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São Tomás de Aquino, O Senhor dos Anéis e a virtude da prudência

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Na vastidão das obras literárias e filosóficas, algumas histórias transcendem o tempo e oferecem uma riqueza de ensinamentos que vão além de mero entretenimento. “O Senhor dos Anéis”, a aclamada obra de J.R.R. Tolkien, é um exemplo disso. A sua conexão com a filosofia de São Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores da Idade Média, e a virtude da prudência exemplifica como a última desempenha um papel fundamental na vida dos personagens e como pode ser aplicada em nossas próprias vidas.

A pessoa prudente é aquela que age de forma ponderada, levando em conta a sabedoria adquirida pela experiência e pelo conhecimento, evitando impulsividade e tomando decisões com cuidado e responsabilidade. A prudência não se limita apenas à autoproteção, mas também considera o bem-estar dos outros e o impacto de nossas ações no contexto social. É uma virtude fundamental para uma vida equilibrada, guiada pelo bom senso e pela razão, buscando o alcance de fins nobres e evitando excessos e perigos desnecessários.

São Tomás de Aquino, um teólogo e filósofo dominicano do século XIII, cujas obras ainda são amplamente estudadas e admiradas nos dias de hoje, defendia, em sua abordagem filosófica, o tomismo, ideia caracterizada pela sua aceitação do uso da razão na especulação teológica, mas sem confundir seu domínio com o da fé, em uma notória a influência platônica e, sobretudo, aristotélica.

Dentre as muitas virtudes discutidas por Aquino, destacou-se a virtude da prudência como a capacidade de discernir o que é bom e agir corretamente em diferentes situações. Ela envolve a razão prática, que nos permite escolher os meios adequados para atingir fins nobres.

A virtude da prudência

Dentre as muitas virtudes discutidas por Aquino, destaca-se a virtude da prudência. Podemos defini-la como a capacidade de discernir o que é bom e agir corretamente em diferentes situações. Ela envolve a razão prática, que nos permite escolher os meios adequados para atingir fins nobres.

Aquino entendia a prudência como uma das quatro virtudes cardeais, juntamente com a justiça, a fortaleza e a temperança. É a virtude que governa a razão prática, ou seja, a capacidade humana de tomar decisões com base na moralidade, nos permitindo discernir o que é bom e agir corretamente.

Uma característica fundamental da prudência é o uso adequado da razão. Ela envolve a aplicação da razão prática para determinar os meios adequados para alcançar um fim moralmente bom. Também requer sabedoria, análise cuidadosa das circunstâncias e uma visão da consideração das consequências de nossas ações. Leva em conta os princípios morais e éticos, buscando o equilíbrio entre o interesse pessoal e o bem comum.

O filósofo argumenta que a prudência não é apenas uma virtude individual, mas também tem um papel importante na governança e na vida em sociedade. Ele destaca a importância da prudência na tomada de decisões políticas, na administração da justiça e na busca pela paz. A prudência permite aos governantes e líderes agirem de forma justa e sábia, considerando o bem comum e promovendo o bem-estar da sociedade como um todo.

A prudência também não é considerada uma virtude estática, mas algo que pode ser desenvolvido e aperfeiçoado por meio da experiência e da busca constante da virtude. Neste sentido, requer prática e exercício contínuo, assim como o desenvolvimento de um caráter virtuoso.

Na filosofia de São Tomás de Aquino, a prudência nos guia na tomada de decisões corretas, considerando cuidadosamente as circunstâncias e os princípios morais. O legado de Aquino continua a inspirar e influenciar comportamentos, a cultura, estudos e filósofos até os dias atuais, destacando a importância da prudência em nossa busca pela vida virtuosa.

O Senhor dos Anéis e a prudência

Dentre os personagens de “O Senhor dos Anéis”, um exemplo marcante de prudência é Bilbo Bolseiro, um hobbit, uma pessoa comum, sem superpoderes, que se torna protagonista da história de J.R.R. Tolkien, embarcando em uma jornada épica. No início de sua aventura, Bilbo demonstra hesitação e cautela ao enfrentar os desafios que se apresentam. Neste “chamado” ao desafio e à medida que a história se desenrola, ele aprende a confiar em sua intuição e a tomar decisões prudentes.

