Aprovada no fim de 2019, a reforma da Previdência se aproxima dos três anos de vigência com uma perspectiva de impacto nas contas públicas maior que o inicialmente projetado pelo governo.
Uma estimativa obtida pela Folha mostra que a economia de recursos proporcionada entre 2020 e 2022 deve chegar a R$ 156,1 bilhões. O valor é 78,8% superior ao esperado para o mesmo período quando o texto foi aprovado pelo Congresso —R$ 87,3 bilhões, em cifras já atualizadas.
O cálculo é do consultor legislativo Leonardo Rolim, especialista no tema e que atuou diretamente na elaboração e implementação da proposta como secretário de Previdência e presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) no governo Jair Bolsonaro (PL).
Segundo ele, as evidências colhidas até agora indicam que as contas da Previdência não devem ser uma preocupação urgente nos próximos governos, a depender de eventuais mudanças demográficas no país.
Desde os primeiros meses de implementação da reforma, economistas relatavam perceber um impacto maior da medida, mas ainda sem muitos dados para documentá-la.
Uma primeira pista surgiu em relatórios do Tesouro Nacional, que detectou uma melhora sensível nas projeções para o déficit do INSS. O rombo, que antes da reforma chegaria a 11,64% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2060, alcançaria 8,67% no mesmo horizonte, segundo previsão do ano passado. Em 2022, a linha de chegada foi revista para 7% do PIB.
O Ministério do Trabalho e Previdência, porém, nunca divulgou novas estimativas oficiais dos resultados obtidos com a aprovação da reforma.
Rolim deixou o governo em novembro de 2021, mas segue acompanhando o tema de perto. Para fazer as estimativas, ele partiu da despesa projetada com a Previdência na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2020. O projeto foi apresentado em abril de 2019 —portanto, é o último documento oficial que detalhou a tendência pré-reforma desses gastos.
Em seguida, ele comparou os valores com as despesas efetivadas em 2020 e 2021 e com a projeção de despesas previdenciárias do Orçamento de 2022. O cálculo considera alguns fatores de ajuste para evitar uma superavaliação dos efeitos da reforma.
No RGPS (Regime Geral de Previdência Social), foi preciso somar à despesa efetivada as sentenças judiciais previdenciárias que foram adiadas pela PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios. Além disso, como os benefícios são corrigidos pelo INPC, o índice de inflação foi aplicado para atualizar as despesas.
Após os ajustes, Rolim identificou uma economia de R$ 109,5 bilhões nas despesas do RGPS entre 2020 e 2022, sendo R$ 13,6 bilhões no primeiro ano, R$ 35,3 bilhões no segundo e R$ 60,6 bilhões no terceiro.
A soma é maior que os R$ 61,7 bilhões que seriam poupados, segundo os cálculos anteriores do governo.
No regime dos servidores, o ex-secretário estima que o ganho fiscal é de R$ 46,7 bilhões nos três anos, sendo R$ 10,5 bilhões em 2020, R$ 15,1 bilhões em 2021 e R$ 21,1 bilhões neste ano.
O valor total é superior aos R$ 25,7 bilhões que seriam economizados nesse período, de acordo com as avaliações iniciais.
“Seguramente os dois próximos governos não vão precisar se preocupar em fazer reforma previdenciária. Tem que atacar outras áreas em relação a esses gastos, mas não em termos de legislação, uma nova reforma. Eu me arrisco a dizer que não só os dois próximos, mas provavelmente os três próximos”, diz Rolim.
Segundo ele, mesmo que o próximo governo decida retomar uma política de valorização do salário mínimo (que representa o valor pago a dois terços dos beneficiários da Previdência), a tendência favorável será mantida, principalmente se os ganhos reais forem moderados e vierem acompanhados de aumento de produtividade.
“Se tiver mudanças demográficas além do previsível, pode antecipar, mas eu acho que só para meados da próxima década vamos precisar de uma nova reforma”, afirma, listando a aposentadoria rural e eventual ajuste nas idades mínimas de aposentadoria como pontos a serem revisitados no futuro.
Por outro lado, Rolim ressalta que a Previdência sempre será um tema importante, por ser a maior despesa do Orçamento (R$ 789,7 bilhões na projeção mais recente para este ano). Qualquer mudança acaba tendo impactos bilionários no teto de gastos, regra que limita o avanço de despesas à variação da inflação.
Do ponto de vista fiscal, a percepção de maior impacto é reforçada por analistas do mercado financeiro.
“Merece destaque a desaceleração no crescimento das despesas previdenciárias e assistenciais do INSS, a maior despesa primária. Houve uma clara inflexão no crescimento do número de beneficiários desde a implantação de reformas nos últimos anos”, relatou o economista-chefe da Tullet Prebon, Fernando Montero, especialista na análise fiscal.
Críticos costumam citar a fila do INSS como um fator que ajuda na contenção de despesas do governo, ainda que momentaneamente. Segurados ficam com valores represados enquanto aguardam a análise. No entanto, técnicos do governo ressaltam que o estoque de pedidos voltou a cair após a retomada do bônus aos servidores do órgão.
A fila teve seu pico em julho de 2019, com 2,34 milhões de requerimentos em análise, caiu gradualmente com a implementação de um bônus por tarefa extra dos servidores do INSS, mas voltou a subir no início de 2021 com a suspensão dessa gratificação e se estabilizou num patamar entre 1,7 milhão e 1,8 milhão de pedidos.
No fim de abril, o bônus foi recriado, e a fila voltou a cair já no mês seguinte. Em junho, a espera já havia caído a 1,5 milhão de requerimentos.
Fonte: Folha de S. Paulo