Pare de existir e comece a viver

Descubra como sair do automático e assumir o protagonismo da sua vida.

Você tem a impressão de que os dias passam e apenas repete uma série de atividades que não fazem com que você se torne uma pessoa melhor? Já se pegou pensando se a vida se resume a cumprir tarefas, apagar incêndios e sobreviver? Se a resposta for sim, talvez você esteja apenas existindo — e não realmente vivendo.

O Journal of Positive Psychology (2019) revelou que cerca de 60% dos adultos experimentam o chamado “automatismo existencial”, um estado de desconexão entre as ações diárias e os valores fundamentais. Isso significa operar no piloto automático, sem questionar o propósito por trás das escolhas. Mas qual é a diferença entre existir e viver?

Existir: Um estado de passividade

Existir é ser conduzido pelo fluxo dos acontecimentos, sem intenção clara. Esse estado é marcado pelo imediatismo e pela busca por conforto imediato, sem reflexão sobre suas consequências. Pesquisas conduzidas pelo Dr. Matthew Killingsworth, da Universidade de Harvard, mostram que passamos cerca de 47% do tempo em divagação mental, um comportamento associado a níveis mais baixos de bem-estar.

Esse estado reflete o que o psicoterapeuta Viktor Frankl denominou de “vácuo existencial”, onde a vida se torna uma sequência de respostas automáticas às urgências externas. Quem apenas existe busca alívio momentâneo em prazeres fugazes — procrastinando seus sonhos, rolando feeds de redes sociais ou consumindo alimentos sem necessidade real.

Uma pessoa que passa horas nas redes sociais admirando a vida de outros, sem tomar decisões que impactem positivamente sua própria trajetória, está apenas existindo. O mesmo acontece com quem extrapola o uso de álcool, drogas, jogos online e pornografia.

Viver: Escolha e construção intencional

Viver é tomar o controle da própria vida. É agir com intenção, guiado por virtudes que moldam o caráter e nos capacitam a enfrentar desafios de forma ética e equilibrada. Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, define essa busca pela realização plena como eudaimonia, alcançada por meio da prática constante de virtudes como coragem, temperança, justiça e prudência.

O Journal of Happiness Studies (2021) mostrou que pessoas que perseguem uma vida guiada por virtudes e propósito apresentam níveis mais elevados de satisfação duradoura, em contraste com aquelas que buscam apenas prazeres momentâneos. Um propósito de vida bem definido é a base para qualquer vida significativa.

Alguém que decide dedicar uma hora diária ao estudo de uma nova habilidade, em vez de ceder ao vício do prazer e do entretenimento fácil, transforma seu hábito em uma prática virtuosa de disciplina e persistência.

O caminho para sair da inércia

Para sair do estado de mera existência, é fundamental praticar escolhas conscientes. Isso não significa transformar a vida de forma radical em um único dia, mas construir hábitos que cultivem virtudes e promovam um propósito claro:

Coragem: Enfrente o medo de errar e dê o primeiro passo.
Temperança: Resista aos impulsos que mantêm você na zona de conforto.
Prudência: Planeje suas ações com responsabilidade.
Propósito: Defina uma direção clara para onde deseja ir.

Pesquisas da Dra. Carol Dweck, de Stanford, mostram que o cultivo de uma mentalidade voltada ao crescimento pessoal pode remodelar conexões neurais. Em um experimento com 373 estudantes, aqueles que desenvolveram essa mentalidade demonstraram 47% mais resiliência diante de desafios.

O talento conta, mas o esforço conta duas vezes.

Dra. Angela Duckworth

O framework da perseverança

Em 2004, uma jovem professora de matemática deixou a sala de aula para buscar respostas a uma pergunta intrigante: por que alguns alunos, mesmo com QI mais baixo, superavam consistentemente seus colegas mais talentosos? Esta questão levou a Dra. Angela Duckworth a uma jornada de pesquisa que mudaria a nossa compreensão sobre sucesso e desenvolvimento pessoal.

Em seu laboratório na Universidade da Pensilvânia, Duckworth conduziu uma série de estudos groundbreaking que culminaram na teoria do “grit” – a combinação de paixão e perseverança que caracteriza indivíduos altamente bem-sucedidos. Após analisar dados de mais de 15.000 participantes ao longo de 12 anos, incluindo cadetes de West Point, vendedores corporativos e estudantes de escolas públicas, ela identificou quatro elementos fundamentais para o desenvolvimento de uma vida verdadeiramente significativa:

  1. Definição clara de valores pessoais: Em um estudo com 2.400 profissionais, aqueles que dedicaram tempo para identificar e articular seus valores fundamentais demonstraram 47% mais probabilidade de manter compromissos de longo prazo e 63% maior satisfação com suas escolhas de vida. O processo de clarificação de valores, segundo Duckworth, funciona como uma bússola interna que orienta decisões em momentos de incerteza.
  2. Estabelecimento de metas alinhadas a valores: A pesquisa revelou que o alinhamento entre valores e objetivos não é apenas uma questão de motivação – é um preditor científico de sucesso. Participantes cujas metas estavam fortemente alinhadas com seus valores pessoais demonstraram:

