No mês de junho, em uma nota conjunta, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva declararam apoio ao presidente da Argentina, Alberto Fernández, que é contra reduções de tarifa de importação para os integrantes do Mercosul.
FHC e Lula se uniram a Fernández em oposição à proposta de redução tarifária unilateral por parte do Mercosul, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da economia Paulo Guedes.
Fernandez tem usado seu poder de veto para impedir a modernização do Mercosul, frustrando a melhoria da competitividade internacional brasileira.
Na prática, tanto Lula quanto FHC abertamente defendem que os brasileiros, em especial os mais pobres, continuem pagando artificialmente caro para ter acessos a bens importados e de qualidade. E defendem que o grande baronato industrial continue usufruindo uma reserva de mercado.
No entanto, ainda mais bizarra do que esta posição protecionista — dado que o Brasil é um dos países mais fechados do mundo — foi a motivação apresentada: em apoio ao presidente argentino Alberto Fernandez, a dupla brasileira afirmou que a redução de tarifas de importação é uma ação que poderia prejudicar as indústrias da Argentina!
Não chega a surpreender a camaradagem FHC/Lula/Fernández do estilo “socialistas do mundo, uni-vos”, mas é escandaloso que dois ex-presidentes brasileiros defendam o interesse do governo da Argentina em detrimento do povo brasileiro.
Mercosul, uma estrovenga
O Mercosul é uma união aduaneira. Isso significa que, em tese, os países membros devem eliminar todos os obstáculos alfandegários e para-alfandegários ao comércio recíproco, e adotar uma tarifa de alfândega externa comum a todos os outros países fora desta união aduaneira.
Ou seja, em tese, os países-membros usufruem as benesses do livre comércio entre eles. Mas quem está de fora praticamente é proibido de participar. Por causa da Tarifa Externa Comum (TEC), todos os países do grupo são obrigados a aplicar a mesma taxação em relação à importação de produtos de países fora do grupo.
Os países-membros do Mercosul adotaram a TEC em 1995. Isso implica que, por exemplo, o Brasil não pode reduzir autonomamente a taxação sobre determinado produto que compra dos EUA ou da China em troca de algum benefício nos mercados americano e chinês. Para mudar a taxa, é preciso fazer um acordo com todos os países-membros, que também reduzirão suas tarifas. Ou seja, é preciso negociar em bloco.
Por causa desta característica típica das uniões aduaneiras, um país-membro de uma união aduaneira não pode unilateralmente praticar o livre comércio com países que estão fora do arranjo.
O Mercosul, ademais, é uma elaborada peça de ficção que previa em sua fundação, em 1991 (artigo 1º do Tratado de Assunção), que até 1995 seria estabelecido um mercado comum entre os quatro fundadores (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), com:
a) liberdade total, sem tarifas, de circulação de bens e serviços;
b) coordenação e harmonização das políticas macroeconômicas, industrial, setorial, fiscal, monetária e cambial; e
c) o estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC), bem como a obrigação de negociações em conjunto e por consenso de acordos com terceiros países.
O item (a) entrou para a lista de literatura de ficção, por meio do estabelecimento de diversos regimes especiais, como o automotivo (que eleva as tarifas de importação a 35%), e pelas longas listas de exceção, que driblam a TEC e impõem tarifas ainda mais elevadas em pêssegos, brinquedos, leite, coco ralado, e muitos outros.
O descumprimento generalizado do item (b) teve um lado positivo, pois os desastrosos indicadores macroeconômicos argentinos ilustram o que teria sido do Brasil caso houvéssemos harmonizado nossas políticas macroeconômicas com as dos governos peronistas.
Só a TEC e a rigidez negocial pegaram.
Em razão do imobilismo do tratado, dos 400 acordos registrados na OMC nos últimos 30 anos, o Brasil só firmou o Mercosul. Criou-se dessa forma o Brasil autárquico, tal qual um extenso castelo medieval, isolado e condenado à falta de competitividade internacional.
O produto manufaturado brasileiro agrega apenas 10% de conteúdo importado, ante uma média internacional de 30% a 35%. Em suma, produz-se tudo internamente, com custos mais altos, sem chance de competir no mercado internacional contra produtos cujos componentes são adquiridos no mundo inteiro, onde for melhor e mais barato, praticamente sem tarifas.
Pororocas e jabuticabas
O Brasil pratica o mercantilismo do século XVII. Por aqui, as forças do atraso defendem que a substituição de importações reduz custos e atrai empregos; que saldo comercial é sinônimo de pujança; que tarifas de importação geram bem-estar social; que abrir a economia e reduzir custos para a indústria nacional sem reciprocidade de terceiros países é ingenuidade.
Todas essas falácias foram devidamente refutadas por Adam Smith em “A Riqueza das Nações” (1776). A abertura comercial é a mãe de todas as reformas: quando ocorrer, provocará o salto do Brasil ao século 21.
Durante seus governos, FHC e Lula abusaram das listas de exceção para aumentar o favoritismo a setores com lobbies poderosos. Nada fizeram para modernizar o Mercosul.
O Uruguai mostra o caminho
A demanda da equipe de comércio exterior do Ministério da Economia, tocada por Roberto Fendt e Lucas Ferraz, é diminuir a TEC em 20%, linearmente, ou seja, uma redução de todas as tarifas sem favorecimento a setores.
Paraguai e Uruguai estão de acordo, mas a Argentina (com ajuda de FHC/Lula) resiste. O Brasil e o Uruguai também demandam que tenham a liberdade para implementar acordos bilaterais. A TEC permaneceria em vigor onde não houvesse acordos. Fernández não quer conceder essa liberdade ao Brasil; prefere que sejamos mercado cativo para seus produtos.
Já o Uruguai, muito mais esperto, foi em frente e anunciou que passará a negociar acordos comerciais isoladamente. Atenção: não se trata nem mesmo de buscar a anuência dos demais membros; os uruguaios simplesmente comunicaram que passarão a agir desta maneira, gostem ou não os demais parceiros.
Que o Uruguai tenha resolvido abrir mão de pegar carona nos dois maiores mercados consumidores do Mercosul para costurar seus próprios acordos comerciais é sinal de que Montevidéu não vê perspectivas animadoras para o bloco no curto prazo. Estão corretos.
O Brasil deveria fazer o mesmo.
Obviamente, a política comercial ideal é o livre comércio unilateral (países não comercializam com outros países; apenas indivíduos e empresas o fazem), de modo que o melhor que um país pode fazer é deixar seus cidadãos e empresas em paz e deixar os mercados (ou seja, indivíduos comprando e vendendo) operaram normalmente. Isto, sim, constituiria uma verdadeira abertura ao mundo.
Sendo esta opção ideologicamente impossível, a segunda melhor alternativa seria fazer igual ao Uruguai: costurar acordos bilaterais com todos os outros países do mundo, ignorando o Mercosul. Deixemos a Argentina falando sozinha.
Para concluir
No momento, chegou-se ao impasse. A maneira mais rápida de acabar com o Mercosul é ignorá-lo.
Helio Beltrão é presidente do Instituto Mises Brasil.
Fonte: Instituto Mises Brasil