Em sua jornada, Bilbo entende que o anel é uma grande tentação e que seu poder pode corromper até mesmo os mais nobres corações. Ao perceber a influência do anel em sua vida, Bilbo decide deixá-lo para trás, passando-o para seu jovem sobrinho Frodo. Essa decisão é um exemplo claro de prudência, pois Bilbo reconhece que ele próprio não é capaz de resistir às tentações do anel e age de acordo com esse entendimento.

Além disso, a prudência de Bilbo é testada quando ele se depara com Gollum, a criatura sinistra que também deseja o anel. Bilbo usa sua astúcia e perspicácia para resolver os enigmas de Gollum e escapar de seu terrível destino. Essa habilidade de avaliar a situação e tomar decisões sensatas é um aspecto crucial da prudência.

Embora São Tomás de Aquino seja um filósofo medieval e Bilbo Bolseiro um personagem fictício, ambos abordam a importância da prudência como uma virtude essencial na tomada de decisões e na busca pela sabedoria. Nos lembram da necessidade de considerar cuidadosamente as circunstâncias, avaliar as consequências e agir de acordo com o discernimento prudente.

Gollum e a imprudência

Na saga de O Senhor dos Anéis, Gollum, de forma imprudente, demonstra toda a sua obsessão pelo anel buscando-o incessantemente e se tornando cada vez mais dependente do objeto.

Em sua jornada é visível a transformação devido à falta de prudência e sua ganância, o levando a isolar-se da sociedade, abandonando sua vida comum e a se tornar um ser perturbado e perigoso. O personagem com aparência animalesca não foi capaz de avaliar as consequências de suas ações nem considerar o bem-estar dos outros. Sua busca cega pelo anel o levou a cometer atos de traição e violência, causando sofrimento tanto para si mesmo quanto para os outros personagens. Todo este martírio, inclusive, é representado pela mudança da aparência física do personagem, que definha à medida que o tempo passa.

Assim, o contraste entre Bilbo e Gollum no filme ilustra como a falta de prudência pode levar a consequências negativas, enquanto a prudência permite uma tomada de decisão mais sensata e preserva a integridade pessoal. A história de Gollum serve como um alerta aos perigos de agir sem prudência, pois resultaram em sua própria queda e sofrimento, assim como na perturbação da paz e harmonia da Terra Média.

Prudência é saber distinguir as coisas desejáveis das que convém evitar.

Cícero

Justiça, ética e moral

A prudência está intrinsecamente ligada à justiça, ética e moralidade. Ela orienta as ações dos indivíduos considerando as consequências a médio e longo prazo. A prudência nos permite discernir entre o que é certo e o que é errado, levando em conta os valores morais.

Na saga de “O Senhor dos Anéis”, vimos que a prudência é uma qualidade essencial para a preservação da justiça e da ética. Os personagens que agem com prudência são capazes de tomar decisões que não apenas beneficiam a si mesmos, mas também o bem-estar de toda a sociedade.

A lição que fica é que protagonistas, sejam eles cidadãos comuns, líderes ou políticos, devem ser guiados pela prudência ao tomar decisões que afetam a vida de toda uma nação. A falta de prudência na administração pública pode levar a escolhas irresponsáveis, políticas desastrosas e corrupção generalizada, resultando no declínio de uma nação e na perda da confiança do povo.

Em nossa vida somos constantemente confrontados com situações que exigem decisões, sejam elas pequenas escolhas pessoais ou grandes determinações sociais. A forma como tomamos essas decisões pode ter um impacto significativo em nossas vidas e na sociedade como um todo. Neste contexto, a virtude da prudência emerge como uma qualidade fundamental para o sujeito protagonista, funcionando como um guia para os nossos caminhos, com sabedoria e discernimento.


Jorge Quintão – IoP

A jornada do herói e o protagonismo – Como aplicar as lições à sua vida

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A Jornada do Herói, conforme definida por Joseph Campbell em seu livro “O Herói de Mil Faces”, é mais do que apenas um modelo para contar histórias em filmes, livros ou jogos, é um espelho que reflete nossas próprias lutas e triunfos, esperanças, medos e um guia para a jornada do protagonista na vida real.

