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Ser adulto significa resistir ao impulso estatizante

Nossa sociedade se tornou um imenso berçário repleto de bebês chorões que veem o Estado como uma babá amorosa

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Recentemente, ao entrar em um restaurante, pedi para que o garçom me arrumasse uma mesa na seção de não-fumantes. O garçom respondeu: “Sem problemas.  Por lei, todos os restaurantes agora proíbem o fumo. Pode me acompanhar, por favor”.

Meu primeiro pensamento, enquanto me encaminhava para a mesa, foi o de alívio. “Ótimo! Sem chance de sequer sentir o cheiro de cigarro. Gosto assim!”

Mas aí, logo em seguida, fui tomado por um sentimento de vergonha. Percebi que havia me quedado vítima exatamente do mesmo impulso estatizante que acomete os progressistas de hoje.  Por mais de 40 anos, sempre me vi como um apaixonado e inflexível defensor da sociedade livre.  E, no entanto, por alguns breves segundos, cá estava eu sentindo prazer em ver o governo solapando não apenas uma liberdade empreendedora (o dono do estabelecimento estava proibido de sequer ter um ambiente separado para fumantes), como também a liberdade de adultos consensuais em um arranjo privado.

Esse incidente me afetou. Por que escorreguei dessa maneira? Por que meu primeiro instinto foi o de abandonar princípios sólidos, pelos quais lutei durante boa parte de minha vida, em troca de alguns minutos de conveniência? 

Pior ainda: se um indivíduo comprometido com a liberdade como eu foi tão facilmente seduzido para o mau caminho, como querer que os não-comprometidos não caiam em tentações similares ou ainda mais pavorosas?

De início, procurei uma forma de suavizar minha falha.  Pensei em todos os malefícios, tão propagados por médicos, do fumo passivo.  Talvez, quem sabe, não seja errado o governo proteger os não-fumantes caso haja alguém impondo uma danosa externalidade.  Porém, rapidamente percebi duas contradições: ninguém me obrigou a entrar naquele restaurante, e o restaurante não pertencia nem ao governo e nem a mim.

O fato inegável é que, em uma sociedade genuinamente livre, o proprietário de um estabelecimento privado que queira permitir que algumas pessoas fumem em seu estabelecimento tem tanto direito de permitir isso quanto eu tenho de não entrar no recinto dele e ir para outro lugar. 

Ninguém é obrigado a entrar em um restaurante cujo proprietário permita o fumo. Ponto. E nenhum indivíduo tem o direito de obrigar outro indivíduo a lhe fornecer um restaurante livre de fumaça de cigarro.  Isso não é um direito natural.

No que mais, conheço vários outros comportamentos arriscados que adultos praticam de maneira livre e voluntária, os quais eu jamais pediria que o governo banisse: paraquedismo e bungee jumping são apenas dois deles. Aliás, estatísticas mostram que frequentar escolas públicas em periferias violentas também é uma prática extremamente arriscada — talvez mais arriscada do que ocasionalmente inalar a fumaça de cigarro de outra pessoa.

Veja como esse caminho é traiçoeiro. Tão logo você aceita que seja correto o governo ditar quais atividades uma pessoa pode fazer, qual o limite?  Muitas pessoas leem livros realmente nefastos.  Deveríamos então proibi-las disso?  Um progressista irá apoiar que o governo proíba livros de ideologia socialista com o intuito de proteger a mente das pessoas?

Aplicar e zelar por direitos de propriedade (tanto sobre seu corpo quanto sobre os bens físicos que você possui) produz regras comportamentais muito mais precisas e previsíveis para uma sociedade civilizada.  Em vez de decretar leis que coercivamente ajustem nosso comportamento à maneira que um burocrata do governo julgue ser a mais apropriada, não faria mais sentido definir direitos de propriedade e então impingi-los? 

Que se permita as interações pacíficas e voluntárias, e que se puna somente aquelas ações que agridam os direitos e a propriedade de terceiros. Frequentar um restaurante sem cheiro de cigarro não é um direito.  Por outro lado, se o proprietário do estabelecimento determinou que ali não é permitido fumar, o fumante não pode fazê-lo.  Qual a dificuldade?

O problema é que, quanto mais as coisas se tornam “socializadas”, mais invasivo e intrusivo o Estado irá necessariamente se tornar.  Por exemplo, se há um sistema de saúde estatal, no qual todo mundo paga pela saúde de todo mundo, então passa a existir um nefasto incentivo para que todo mundo regule e denuncie o comportamento de todo mundo.  Se estou pagando por sua saúde, não quero que você fume e nem que coma bobagens.  Agora, se é você quem está pagando com seu próprio dinheiro, então isso não é problema meu. 

Quanto mais as relações humanas se tornam pautadas por políticas estatais, mais as pessoas se tornam intrusivas, raivosas e ditatoriais.

O impulso estatizante é uma preferência pelo uso da força do Estado para a consecução de um benefício — real ou imaginário, para si próprio ou para os outros — em detrimento de alternativas voluntárias e mais intelectualmente desafiadoras, como persuasão, educação ou liberdade de escolha.  Se as pessoas vissem as coisas nesses termos tão contrastantes, ou se elas percebessem que o apoio a intervenções governamentais é uma opção que aniquila as liberdades, o apoio a medidas coercivas para se solucionar questões comportamentais diminuiria bastante. 

