Respeitar a propriedade privada dos mais pobres é a solução para a pobreza

Transferências de renda podem aliviar a miséria, mas não são capazes de fazer com que seus recipientes sejam criadores de valor. 

Ninguém quer ser um recipiente onde se jogam esmolas. Não é razoável acreditar que um indivíduo quer ser um passivo para a sociedade. 

Mas é razoável acreditar que um indivíduo quer ter a consciência de que seu trabalho está gerando valor para terceiros; de que a sociedade seria um lugar mais pobre sem a sua presença. Quando um indivíduo produz, ele se torna um ativo social. Ao auferir renda, ele se torna digno.

No entanto, se o estado impossibilita um indivíduo de produzir e gerar renda, ele o estará condenando ao perpétuo recebimento das esmolas. Ou então irá transformá-lo em um “criminoso” que empreende e produz sem a autorização do estado.

Sim, estamos falando da economia informal.

A informalidade é ponto de chegada, e não de partida

O estado argumenta que o problema da economia informal é que ela não paga impostos, o que reduz a arrecadação tributária. (O estado, como sabemos, precisa de cada vez mais dinheiro para manter o padrão de vida de seus membros e suas aposentadorias integrais).

O estado também argumenta que, dado que alguns comerciantes operam nesse marco de ilegalidade, eles representam uma concorrência desleal perante aqueles que pagam todos os seus impostos e cumprem com todas as regulamentações.

No entanto, a problemática da economia informal não está em nada disso.

Com efeito, a informalidade é um ponto de chegada, e não um ponto de partida. A informalidade não é onde as pessoas começam, mas sim onde elas terminam. 

O excepcional economista peruano Hernando de Soto mostra em seus livros que a informalidade é a consequência de um sistema tributário, burocrático e jurídico extremamente oneroso, que impede que os setores menos favorecidos da população participem dele.

Em seu livro “El Otro Sendero“, que faz uma pesquisa abrangente sobre o mercado informal do Peru, publicado no ano de 1986, de Soto mostra que, para registrar uma oficina de produtos têxteis, eram necessários 289 dias e um gasto total de US$ 1.231, o que à época equivaliam a 32 salários mínimos no Peru.

Já em seu livro “O Mistério do Capital“, de 2001, de Soto mostra que os pobres são extremamente capazes de gerar riqueza, porém são impedidos disso pelo estado, que não reconhece seus direitos de propriedade.

Este ponto é crucial.

Propriedade privada não pode ser um luxo apenas dos mais ricos

Nestes seus dois livros, o principal argumento de De Soto é que aqueles modelos econômicos baseados no ativismo estatal expulsaram (e mantiveram de fora) da vida econômica os mais pobres do mundo.

Por causa das regulações e das burocracias, os mais pobres passaram a viver em moradias (mais especificamente, favelas) sobre as quais não possuíam títulos de propriedade; a cultivar terras sem saber se poderiam usufruir das colheitas; e a trabalhar em fábricas que só conseguiam se manter ativas se evadissem regulações e impostos.

Estas pessoas pobres estavam, portanto, agindo fora da lei. Mas não eram criminosas. Eram vítimas de um sistema estatal em que as leis eram feitas por outros e para outros. Se o estado de direito pudesse ser estendido para elas, argumentou De Soto, os mais pobres do mundo poderiam melhorar sua situação e, consequentemente, enriquecer a economia de seus países.

Eis um exemplo do grande insight de De Soto: as cidades do terceiro mundo são circundadas por acampamentos e favelas construídos por migrantes pobres em terras que teoricamente pertencem a terceiros: governo; associações coletivas agrícolas já extintas; e donos de terra que há muito tempo já deixaram o país.

Todos aceitam que estes assentamentos já são uma realidade urbana permanente. A lei vê apenas o que existia antes lá, e não o que há lá agora.

E o que há lá agora? Para o seu livro O Mistério do Capital, de Soto tirou fotos de satélite das favelas de cidades como Cairo, Lima e Porto Príncipe. Sua equipe de pesquisa então sobrepôs um quadriculado com escalas sobre as fotos e contou o número de favelas dentro de cada quadrado. Eles então pesquisaram, no local, o valor de mercado (informal) daquelas moradias, e descobriram que cada uma valia no mínimo 500 dólares. 