Nossa história é pontuada por momentos de autodescoberta e crescimento pessoal, muito semelhante à do herói das narrativas fantásticas. A jornada fornece uma estrutura para entender as mudanças e funciona como uma bússola que nos dá uma direção. Ao compreender as etapas da jornada, podemos navegar melhor em nossos próprios caminhos, identificando nossos mentores, nossos desafios, enfrentando nossos medos, para que possamos sair transformados.

Ao passar por cada estágio, é possível identificar onde você está em sua própria jornada, podendo inclusive compreender o que pode vir pela frente ou quais triunfos o aguardam e como você pode percorrer a jornada do herói com foco, coragem e sabedoria.

O mundo comum de pessoas comuns

Para Campbell, na narrativa, o mundo comum nos dá uma visão do personagem do herói antes da jornada, fornecendo uma base para o desenvolvimento posterior do personagem. Em nossas vidas, reconhecer nosso “mundo comum” nos permite identificar áreas para crescimento ou mudança pessoal.

Saber onde você está é um marco, um ponto de partida para o início de uma jornada. Talvez mais importante do que saber para onde ir, saber sua posição agora é uma referência importantíssima. De nada adianta se você tem um mapa e uma bússola se você não sabe onde está. O ponto de início é essencial para traçar a sua rota, o seu caminho, sair da inércia. Para compreender isso não é necessário ser um superherói.

E por mais que o termo “herói” seja usado para descrever um personagem, geralmente com superpoderes, muitas vezes ele não passa de uma pessoa comum, como eu e você, de carne e osso. É aí que a jornada fica interessante, pois nos leva a refletir que todos nós podemos agir para descobrir o herói oculto dentro de nós e enfrentar os nossos desafios com coragem e determinação, por mais difíceis que possam parecer.

Chamado à Aventura

Segundo Campbell, neste estágio inicial o herói é convocado a deixar sua zona de conforto e embarcar em uma jornada. É um convite para sair da rotina e enfrentar desafios que o levarão ao crescimento pessoal.

Na vida real o chamado pode ser uma situação adversa, a perda do emprego, uma mudança de cidade, a notícia de uma doença que exija uma alteração de hábitos ou a morte de uma pessoa amada, por exemplo. São situações que fazem com que o indivíduo tenha que mudar radicalmente a sua rotina, sua forma de viver e se relacionar.

Recusa da Chamada

O herói pode inicialmente resistir ao chamado, com medo do desconhecido ou relutante em abandonar o que é familiar. No entanto, ele eventualmente percebe que precisa aceitar o desafio para encontrar seu verdadeiro potencial, para mudar sua condição atual, mas muitas vezes o receio é maior do que a ação e então a decisão é a de se manter em sua zona de conforto.

Campbell afirma que “com frequência, na vida real, e com não menos frequência, nos mitos e contos populares, encontramos o triste caso do chamado que não obtém resposta; pois sempre é possível desviar atenção para outros interesses. A recusa à convocação converte a aventura em sua contraparte negativa”.

Neste caso pode ser que na jornada surja um personagem importante, que ajude o protagonista a ganhar um “empurrão”: o mentor.

Encontro com o Mentor

Durante a jornada, o herói encontra um mentor, uma figura sábia e experiente que o guia e oferece conselhos valiosos. O mentor geralmente é alguém que provoca, encoraja e ajuda o herói a desenvolver habilidades e confiança necessárias para enfrentar os obstáculos que estão por vir.

Na vida real pode ser um amigo, um familiar, um professor, algum colega de trabalho que se solidarize com a angústia do protagonista e se aproxima afim de auxiliá-lo no enfrentamento da jornada.

Provações

O herói enfrenta uma série de provações e desafios que testam sua coragem, força e determinação. Essas dificuldades são oportunidades para o herói aprender, crescer e superar seus próprios limites.

Aproximação da Caverna Profunda

O herói se prepara para enfrentar sua maior provação, sua “caverna profunda”, que representa seus medos e obstáculos internos. É um momento crucial em que ele precisa confrontar a si mesmo para superar suas limitações.

