2003 e 2015. O relatório final afirma ter existido desvio de bilhões de reais dos cofres do banco para beneficiar empresas brasileiras.

Algumas obras financiadas em outros países pelo BNDES:

1) Porto de Mariel (Cuba) – Valor da obra – US$ 957 milhões (US$ 682 milhões por parte do BNDES)
Empresa responsável – Odebrecht

2) Hidrelétrica de San Francisco (Equador) – Valor da obra – US$ 243 milhões
Empresa responsável – Odebrecht

Após a conclusão da obra, o governo equatoriano questionou a empresa brasileira sobre defeitos apresentados pela planta. A Odebrecht foi expulsa do Equador e o presidente equatoriano ameaçou dar calote no BNDES.

3) Hidrelétrica Manduriacu (Equador) – Valor da obra – US$ 124,8 milhões (US$ 90 milhões por parte do BNDES)

Empresa responsável – Odebrecht

Após 3 anos, os dois países ‘reatam relações’, e apesar da ameaça de calote, o Brasil concede novo empréstimo ao Equador.

4) Hidroelétrica de Chaglla (Peru) – Valor da obra – US$ 1,2 bilhões (US$ 320 milhões por parte do BNDES)

Empresa responsável – Odebrecht

5) Metrô Cidade do Panamá (Panamá) – Valor da obra – US$ 1 bilhão

Empresa responsável – Odebrecht

6) Autopista Madden-Colón (Panamá) – Valor da obra – US$ 152,8 milhões

Empresa responsável – Odebrecht

7) Aqueduto de Chaco (Argentina) – Valor da obra – US$ 180 milhões do BNDES

Empresa responsável – OAS

8) Soterramento do Ferrocarril Sarmiento (Argentina) – Valor – US$ 1,5 bilhões do BNDES

Empresa responsável – Odebrecht

9) Linhas 3 e 4 do Metrô de Caracas (Venezuela) – Valor da obra – US$ 732 milhões

Empresa responsável – Odebrecht

10) Segunda ponte sobre o rio Orinoco (Venezuela) – Valor da obra – US$ 1,2 bilhões (US$ 300 milhões por parte do BNDES)

Empresa responsável – Odebrecht

11) Barragem de Moamba Major (Moçambique) – Valor da obra – US$ 460 milhões (US$ 350 milhões por parte do BNDES)

Empresa responsável – Andrade Gutierrez

12) Aeroporto de Nacala (Moçambique) – Valor da obra – US$ 200 milhões ($125 milhões por parte do BNDES)

Empresa responsável – Odebrecht

13) BRT da capital Maputo (Moçambique) – Valor da obra – US$ 220 milhões (US$ 180 milhões por parte do BNDES)

Empresa responsável – Odebrecht

14) Hidrelétrica de Tumarín (Nicarágua) – Valor da obra – US$ 1,1 bilhão (US$ 343 milhões)

Empresa responsável – Queiroz Galvão

*A Eletrobrás participa do consórcio que irá gerir a hidroelétrica

15) Projeto Hacia el Norte – Rurrenabaque-El-Chorro (Bolívia) – Valor da obra – US$ 199 milhões

Empresa responsável – Queiroz Galvão

16) Exportação de 127 ônibus (Colômbia) – Valor – US$ 26,8 milhões

Empresa responsável – San Marino

17) Exportação de 20 aviões (Argentina) – Valor – US$ 595 milhões

Empresa responsável – Embraer

18) Abastecimento de água da capital peruana – Projeto Bayovar (Peru) – Valor – Não informado

Empresa responsável – Andrade Gutierrez

19) Renovação da rede de gasodutos em Montevideo (Uruguai) – Valor – Não informado

Empresa responsável – OAS

20) Via Expressa Luanda/Kifangondo – Valor – Não informado

IoP


Fontes:

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