O problema é que as pessoas frequentemente são incapazes de equiparar intervenção a força e coerção.  E é exatamente isso o que ocorre.  Veja, o governo não pediu que os restaurantes proibissem o fumo; ele simplesmente deu essa ordem e ameaçou com multas e até mesmo encarceramento quem descumprir seu mandado.

Já tentei essa argumentação com alguns amigos.  Exceto aqueles que já tinham propensões libertárias, eis algumas típicas reações e como elas foram expressas:

– Ilusão: “Não é bem uma ‘coerção’ se a maioria das pessoas aprova a medida.”

– Paternalismo: “Nesse caso, a coerção foi algo positivo, pois foi para o seu próprio bem.”

– Dependência: “Se o governo não fizer isso, quem fará?”

– Miopia: “Você está fazendo tempestade em copo d’água.  Como é que banir o cigarro em restaurantes pode representar uma ameaça às liberdades?  Mesmo que representasse, seria algo tão ínfimo que não incomoda.”

– Impaciência: “Não quero ter de esperar até que meu restaurante favorito decida voluntariamente banir o cigarro.”

– Ânsia de poder: “Restaurantes que não querem proibir fumantes devem ser obrigados a fazê-lo.”

– Alienação: “Não estou nem aí. Odeio cigarro e não quero nem pensar na hipótese de sentir seu cheiro, mesmo que o dono do restaurante crie uma seção isolada para fumantes.”

Se você pensar bem, cada um desses argumentos pode ser utilizado — e, de fato, eles sempre são utilizados — para justificar a imposição de intoleráveis limitações às liberdades do indivíduo.  Se há algo que já deveríamos ter aprendido com a história dos governos é que, sempre que você dá a mão, eles arrancam o braço; e fazem isso apelando aos instintos mais fracos da população.

O desafio é fazer as pessoas entenderem que a liberdade sempre é tolhida gradualmente, um pouco de cada vez; ela não é destruída repentinamente, de uma só vez.  E que lutar e resistir à destruição da liberdade em coisas pequenas é uma postura muito mais racional e sensata do que ceder e apenas desejar que batalhas maiores não serão travadas mais tarde.

Ilusão, paternalismo, dependência, miopia, impaciência, ânsia de poder e alienação: todas elas são razões por que as pessoas sucumbem a impulsos estatizantes.  Elas também são vestígios de um pensamento infantil.  Quando crianças ou adolescentes, nossa compreensão de como o mundo funciona é, na melhor das hipóteses, simplória.  Esperamos que adultos nos provenham e nos sustentem, e não ligamos muito para como eles irão fazer isso.  E queremos tudo para agora.

Somente nos tornarmos “adultos” quando aprendemos que há limites que restringem nosso comportamento; quando começamos a pensar no longo prazo e em todas as outras pessoas, e não apenas em nós mesmos e no aqui e agora; quando fazemos o máximo de esforço para nos tornarmos independentes na medida em que nossas capacidades mentais e físicas nos permitam; quando deixamos os outros em paz, a menos que eles nos ameacem; e quando pacientemente satisfazemos nossos desejos por meios pacíficos, e não recorrendo a porretes.

Nós nos tornamos “adultos” quando aceitamos a responsabilidade pessoal e respondemos por nossos próprios atos.  E voltamos a ser crianças quando transferimos nossas responsabilidades e nosso controle para terceiros, especialmente para o governo.

No entanto, apenas olhe ao seu redor e veja o nível do debate público e de todas as políticas recomendadas.  Não há limites para as demandas pela coerção do Estado.  Todos exigem que o Estado “faça algo”.  Tribute mais aquele sujeito porque ele é mais rico do que eu.  Subsidie a cultura. Imponha uma tarifa para que eu não sofra a concorrência de importados.  Dê mais dinheiro para essa indústria.  Pague por minha faculdade.  Pague por minha saúde.  Proíba a posse de armas.  Desaproprie aquele lugar e construa um hospital ali.  Facilite minha vida obrigando os outros a me sustentar.  Corrija esse problema para mim, e faça isso já.  Diga àquele cara que é dono do restaurante que ele está proibido de atender quem quer fumar.

A impressão é que nossa sociedade se tornou um imenso berçário repleto de bebês chorões que veem o Estado como uma babá amorosa. A vontade que tenho é a de gritar “cresçam!”

Sociedades prosperam e entram em decadência de acordo com a civilidade de seus cidadãos.  Quanto mais eles se respeitam e se associam voluntariamente, mais prósperos e seguros eles se tornam.  Quanto mais eles demandam força e coerção — legitimadas ou não –, mais dóceis e maleáveis eles se tornam nas mãos de demagogos e tiranos.

Portanto, resistir ao impulso estatizante não é algo trivial.  Resistir a esse impulso nada mais é do que a postura genuinamente adulta a ser tomada.


Lawrence W. Reed é presidente da Foundation for Economic Education.

Artigo originalmente publicado em Mises.org

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