A Crise Suprema

Neste estágio, o herói enfrenta sua maior provação e está em um momento de vida ou morte. Ele precisa reunir toda a sua coragem, determinação e sabedoria para superar o desafio final. Na maioria das vezes ele estará sozinho e aqui é possível que surja o pensamento de desistência e retorno ao estado inicial de comodismo. Mesmo com medo, muitos protagonistas resolvem seguir, quebrando barreiras impostas por sua percepção pessoal. É onde geralmente acontece a “virada de chave” da história.

O Retorno Transformado

Após a superação da crise, o herói retorna ao seu mundo, diferente, transformado. Ele adquiriu sabedoria, habilidades e uma nova perspectiva que o capacita a contribuir de maneira significativa para sua comunidade e para o mundo.

Se observarmos as etapas da jornada do herói, criadas por Campbell, podemos associá-las a algum momento da nossa vida em que tivemos que tomar decisões difíceis ou que estivemos diante de uma escolha importante, ou mesmo nos encontramos com pessoas que nos ajudaram a superar uma determinada situação difícil. A ficção encontra a realidade quando a atitude de protagonizar uma mudança nos é imposta, seja por escolha ou por falta dela.

Protagonismo e a jornada do Herói

A jornada do herói, ou monomito, conforme descrito por Joseph Campbell, é mais do que um modelo para narrativas – é um projeto para a vida. Essa estrutura arquetípica pode ser associada ao conceito de protagonismo para o bem, pois ela aborda o processo de crescimento e desenvolvimento pessoal ao longo de uma jornada.

No início da história, o herói é convocado para uma aventura ou desafio. Isso pode ser comparado ao chamado para assumir um papel de protagonismo em nossa própria vida, um novo emprego, um posto de responsabilidade em um projeto, empreender, morar em outro país ou escolher um outro rumo para a vida onde somos chamados a fazer a diferença e buscar o bem. É importante reconhecer esse chamado, analisar o cenário e, em caso de aceite, estar disposto a enfrentar os desafios.

Ao assumir o protagonismo, podemos encontrar obstáculos e adversidades que nos testam. Desenvolvemos habilidades, superamos medos e podemos aprender com suas experiências para nos tornar agentes de mudança positiva.

A jornada do herói também envolve o encontro com mentores e aliados, que oferecem orientação e apoio ao protagonista. Pode ser um colega no trabalho, um chefe ou mesmo um familiar, uma pessoa de confiança que nos ajude a enxergar aquilo que não estamos conseguindo ver. No contexto do protagonismo para o bem, isso pode ser visto como a importância de buscar conhecimento, aprender com aqueles que são referências em ética, justiça e generosidade. Esses mentores podem nos ajudar a desenvolver habilidades e valores necessários para enfrentar os desafios que encontramos ao longo da jornada.

Conforme avançamos na jornada, enfrentamos uma crise suprema, um ponto crucial onde somos testados e confrontados com nossos próprios limites. É nesse momento que o protagonista precisa mobilizar todas as suas qualidades, coragem e sabedoria para superar a adversidade e alcançar a transformação pessoal.

Assim, a jornada do herói pode ser vista como um convite para o desenvolvimento gradual do protagonismo para o bem. À medida que enfrentamos desafios, buscamos orientação, aprendemos com nossas experiências e superamos obstáculos, nos tornamos agentes ativos em busca do bem comum. A jornada do herói nos inspira a assumir a responsabilidade por nossas vidas e a buscar constantemente nosso crescimento pessoal.

É importante ressaltar que a jornada do protagonismo para o bem não está restrita a grandes feitos ou eventos extraordinários. Cada indivíduo, em seu dia a dia, tem a oportunidade de ser protagonista e fazer a diferença por meio de pequenas ações, devendo desenvolver virtudes como coragem, generosidade, honestidade, resiliência, empatia, justiça, sabedoria, lealdade, dentre outras.

A jornada do herói nos mostra que a transformação pessoal e o protagonismo para o bem são possíveis para qualquer um que esteja disposto a se comprometer e tomar a iniciativa. Ao compreendermos essa estrutura arquetípica e aplicarmos seus princípios em nossas vidas, podemos nos tornar protagonistas de nossa própria história. Com o tempo é possível que o protagonista se torne o mestre, pois adquiriu sabedoria suficiente para ajudar outras pessoas que estejam no início de suas jornadas.

