Era um fim de tarde dourado, em uma pequena cidade do interior paulista. Sentados na varanda de casa, o avô e seu neto observavam o sol se pôr. O menino, curioso, perguntou:
— Vovô, como eu posso ser uma pessoa boa?
O velho sorriu, ajeitou o chapéu e disse:
— Meu filho, ser bom não é apenas seguir regras. É cultivar algo dentro de si que nem sempre é visto, mas sempre é sentido. São as virtudes — como sementes que você planta e precisa cuidar todos os dias.
Esse diálogo, singelo e verdadeiro, resume a essência de um dos maiores desafios contemporâneos: ensinar virtudes às crianças em um mundo que valoriza mais as aparências do que a substância, mais o resultado imediato do que o caráter a longo prazo.
Virtudes: o alicerce do verdadeiro protagonismo
Ao longo da história, pensadores como Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino defenderam que a excelência humana se atinge apenas pela prática das virtudes — hábitos bons que moldam nossa vontade para o bem.
A educação, portanto, não deveria ser apenas a transmissão de informações, mas sobretudo o cultivo das disposições morais que tornam a criança capaz de agir livremente para o bem.
Assim como Irena Sendler, que salvou centenas de crianças do Holocausto, mostrou que coragem, justiça e prudência aprendidas e vividas podem transformar um ser humano comum em um verdadeiro herói, as crianças de hoje precisam ser formadas com o mesmo espírito.
Perguntamo-nos: estamos preparando nossos filhos para serem protagonistas de suas histórias ou apenas bons seguidores de ordens?
A infância de Santo Agostinho: um exemplo de persistência virtuosa
Antes de se tornar um dos maiores pensadores do Ocidente, Agostinho de Hipona teve uma juventude marcada por inquietações e desvios.
Foi a incansável formação promovida por sua mãe, Santa Mônica — mulher de profunda fé e paciência — que fez toda a diferença.
Toda árvore que um dia tocou o céu começou com uma pequena e frágil semente.
Ela educou pelo exemplo: resiliência na dor, esperança na adversidade e amor pela verdade.
Santa Mônica, ao semear silenciosamente as virtudes no coração do jovem Agostinho, nos recorda que formar o caráter é uma tarefa longa, feita de paciência e amor firme.
Mas em nossa atualidade vivemos um fenômeno quase ignorado: As crianças estão crescendo em um ambiente digital que premia reações rápidas, mas penaliza a paciência, a profundidade e o esforço contínuo.
Diante das curtidas instantâneas, da velocidade da troca de telas, do som alto dos memes, das trends de redes sociais, a virtude da perseverança parece antiquada. A coragem de enfrentar a frustração foi substituída pelo “swipe” que descarta o que é difícil e o que traz qualquer fricção ao desejo e à preguiça.
A ausência de virtudes gera personalidades frágeis, incapazes de suportar a complexidade da vida real.
E sem essa fortaleza interior, a liberdade — tão cara ao Instituto O Pacificador — torna-se mera ilusão.
A ausência de virtudes gera personalidades frágeis, incapazes de suportar a complexidade da vida real.
Quando as raízes do caráter não são fortes, basta o primeiro vendaval de dificuldades para que os sonhos sejam arrancados pela raiz.
Por isso, se queremos formar indivíduos livres, resilientes e capazes de protagonizar sua própria história, precisamos começar agora, desde a infância, com o que realmente importa: o cultivo das virtudes.
Como formar crianças virtuosas?
- O exemplo é o primeiro mestre: as crianças são moldadas mais pelos atos que veem do que pelas palavras que ouvem.
- A repetição constrói o hábito: virtudes são plantadas e regadas com pequenos atos diários.
- A história é uma aliada poderosa: narrativas como as de Santo Agostinho e Irena Sendler ensinam pelo imaginário e pelo coração.
- A correção amorosa é indispensável: corrigir com amor é ensinar o caminho sem esmagar a dignidade da criança.
Educar para a virtude é, portanto, uma arte silenciosa e paciente. Não se trata de moldar a criança à força, mas de regá-la dia após dia com gestos de verdade, bondade e justiça, confiando que, no tempo certo, os frutos virão.
Toda árvore que um dia tocou o céu começou com uma pequena e frágil semente.
Assim também acontece com o ser humano: é na primeira infância que plantamos, em solo ainda fresco e fértil, as sementes das virtudes que sustentarão toda a sua existência.
Ao cultivarmos nas crianças a prudência para pensar antes de agir, a coragem para enfrentar o medo, a temperança para buscar o equilíbrio e a justiça para tratar o outro com dignidade, não estamos apenas educando indivíduos para o sucesso, mas forjando protagonistas para a liberdade, para a paz e para a prosperidade, como o IoP sempre nos lembra.
Em tempos de incerteza, é fácil imaginar que a mudança virá de grandes reformas políticas ou de avanços tecnológicos complexos, distante do nosso universo.
Mas a verdadeira transformação sempre começa silenciosamente — no berço da alma humana.
Formar uma criança virtuosa é um dos atos mais demonstrativos de amor que podemos realizar.
É um gesto de esperança no homem, no futuro e no próprio Bem.
O mundo que sonhamos começa nas virtudes que cultivamos no coração dos pequenos. Pense nisso.
Para saber mais
• Aristóteles. Ética a Nicômaco. Brasília: UnB, 1992.
• Comte-Sponville, André. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
• Kant, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
• Peterson, Christopher; Seligman, Martin. Character Strengths and Virtues: A Handbook and Classification. Oxford University Press, 2004.
• Lewis, C.S. Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
• Virtudes e protagonismo para o bem.
• A importância das virtudes para a excelência moral.
Pesquisa: Jorge Quintão