Uma das regiões mais pobres do país, o Vale do Jequitinhonha, situado no nordeste de Minas Gerais, tem sido visto como um lugar de grande potencial econômico, graças a uma preciosidade escondida em seu relevo: o lítio. A exploração do mineral ocorre há algumas décadas, mas o aumento na procura pelo carbonato de lítio fez com que o mundo todo voltasse os olhos para a região, que fica na divisa com o estado da Bahia.
Utilizado na fabricação de baterias, especialmente de celulares e notebooks, o metal tem sido cada vez mais demandado devido à crescente produção de veículos elétricos. A Tesla, maior fabricante desse segmento no mundo, prevê que sua demanda por carbonato de lítio até 2030 será 16 vezes maior do que a necessidade que teve em 2022. Isso representa 30% a mais do que a produção mundial atual.
O Vale do Jequitinhonha abriga aproximadamente 1 milhão de habitantes, correspondendo a 5% da população de Minas Gerais. No entanto, o Produto Interno Bruto (PIB) da região, de acordo com os últimos dados do IBGE, correspondia, no final da década passada, a cerca de 1,5% do PIB mineiro. Até a chegada de grandes mineradoras, a economia da região se baseava principalmente na agricultura familiar e no artesanato.
Em maio deste ano, o governo de Minas Gerais lançou em Nova York o projeto Vale do Lítio, com foco em atrair empresas globais para as regiões norte e nordeste mineiras. Dados divulgados pela Agência de Promoção de Investimentos de Minas Gerais (Invest Minas) confirmam R$ 5 bilhões de investimentos, e a expectativa é que esse número alcance entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões até 2030. Uma alteração na legislação que, até 2022, classificava o lítio como produto de segurança nacional e impunha diversas burocracias para sua exploração facilitou a chegada de novos interessados em investir, explorar e beneficiar o lítio.
Até o momento, 14 municípios estão na rota do lítio: Araçuaí, Capelinha, Coronel Murta, Itaobim, Itinga, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul, Virgem da Lapa, Teófilo Otoni, Turmalina, Rubelita e Salinas.
Além dos investimentos na produção, o governo busca viabilizar a infraestrutura, uma vez que o escoamento da produção ficaria prejudicado devido à situação crítica das rodovias e aeroportos da região. Para se ter uma ideia, o maior aeroporto de Minas, localizado em Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, está a 470 quilômetros de Teófilo Otoni, cidade que está entre as maiores da região, com 137 mil habitantes e um aeroporto regional. Segundo informações fornecidas pela assessoria do Governo de Minas, além de Teófilo Otoni, Araçuaí e Salinas devem ter seus aeroportos melhorados para atender às demandas que surgirão a partir do lítio.
A ampliação dos sistemas de distribuição e transmissão de energia também está incluída na lista de melhorias para a região. Em julho deste ano, a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) inaugurou a Subestação de Itinga, construída especialmente para atender às necessidades de uma das mineradoras já instaladas no local.
Também estão previstos investimentos em capital humano para trabalhar na cadeia de produção do lítio, além do financiamento de negócios de suporte à indústria que estão em crescente demanda, como hotéis, restaurantes, locadoras de máquinas e equipamentos e prestadores de serviços em geral.
De acordo com o vice-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Antônio Claret, o banco enxerga uma grande oportunidade de apoio neste período inicial das operações no Vale do Lítio. “O BDMG apoia o desenvolvimento de todas as regiões de Minas. Sabemos que os financiamentos são importantes para impulsionar o emprego e a renda, e isso é ainda mais relevante para essa região. Investidores privados de todo o mundo estão de olho no projeto de beneficiamento do lítio, o que ampliará o potencial de desenvolvimento de várias outras atividades, como hotéis, restaurantes e oficinas”, afirma.
Desde o primeiro mandato do governador Romeu Zema (Novo), foi demonstrada a preocupação em promover o desenvolvimento social e econômico por meio da geração de empregos. A iniciativa do Vale do Lítio vem reforçar essa intenção. A preocupação com a precariedade econômica e social da região mobiliza um trabalho interdisciplinar do governo, buscando consolidar políticas públicas que possam melhorar a qualidade de vida da população.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Fernando Passalio, este é um trabalho de longo prazo, mas que visa a esse desenvolvimento integrado. “Há um foco em formar profissionais para atender às demandas da região por meio do programa Trilhas de Futuro, da Secretaria de Estado de Educação, que oferece capacitação técnica gratuita para egressos do ensino médio. Para a região do Vale do Lítio, serão requisitadas, em sua grande maioria, vagas de emprego mais qualificadas. Por isso, o programa planeja uma edição do projeto para a região, com a expectativa de formar a primeira turma de profissionais em 2024”, afirma Passalio.
A qualificação dos profissionais é uma necessidade urgente, já que apenas com os investimentos iniciais, a expectativa é que surjam mais de 3 mil postos de trabalho.
Vale do Lítio projeta planta para fabricação de baterias
Apesar do crescimento na demanda por lítio devido às baterias, tanto o carbonato quanto o hidróxido de lítio têm aplicações industriais que vão desde a produção de graxas, cerâmicas e vidros especiais até aplicações na indústria farmacêutica e geração de energia nuclear. Dentro do projeto do Vale do Lítio, está prevista nos planos do Governo estadual a viabilização de uma planta para a fabricação de baterias.
O foco em trazer desenvolvimento não está dissociado da preocupação ambiental. O secretário Passalio afirma que as empresas que estão autorizadas a atuar na região seguem protocolos internacionais de governança socioambiental e têm contrapartidas já acordadas. “Atuam com comprometimento em diversas contrapartidas sociais necessárias para melhorar a qualidade de vida da população. Podemos citar, por exemplo, o programa de crédito para mulheres empreendedoras da região, bem como a construção e manutenção de hospitais, escolas, entre outros.”
São cinco empresas atuando na região, tanto na extração quanto na pesquisa. A primeira remessa de lítio do Vale do Jequitinhonha foi exportada em julho deste ano, saindo do Porto de Vitória, no Espírito Santo. Na ocasião, 15 mil toneladas foram embarcadas para a China.
Marília Rodrigues – Gazeta do Povo