E então? Tudo pronto para se tornar protagonista?


Jorge Quintão – IoP

A importância do autoconhecimento e da reflexão para o desenvolvimento individual

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Hoje é fácil perdermos contato com nós mesmos e com o que realmente importa. A busca pelo sucesso, a pressão social e as demandas do dia a dia muitas vezes nos afastam da nossa percepção interior. Para Aristóteles, filósofo grego que viveu no século IV a.C., o autoconhecimento e a reflexão são fundamentais para o desenvolvimento individual e a busca por uma vida plena e significativa, sendo a chave para entendermos quem somos, nossos valores, desejos e potenciais. É um processo profundo de investigação interna que nos permite reconhecer nossas virtudes, limitações e áreas de crescimento. O conhecimento de nós mesmos nos permite tomar decisões mais alinhadas com nossos valores e objetivos, evitando assim desperdiçar tempo e energia em caminhos que não são verdadeiramente significativos.

Estudos têm demonstrado que indivíduos que possuem um alto grau de autoconhecimento têm maior satisfação pessoal e profissional. Geralmente estão alinhados com seus valores e habilidades, tendo maior desempenho no trabalho e são mais resilientes diante dos desafios, possuindo um alto grau de protagonismo. Além disso, pessoas que se conhecem bem são mais capazes de estabelecer relacionamentos saudáveis e duradouros, pois são autênticas e verdadeiras em suas interações, além de terem consciência do seu papel dentro de um grupo social.

A reflexão como instrumento de crescimento

A reflexão é um ato consciente de análise e avaliação de nossas experiências, pensamentos e emoções. Ela nos permite aprender com nossos erros, celebrar nossas conquistas e traçar caminhos para o futuro. Através da reflexão, podemos identificar padrões comportamentais, compreender nossas motivações e desenvolver um maior grau de autocontrole.

Estamos constantemente expostos a estímulos externos e distrações e, reservar um tempo para promover uma reflexão, se torna um ato de extrema importância, aumentando a capacidade de resolução de problemas, estimula a criatividade e promove a tomada de decisões mais assertivas. Além disso, a reflexão nos ajuda a manter o equilíbrio emocional e a lidar de forma mais eficaz com o estresse e a ansiedade.

O convite dos Deuses

Um dos aforismos mais famosos da história, “conhece-te a ti mesmo”, encontrava-se no pórtico de entrada do templo do deus Apolo, na cidade de Delfos na Grécia, no século IV a. C.

Essa frase foi atribuída a várias figuras gregas e não possui ao certo um autor. É possível que tenha como origem um dito popular grego.

Ao longo do tempo, essa sentença foi apropriada por muitos autores, o que levou a algumas variações. Um exemplo dessa apropriação é sua tradução para o latim: nosce te ipsum e, também, temet nosce.

O filósofo Sócrates (c. 469-399 a.C.) é quem tornou mais evidente essa ligação entre o deus e a filosofia nascente.

A filosofia nasce a partir da reflexão, ou seja, do olhar para dentro. Faz-se necessário refletir sobre o que significa, de fato, conhecer alguma coisa. A partir daí, construir bases para todos os tipos de conhecimento.

A extensão da frase atribuída a Sócrates é conhecida como:

Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses.

Sócrates

Sendo assim, o motor da filosofia é o “conhece-te a ti mesmo” do próprio conhecimento, ou seja, é o pensamento voltado para si. Busca no entendimento, as bases que fundamentam o saber.

O conhecimento de si mesmo é essencial para a busca da excelência humana e a construção de uma vida virtuosa. Somente ao conhecermos nossas próprias características, virtudes e limitações, somos capazes de agir de forma consciente e alinhada com nossos valores mais elevados.

Ao compreendermos nossa natureza humana e as forças que nos impulsionam, podemos direcionar nossas ações de forma mais ética e inteligente.

Essa reflexão interior nos permite reconhecer nossas virtudes e vícios, nossas paixões e desejos, e tomar decisões mais acertadas em relação a nossas escolhas e conduta. Conhecer a si mesmo é um caminho para o autodomínio, o equilíbrio e a sabedoria.

