O governo federal americano gastou US$ 5,8 trilhões em 2022. Já o governo federal da Argentina gastou US$ 71 bilhões no mesmo ano.
Ou seja, os gastos do governo federal argentino equivalem a mísero 1,2% dos gastos do governo federal americano.
Um desenvolvimentista olharia para esses números e imediatamente concluiria que o motivo de a Argentina ser mais pobre que os EUA está no fato de seu governo gastar menos que o governo americano. Se ao menos o governo argentino gastasse mais e tentasse se aproximar dos gastos do governo americano, todos os argentinos seriam mais ricos.
Em outras palavras, a economia argentina é ínfima comparada à economia americana porque os políticos argentinos são mais parcimoniosos que os políticos americanos.
Embora eu esteja exagerando um pouco (será mesmo?), esta comparação simplória mostra como a estatística, quando despida do domínio da teoria, pode obscurecer a realidade.
Um indivíduo minimamente versado em economia sabe que os gastos do governo federal argentino são uma fração dos gastos do governo federal americano precisamente porque a economia argentina é uma fração da economia americana.
Pelo mesmo raciocínio, os gastos federais americanos são gigantescos quando comparados a todos os outros países do mundo exatamente porque a economia americana é bem maior que a destes outros países.
No mundo real, um governo só pode gastar se o setor privado de seu país produzir riqueza para ele confiscar e gastar. Quanto maior for a riqueza produzida por este setor privado, maiores poderão ser os gastos do governo.
O governo americano pôde gastar US$ 5,8 trilhões em 2022 porque a produção e a geração de riqueza da economia americana foram várias vezes maiores que U$ 5,8 trilhões (o PIB de 2021 foi de US$ 23 trilhões).
Se a economia americana fosse mais pobre — isto é, se seu setor privado fosse menos eficiente e gerasse menos riqueza —, os gastos do governo federal americano certamente seriam muito menores.
Questão de lógica
Quando se entende esta lógica econômica básica, teorias desenvolvimentistas que dizem que os gastos do governo estimulam a economia não apenas perdem o sentido, como, na verdade, passam a ser vistas como a própria inversão da realidade. Gastos do governo não podem estimular o crescimento econômico; ao contrário, seus gastos só são possíveis porque houve crescimento econômico.
Para o governo poder gastar, é necessário antes haver crescimento econômico. Sem este não há aquele. Sem uma anterior produção de riqueza, não há riqueza para ser confiscada e consumida pelo governo. Básico.
Se, por exemplo, em um passe de mágica, metade do governo americano desaparecesse (com seus gastos caindo de US$ 6 para US$ 3 trilhões), haveria US$ 3 trilhões a mais em posse do setor privado, disponíveis para ser investidos, consumidos ou alocados de acordo com as preferências temporais de cada indivíduo, e não de acordo com as conveniências de políticos, que sempre visam a eleições.
E os efeitos disso não podem ser minimizados.
Quando o governo federal gasta, isso significa que deputados, senadores, ministros, reguladores, secretários, comissionados e todos os tipos de burocratas estão desempenhando um papel substantivo na alocação de trilhões de uma riqueza que foi previamente criada pelo setor privado. Por outro lado, quando menos desta riqueza vai para o governo, isso significa que empreendedores, investidores e consumidores possuem mais recursos em mãos para produzirem e, consequentemente, multiplicar a riqueza à disposição de todos.
Truísmo
Dado que o governo só pode gastar aquilo que ele antes confiscou do setor produtivo, é ilógico dizer esta intervenção do governo na economia tem o poder de “estimular a produção e fazer a economia crescer”.
Por isso, Mises nunca se cansava de repetir:
É sempre necessário enfatizar este truísmo: o governo só pode gastar ou investir aquilo que ele toma de seus cidadãos [via impostos ou empréstimos]. E seus gastos e investimentos adicionais restringem, na mesma quantidade, a capacidade destes cidadãos de gastar ou investir.
Os gastos do governo não têm como criar riqueza pelo simples motivo de que algo que só é possível em decorrência da apropriação de riqueza alheia não pode, por definição, criar riqueza nenhuma.
Para efetuar seus gastos, o governo tem necessariamente de: a) coletar impostos (ou seja, confiscar a riqueza de empreendedores, investidores e consumidores); b) pegar recursos emprestados (o que deixa empreendedores, investidores e consumidores sem crédito); ou c) imprimir dinheiro.
Nenhuma destas três medidas cria riqueza.