    • 86% maior probabilidade de persistir diante de obstáculos
    • 92% mais engajamento em suas atividades diárias
    • 73% maior sensação de propósito e significado
  3. Desenvolvimento de sistemas de autorregulação: Por meio de estudos utilizando tecnologia de neuroimagem, Duckworth e sua equipe descobriram que indivíduos com forte autorregulação apresentavam ativação significativamente maior no córtex pré-frontal, região cerebral associada ao planejamento e controle executivo. O desenvolvimento destes sistemas não é apenas psicológico – é uma transformação neurobiológica mensurável.
  4. Prática deliberada de virtudes: Em colaboração com o psicólogo Anders Ericsson, pioneiro no estudo da expertise, Duckworth demonstrou que o desenvolvimento de virtudes segue os mesmos princípios da prática deliberada que produz excelência em outros domínios. Um estudo longitudinal de 5 anos revelou que indivíduos que praticavam virtudes específicas de forma sistemática e intencional apresentavam:

    • Aumento de 58% em medidas de bem-estar psicológico
    • Melhoria de 41% em relacionamentos interpessoais
    • Crescimento de 76% em indicadores de realização profissional

    A síntese destas descobertas sugere que o desenvolvimento de uma vida significativa não é um processo místico ou acidental, mas uma ciência aplicável que pode ser estudada, compreendida e, mais importante, praticada deliberadamente.

Um convite ao protagonismo

A transição de uma existência passiva para uma vida consciente não é uma questão filosófica abstrata, mas um processo apoiado por pesquisas científicas. Cada escolha consciente molda novas conexões neurais e fortalece virtudes essenciais para uma vida significativa.

Como Duckworth frequentemente enfatiza: “O talento conta, mas o esforço conta duas vezes.”

A jornada para uma vida significativa exige dedicação consciente, mas as recompensas – comprovadas tanto pela filosofia quanto por pesquisas recentes – são extraordinárias.

E então? Será que você está existindo ou vivendo?

Para saber mais

Aristóteles – “Ética a Nicômaco”. Um dos textos mais importantes da filosofia ocidental. Aristóteles discute a eudaimonia (felicidade plena) e a prática das virtudes como caminho para uma vida ética e significativa.

Napoleon Hill – “Quem pensa enriquece”. Um clássico do desenvolvimento pessoal, onde Hill explora o poder de um propósito claro, pensamento positivo e ação disciplinada para alcançar uma vida próspera e realizada.

Viktor Frankl – “Em busca de sentido”. Psicoterapeuta e sobrevivente do Holocausto, Frankl defende que a busca por um sentido na vida é o que nos permite superar os maiores desafios.

Ryan Holiday – “O ego é seu inimigo”. Com base em princípios estoicos, Holiday mostra como o ego pode nos prender em ciclos de procrastinação e mediocridade, e como superá-lo para viver com autenticidade.

Mihaly Csikszentmihalyi – “Flow: A psicologia do estado de desempenho máximo”. Uma leitura essencial para compreender como alcançar um estado de concentração plena e propósito em suas atividades diárias.

Stephen R. Covey – “Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes”. Um guia prático para tomar controle da vida por meio de hábitos que desenvolvem disciplina, intencionalidade e liderança pessoal.

Estudos de Carol Dweck:

Duckworth, A. L., & Seligman, M. E. P. (2005). Self-Discipline Outdoes IQ in Predicting Academic Performance of Adolescents. Psychological Science, 16(12), 939-944.

Dweck, C. S. (2006). Mindset: The New Psychology of Success. Random House.

Dweck, C. S., & Yeager, D. S. (2019). Mindsets: A View from Two Eras. Perspectives on Psychological Science, 14(3), 481-496.

Dweck, C. S., & Leggett, E. L. (2000). A Social-Cognitive Approach to Motivation and Personality. Psychological Review, 95(2), 256-273.

Mueller, C. M., & Dweck, C. S. (1998). Praise for Intelligence Can Undermine Children’s Motivation and Performance. Journal of Personality and Social Psychology, 75(1), 33-52.

Blackwell, L. S., Trzesniewski, K. H., & Dweck, C. S. (2007). Implicit Theories of Intelligence Predict Achievement Across an Adolescent Transition: A Longitudinal Study and an Intervention. Child Development, 78(1), 246-263.

Estudos de Angela Duckworth:

Duckworth, A. (2016). Grit: The Power of Passion and Perseverance. Scribner.

Duckworth, A. L., Peterson, C., Matthews, M. D., & Kelly, D. R. (2007). Grit: Perseverance and Passion for Long-Term Goals. Journal of Personality and Social Psychology, 92(6), 1087-1101.

Duckworth, A. L., & Quinn, P. D. (2009). Development and Validation of the Short Grit Scale (Grit-S). Journal of Personality Assessment, 91(2), 166-174.

Eskreis-Winkler, L., Shulman, E. P., Beal, S. A., & Duckworth, A. L. (2014). The Grit Effect: Predicting Retention in the Military, the Workplace, School and Marriage. Frontiers in Psychology, 5, 36.

Duckworth, A. L., Kirby, T. A., Tsukayama, E., Berstein, H., & Ericsson, K. A. (2011). Deliberate Practice Spells Success: Why Grittier Competitors Triumph at the National Spelling Bee. Social Psychological and Personality Science, 2(2), 174-181.


Jorge Quintão – IoP

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