O Banco Central da Argentina não precisa desvalorizar o peso devido à vitória de Javier Milei nas primárias. O Banco Central da Argentina e o governo peronista vêm desvalorizando o peso e afundando a moeda há anos. A desvalorização de agora não é por conta de Milei, mas porque o Banco Central ficou sem reservas.
A Argentina não enfrenta uma ameaça “antissistema” ou de “extrema direita”. Eles já têm um governo de extrema esquerda e antissistema: as políticas monetárias e fiscais extrativistas e confiscatórias do socialismo do século XXI, defendidas pela peronista Cristina Kirchner. Essa é a chamada política monetária “inclusiva”, como a denominou Axel Kicilloff, ex-ministro da Economia de Cristina Kirchner.
A política peronista de máximo intervencionismo, bem como irresponsabilidade fiscal e monetária, destruiu a Argentina e deixou o Banco Central sem reservas.
O peso perdeu mais de 90% do seu valor em relação ao dólar americano desde que Alberto Fernández assumiu o cargo, e a inflação na Argentina já ultrapassa os 120% anualizados, com mais de 40% da população vivendo na pobreza.
Descontrole monetário
Nos anos dos governos do “socialismo do século XXI” de Cristina Kirchner e Alberto Fernández, um aumento completamente descontrolado da base monetária destruiu a moeda local. O governo de centro-direita de Mauricio Macri, que tomou posse brevemente entre Kirchner e Fernández, cometeu o erro de pensar que medidas graduais e suaves poderiam conter a espiral inflacionária, especialmente porque não considerou as evidências da bomba-relógio deixada por Cristina em compromissos futuros de emissão monetária por meio de dívidas de curto prazo a taxas muito elevadas acumuladas no Banco Central (Leliq, Lebac e Pases).
Essa dívida remunerada pelo Banco Central cresceu em 22 bilhões de dólares americanos equivalentes durante os anos de Cristina Kirchner. O governo Macri reduziu a dívida em 26 bilhões de dólares. Estas emissões de dívida “remunerada” do Banco Central são futuros aumentos da base monetária e inflação garantida.
O governo de Alberto Fernández deixou uma bomba-relógio de Leliq e Pases que ultrapassa os 12% do PIB. Assim, é garantida uma desvalorização gigantesca do peso, uma vez que os passivos do Banco Central excedem várias vezes as suas reservas. É por isso que o Banco Central deve desvalorizar o peso.
Segundo dados publicados pelo Banco Central da República Argentina em agosto de 2023, a Argentina realizou a maior experiência monetária da região, perdendo apenas para a Venezuela. A base monetária aumentou 46,2% ao ano, 117,2% em dois anos e 172% em três anos. No entanto, a base monetária, incluindo os depósitos e o referido Leliq, disparou 392,6% em três anos. Esse desastre é o legado deixado pelo governo Fernández.
Expropriação de riqueza no mercado cambial
O peronismo abraçou o “socialismo do século XXI” e implementou os mais prejudiciais “grampos cambiais” (cepo cambiario), que drenam as reservas dos setores exportadores e os forçam a converter os seus dólares a taxas de câmbio fictícias. Esse é um roubo patrocinado pelo estado que destruiu a entrada de novas reservas no país. Em vez de maximizar as reservas, esta política travou o crescimento das exportações.
Com a recente criação do chamado “dólar soja”, uma taxa artificial para os produtores agrícolas liquidarem sua moeda estrangeira, existem mais de dez taxas de câmbio na Argentina.
Como pode um país ter dez taxas de câmbio em relação a uma moeda? A resposta é simples. Todas essas taxas de câmbio impostas pelo governo são formas de expropriação de riqueza para confiscar os dólares dos exportadores e dos cidadãos a uma taxa irrealista.
O governo expropria os destinatários dos dólares americanos com uma troca pelo peso que o próprio governo não encontraria em nenhuma transação no mercado aberto.