1) Impostos restringem a produção e o consumo. Se uma empresa tem menos dinheiro, ela não pode nem contratar mais mão-de-obra e nem investir mais, o que afeta sua produção e, consequentemente, a disponibilidade de bens e serviços. Se pessoas têm menos dinheiro, elas também não podem nem investir e nem consumir bens e serviços de empresas.
2) O endividamento do governo — ou seja, o governo pegar recursos emprestados para bancar seus gastos — faz com que haja menos recursos para serem emprestados para empreendedores, investidores e consumidores. O crédito está sendo desviado para bancar os gastos correntes do governo e não para sustentar as atividades produtivas. Isso não tem como gerar riqueza.
3) A criação de dinheiro pode apenas fazer com que os preços dos bens e serviços subam, pois imprimir dinheiro não tem o poder de fazer com que surjam mais produtos na economia. A existência de mais dinheiro (seja em papel-moeda ou em dígitos eletrônicos) não tem o poder milagroso de transformar recursos escassos em bens materiais. O dinheiro não é um meio de produção; ele não produz nem bens de consumo e nem bens de capital. Logo, aumentar a quantidade de dinheiro existente não causará uma maior produção de tratores, carros, computadores, máquinas, sapatos, tomates e pães. O dinheiro é simplesmente um meio de troca que facilita as transações.
Nenhuma dessas três medidas, portanto, cria riqueza. Consequentemente, nenhuma dessas três medidas pode “estimular uma economia”.
Você é o governo – e tudo piora
Entretanto, os efeitos dos gastos do governo são ainda piores. Eles não apenas confiscam riqueza, como na verdade destroem riqueza.
Imagine que você seja trilionário e esbanjador. Ou seja, imagine que você é o governo. Ato contínuo, você sai comprando computadores, laptops, carros, motos, jatinhos, imóveis, smartphones, televisões, tratores, caminhões, retroescavadeiras, toneladas de cimento, toneladas de café, inúmeras máquinas de fazer café, papel higiênico, sabonetes, gravatas, ternos e afins
Ao fazer essas compras, você está provocando dois efeitos: impedindo que haja uma maior abundância desses bens para as outras pessoas, e desviando recursos das indústrias, obrigando-as as produzir mais desses bens apenas para suprir a escassez deles.
Agora, imagine que você perdeu sua fonte de renda e repentinamente cortou seu consumo. Quais as consequências?
1) Haveria mais bens disponíveis para os outros consumidores, que necessitam deles com mais urgência que você. Os mais pobres agradeceriam.
2) As indústrias não precisariam empregar recursos apenas para suprir a escassez desses bens (escassez provocada por você), o que as permitiria investir em novos processos de produção, que resultariam em maior abundância de bens.
3) Os bens que já foram produzidos e não consumidos (isto é, os bens que foram poupados) poderiam ser empregados em outros processos de produção cujos produtos finais trariam óbvias satisfações para os consumidores.
Quando se entende esses conceitos, fica mais fácil perceber por que os gastos do governo desestimulam a poupança e atrasam o crescimento sustentável do país.
Mesmo que o governo gastasse exclusivamente com funcionários públicos, o efeito seria mesmo. Afinal, para gastar, o governo precisa tributar ou pegar empréstimos. Ambas as medidas configuram absorção de poupança e riqueza de toda a população (inclusive empreendedores e investidores), poupança essa que poderia ser utilizada para financiar projetos de expansão.
Conclusão
O raciocínio é realmente tautológico: para o governo gastar, ele tem antes de tomar de alguém (seja via impostos, seja via endividamento) ou imprimir dinheiro. Se ele tomou de alguém, esse alguém está agora impossibilitado de consumir ou de investir. Se ele imprimiu dinheiro, nada foi criado. E, ao gastar, ele depreda riqueza.
Como disseram Leandro Roque e Ubiratan Jorge Iório, “Impossível mensurar os custos econômicos das empresas que deixaram de ser abertas, dos empregos que deixaram de ser gerados e das tecnologias que deixaram de ser criadas simplesmente porque os investimentos não foram possíveis por causa da absorção de recursos pelo governo federal”.
Por tudo isso, os gastos do governo não podem ser vistos como uma força criadora de riqueza. Todo o gasto do governo ocorre à custa dos outros indivíduos da sociedade. Por definição.
Thiago Fonseca é graduado em administração pela FGV-SP e é empreendedor do ramo de eletroeletrônicos.
Fonte: Mises Brasil