No mundo atual, marcado pela velocidade, pela superficialidade, alienação e pela constante busca por distrações externas, o convite dos Deuses para conhecer-se a si mesmo é mais relevante do que nunca. O autoconhecimento nos permite escapar das influências negativas e das armadilhas da sociedade moderna, nos tornando mais autênticos e conscientes de nossas verdadeiras necessidades e propósitos.

Além disso, o autoconhecimento nos capacita a lidar de forma mais assertiva com os desafios e contradições da vida, permitindo-nos enfrentar os obstáculos com maior resiliência e adaptabilidade. Ao conhecermos nossas fortalezas e fraquezas, podemos trabalhar para desenvolver nossas habilidades e superar nossos pontos fracos.

Nesse sentido, o autoconhecimento é um processo que se estende ao longo de toda a vida, desde a infância até a velhice. Na infância, os primeiros passos são dados ao reconhecermos nossas preferências, emoções e capacidades. Na adolescência, buscamos entender nossa identidade e nos confrontamos com as complexidades da transição para a vida adulta. Na fase adulta, o autoconhecimento envolve a busca por nossos propósitos e a compreensão de nossos valores mais profundos. E na velhice, refletimos sobre a jornada percorrida e sobre o legado que deixaremos.

Os antigos filósofos nos convidam a explorar as profundezas de nossa própria existência e a nos conhecermos em todas as fases da vida. O autoconhecimento não apenas enriquece nossa experiência individual, mas também nos torna cidadãos mais conscientes e atuantes em uma sociedade justa e livre. Ao nos conhecer, somos capazes de contribuir de maneira mais significativa para o bem comum, promovendo valores como a justiça, a ética e a solidariedade.

IoP

A importância da autonomia para uma sociedade livre

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A autonomia é a capacidade de uma pessoa agir e tomar decisões de forma independente, com base em suas próprias escolhas, valores e critérios. É a habilidade de autogovernar-se e assumir a responsabilidade por suas ações. O desenvolvimento da autonomia ocorre ao longo da vida e é influenciado por diferentes fatores em cada fase.

Nos primeiros anos de vida, o desenvolvimento da autonomia é estimulado através do encorajamento à exploração segura do ambiente, do estímulo à tomada de decisões simples, como a escolha de brinquedos ou roupas, e da promoção da independência em tarefas adequadas à idade, como se vestir ou alimentar-se. É importante que os pais ou cuidadores ofereçam um ambiente acolhedor, seguro e estimulante, incentivando a criança a explorar e experimentar por si mesma, ao mesmo tempo em que fornecem orientação e apoio.

Durante a adolescência, a busca pela autonomia se intensifica. Nessa fase, os jovens começam a questionar e formar sua identidade, buscando sua independência emocional, social e intelectual. É fundamental que os adultos incentivem a tomada de decisões responsáveis, ofereçam oportunidades para que os adolescentes assumam responsabilidades, promovam o diálogo aberto e respeitoso, e forneçam orientação adequada para lidar com desafios e consequências.

Na fase adulta, a autonomia se manifesta na capacidade de gerir a própria vida, tomar decisões que afetam o trabalho, relacionamentos, saúde, finanças, entre outros aspectos. Nesse estágio, a responsabilidade pessoal desempenha um papel fundamental, pois a autonomia implica assumir as consequências de suas escolhas e ações, além de buscar constantemente aprimorar suas habilidades e conhecimentos.

Na velhice, a autonomia também é importante. Nessa fase, embora possam surgir desafios devido ao envelhecimento e possíveis limitações físicas, é essencial proporcionar um ambiente que permita às pessoas idosas manter sua independência e tomar decisões que impactem suas vidas. O respeito à autonomia na velhice envolve valorizar suas experiências, garantir sua participação ativa na sociedade e oferecer suporte quando necessário, para que possam preservar sua dignidade e qualidade de vida.

O desenvolvimento da autonomia deve ser contínuo e é influenciado por fatores individuais, sociais e culturais. O estímulo à autonomia desde os primeiros anos e ao longo do ciclo de vida contribui para o crescimento pessoal, a construção de relações saudáveis e a participação ativa na sociedade, desenvolvendo o senso de responsabilidade pessoal. A autonomia desempenha um papel fundamental ao permitir aos indivíduos se tornarem protagonistas na busca pela independência, uma convivência saudável, uma vida virtuosa livre.