Ato contínuo, fizeram uma multiplicação: o valor de cada moradia vezes o número de moradias em cada quadrado vezes o número de quadrados em toda a favela fotografada por satélite.

Eis sua conclusão:

Então, qual é o valor de todos os imóveis e construções habitados extralegalmente, especialmente pelos pobres, no Egito? A resposta é 241 bilhões de dólares.

Qual é a porcentagem de egípcios que possuem imóveis fora da lei? A resposta é 92%. […]

O que são 241 bilhões de dólares? Isso é cinquenta e cinco vezes todo investimento estrangeiro direito feito no Egito ao longo dos últimos 200 anos, incluindo o Canal de Suez e a Represa Assuã; trinta vezes maior que o valor de mercado de todas as empresas listadas na Bolsa de Valores do Cairo; e sessenta e oito vezes o valor de todos os auxílios externos e bilaterais recebidos pelo Egito, incluindo empréstimos do Banco Mundial.

Em outras palavras, o grupo no Egito com a maior acumulação de ativos que poderiam ser convertidos em capital são os pobres, mas eles estão fora do sistema legal. E é impossível criar uma economia de mercado que abranja os pobres se eles estão fora do estado de direito.

Para o continente africano, de Soto estimou que o capital morto em forma de moradias urbanas informais e em terras coletivas rurais equivale a três vezes a renda anual do continente.

Para todo o mundo, de Soto estimou que os pobres, só nas terras que possuem de fato mas não de direito, estavam sentados em cima de quase 10 trilhões de dólares (e isso em 2001).

No entanto, sem título de propriedade, não podiam capitalizar em cima desse valor.

De Soto estimou que 80% da propriedade nos países em desenvolvimento está totalmente na informalidade. Isso significa que há dezenas de milhões de famílias no continente que simplesmente não podem utilizar sua propriedade como garantia para a obtenção de crédito, com o qual poderiam abrir pequenas empresas, fornecer empregos e, de forma geral, se integrar ao sistema produtivo. 

Que os pobres virem proprietários

A solução de De Soto: dêem a estes proprietários de fato o título de propriedade sobre suas habitações. Dêem a eles a capacidade de, legalmente, comprar e vender seus ativos, alugar para inquilinos, usar como garantia para a obtenção de empréstimos para empreender ou educar seus filhos.

Faça o mesmo com estabelecimentos comerciais e fabris, e com terrenos agrícolas. Legalizem todos e concedem títulos de propriedade para seus ocupantes.

E aí apenas observe o mercado em ação.

O grande feito de De Soto foi constatar que até mesmo os pobres possuem balancetes, com ativos e passivos. Um pequeno pedaço de terra nos morros de uma favela no Rio pode ser um ativo bastante valioso, se aquela pessoa puder se tornar proprietária legítima dele.

Ao não reconhecer a moradia e os pequenos empreendimentos informais dos pobres, o estado impede que eles utilizem esse capital para auferir renda, tomar crédito e ampliar sua capacidade de produção, como ocorre no mundo desenvolvido.

E isso pode ser corrigido com títulos de propriedade. O simples respeito à propriedade privada é o caminho para a prosperidade.

Para concluir

Os pobres, em suma, são impedidos de gerar renda e riqueza porque o governo não reconhece seus direitos de propriedade. Sem título de propriedade, não podem capitalizar em cima desse valor. 

Milhões de famílias hoje simplesmente não podem utilizar sua propriedade como garantia para nada. Se a casa ou o terreno de uma família pobre não são formalmente seus (como no caso das favelas brasileiras), não há nenhuma medida econômica que possa compensar tudo isso.

Em vez de encarar a informalidade como um fenômeno indesejado, o estado deveria começar a vê-la como aquilo que realmente é: um inegável sinal de que suas tradicionais políticas intervencionistas fracassaram abismalmente (veja aqui as causas históricas do déficit habitacional brasileiro). 

Consequentemente, se o estado considera que a informalidade é algo ruim, então, por uma questão de lógica, também deve considerar as políticas que geraram sua existência como algo inerentemente ruim e que devem ser abolidas.


Gustavo Guimarães – Administrador de empresas pela FGV-SP, empreendedor do ramo da construção civil, e autodidata em economia.

Fonte: Mises Brasil

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