Essa loucura monetária financia gastos políticos descontrolados, já que o estado argentino não pode ser financiado através de dívida, pois não há confiança na sua solvência como emissor, uma vez que entrou em default em diversas ocasiões.
Não existe uma verdadeira procura local ou global de pesos, pois os investidores e os cidadãos sabem que o governo continuará a imprimir moeda sem controle.
Peso, uma moeda sem valor
Na Argentina, em 57% das províncias, o emprego estatal é maior que o emprego privado. O estado aumenta os gastos públicos mais do que as receitas fiscais e a inflação, financiando-os através da impressão de mais pesos, o que cria mais pobreza e uma inflação mais elevada. Entretanto, a tributação implementada pelos governos peronistas é uma das mais confiscatórias da região, atingindo 106% dos lucros de uma pequena/média empresa que paga todos os seus impostos, segundo o relatório Doing Business.
Assim, o governo promete enormes subsídios numa moeda que perde constantemente valor e se apresenta como a solução para o problema criado pelas suas próprias políticas fiscais e monetárias. O peronismo “doa” dinheiro que é impresso massivamente e não tem valor. O resultado: mais de 18 milhões de cidadãos pobres.
Muitos grandes economistas argentinos analisaram detalhadamente a importância da dolarização para acabar com essa espiral de incentivos perversos que leva o governo a tornar os cidadãos mais dependentes através da emissão de uma moeda sem valor nem procura. De Nicolas Cachanosky a Steve Hanke e muitos outros, lembram-nos que o Equador, o Panamá ou El Salvador dolarizaram com sucesso.
O problema da Argentina não é a dolarização, mas a evidência de que possui uma moeda inviável e fracassada. A Argentina já está em grande parte dolarizada, porque os cidadãos estão fugindo da moeda local.
Por que o peso é uma moeda sem valor? Porque o governo e o Banco Central têm implementado a sua própria Teoria Monetária Moderna sob a ideia de que os problemas do país podem ser resolvidos através da emissão de mais moeda. Após anos de destruição monetária, a procura global e nacional pelo peso está em mínimos históricos.
O peso é, novamente em 2023, uma das piores moedas do mundo em relação ao dólar americano, enquanto o aumento da base monetária do Banco Central da Argentina é de insanos 46% no acumulado do ano até aqui. E algumas pessoas se perguntam por que a inflação está acima dos 120%.
O problema não é o Milei
Não, a Argentina não enfrentará um abismo se Milei se tornar presidente. A Argentina, um país rico e com enorme potencial, já está no abismo.
Tal como o Chavismo na Venezuela, os governos peronistas destruíram a moeda e o tecido produtivo para impulsionar os gastos políticos e transformar o país num deserto econômico, onde os salários e as poupanças dos cidadãos são confiscados através de elevados impostos diretos e indiretos, inclusive o imposto inflacionário.
Milei quer acabar com essa insanidade monetária e fiscal com políticas que não sejam radicais, mas sim lógicas. Acabar com a monetização insana dos gastos do governo, acabar com as perigosas medidas inflacionárias do Banco Central, dolarizar, cortar gastos políticos excessivos, reduzir os impostos, abrir a economia e permitir que o livre comércio e o investimento fluam de volta para a Argentina.
Algo está muito errado no mundo desenvolvido quando alguns consideram Milei um radical perigoso e nada dizem sobre o radicalismo implementado nos anos Fernández-Kirchner.
A Argentina deve implementar políticas fiscais e monetárias sérias para alcançar o seu enorme potencial. As propostas de Milei não são antissistema, são pró-lógica.
O problema da Argentina não é Milei. O problema é que implementaram ponto a ponto as políticas fiscais e monetárias que muitos dos chamados partidos “progressistas” exigem.
Daniel Lacalle é Ph.D. em economia, gestor de fundos de investimentos, e autor do livro “Escape from the Central Bank Trap”.
Fonte: Mises Institute