Autonomia como capacidade de tomar decisões

Vimos que a autonomia se refere à capacidade de tomar decisões de forma independente e consciente. Ao exercer a autonomia, os indivíduos são capazes de agir de acordo com seus valores e princípios, sem depender exclusivamente das influências externas. Isso os torna protagonistas de suas próprias vidas e agentes de mudança em suas comunidades, no trabalho e em casa.

Assumir a responsabilidade por sua carreira, definir seus objetivos e tomar decisões alinhadas com seus interesses e habilidades, torna os indivíduos protagonistas de seu crescimento e desenvolvimento. Essa autonomia permite que ela busque oportunidades, tome iniciativas e se destaque em sua área de atuação.

Responsabilidade pessoal como base da autonomia

A responsabilidade pessoal é um elemento-chave para o desenvolvimento da autonomia. Ela envolve assumir a responsabilidade por nossas ações, comportamentos, incluindo as suas consequências. Ao reconhecer que somos responsáveis por nossas escolhas, os indivíduos se tornam conscientes do impacto que suas decisões podem ter na sociedade.

Quando cada indivíduo assume a responsabilidade de respeitar as normas de trânsito, por exemplo, evita infrações e comportamentos arriscados, contribuindo para a sua segurança, do outro e o bem-estar coletivo. Essa responsabilidade pessoal fortalece a autonomia, uma vez que cada pessoa se torna um agende para o desenvolvimento de um ambiente mais seguro e harmonioso.

Autonomia na participação cívica e social

A autonomia também desempenha um papel importante na participação cívica e social quando indivíduos são capacitados a se envolverem ativamente na comunidade, expressarem suas opiniões e trabalharem juntos na busca de soluções para problemas locais.

O voluntariado é um exemplo concreto de como a autonomia pode ajudar os indivíduos a se tornarem protagonistas e, com isso, influenciarem outras pessoas para uma sociedade melhor. Quando uma pessoa decide dedicar seu tempo e habilidades em ações voluntárias, ela exerce sua autonomia para agir de maneira proativa. Ela se torna protagonista ao contribuir para o bem-estar de outras pessoas, seja por meio da assistência a indivíduos em situação de vulnerabilidade, da promoção de projetos educacionais ou do engajamento em iniciativas de desenvolvimento local.

Autonomia e liberdade

A autonomia e a liberdade são valores importantes para o desenvolvimento individual e a construção de uma sociedade melhor. No entanto, é fundamental compreender que a responsabilidade desempenha um papel crucial nesse contexto. Ignorar a responsabilidade ao promover a autonomia e a liberdade pode levar a consequências indesejáveis como o abuso de poder e a adoção de comportamentos prejudiciais como vícios ou antiéticos.

Na busca por uma vida virtuosa, a autonomia nos permite tomar consciência não apenas de nós mesmos, mas também do nosso papel dentro de um grupo social. Ao compreendermos nossa interdependência e responsabilidade em relação aos outros, podemos agir de maneira ética e contribuir para o bem comum.

É essencial valorizar e promover a autonomia como um elemento fundamental para a realização individual e para a construção de uma sociedade mais saudável. Isso envolve garantir que as pessoas tenham o direito de tomar decisões informadas, de expressar suas opiniões e de participar ativamente na definição das regras que as afetam. Somente por meio da autonomia podemos vivenciar a verdadeira liberdade e alcançar um ambiente que respeite e valorize a diversidade de pensamentos e perspectivas.

Quando as pessoas são privadas da capacidade de tomar decisões por si mesmas e são submetidas a um controle rígido, suas liberdades individuais são suprimidas. Isso pode ocorrer em diferentes contextos, como em regimes autoritários, relacionamentos abusivos ou até mesmo em estruturas organizacionais desvirtuadas.

Quando a autonomia é negada, as pessoas são forçadas a seguir regras e diretrizes impostas por outros, muitas vezes sem a oportunidade de expressar suas opiniões e desejos. Isso limita sua capacidade de agir de acordo com sua própria consciência e escolhas pessoais.

A imposição e a falta de liberdade podem ter consequências prejudiciais tanto a nível individual quanto coletivo. No âmbito individual, a ausência de autonomia pode levar à sensação de aprisionamento, frustração e falta de propósito. As pessoas podem se sentir desvalorizadas, desmotivadas e até mesmo desenvolver problemas de saúde mental decorrentes da falta de controle sobre suas próprias vidas.

Em um nível mais amplo, a imposição e a falta de liberdade comprometem a diversidade de pensamento, a criatividade e o progresso social. Quando as pessoas não têm autonomia para expressar suas ideias e contribuir com suas perspectivas únicas, a sociedade perde em inovação e desenvolvimento. Com isso a falta de liberdade limita a capacidade das pessoas de se envolverem ativamente na construção de uma sociedade livre.

Somente por meio da autonomia podemos vivenciar a verdadeira liberdade e alcançar um ambiente que respeite e valorize a diversidade de pensamentos, ideias e perspectivas.

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A necessidade de cultivar a virtude da moderação e da temperança

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Aristóteles, um dos mais importantes filósofos da Grécia Antiga, viveu no século IV a.C. e fez contribuições significativas para diversos campos do conhecimento, incluindo a ética e a filosofia moral. Ele acreditava que a busca pela virtude era essencial para alcançar a excelência e a plenitude na vida.

O filósofo estabeleceu uma relação estreita entre moderação, temperança e o senso de protagonismo de um indivíduo adulto. Para ele, a moderação consistia em encontrar o equilíbrio entre dois extremos, evitando tanto o excesso quanto a privação. Já a temperança envolvia o controle dos desejos e apetites, resistindo às tentações e evitando comportamentos viciantes.

Ao cultivar a moderação e a temperança, o indivíduo desenvolve uma consciência aguçada de suas ações e escolhas. Ele se torna capaz de analisar cenários, antecipando possíveis consequências e tomar decisões ponderadas, evitando excessos prejudiciais e tendo a habilidade de controlar impulsos e desejos imediatos. O senso de moderação e temperança permite ao indivíduo assumir o protagonismo de sua própria vida, tornando-se responsável por suas escolhas e consequências.

Aristóteles argumentava que o cultivo dessas virtudes não apenas promovia uma vida equilibrada, mas também contribuía para o desenvolvimento de um caráter sólido e ético. Outras possíveis consequências deste tipo de pensamento são autocontrole, disciplina e habilidades de tomada de decisão consciente, características fundamentais para ser o protagonista de sua própria existência.

A importância da moderação e da temperança como elementos essenciais para o senso de protagonismo de um indivíduo adulto o permite alcançar um equilíbrio entre a liberdade de escolha e a responsabilidade pelas ações, de modo que cada pessoa assuma o controle de sua própria vida e busque a realização de seu potencial máximo.

A virtude da moderação

A moderação é a virtude que consiste em encontrar o meio-termo entre dois extremos. Ela está relacionada à capacidade de controlar os impulsos e de evitar excessos. Como exemplo, na alimentação, é possível evitar comer demais ou de menos, no uso de tecnologia, pode-se evitar tanto o uso excessivo quanto a privação.

A moderação é diferente do extremismo, que consiste em adotar uma posição radical em relação a um determinado assunto. O extremismo pode levar a comportamentos prejudiciais e até mesmo perigosos. Se você abusa de uma alimentação rica em gorduras e açúcares pode ter problemas de saúde e, inclusive, adquirir doenças crônicas.

A virtude da temperança

A temperança é a virtude que consiste em controlar os desejos e apetites. Ela está relacionada à capacidade de resistir às tentações e de evitar comportamentos viciantes, evitando o excesso e a dependência, por exemplo.

A temperança é diferente do vício, que consiste em uma dependência em relação a determinada substância ou comportamento. O vício pode levar a comportamentos prejudiciais e até mesmo autodestrutivos.

“A primeira vítima da falta de temperança é a própria liberdade.”

Sêneca

A relação entre moderação e temperança

A moderação e a temperança são duas virtudes complementares. Enquanto a moderação está relacionada à busca pelo equilíbrio, a temperança está relacionada à resistência às tentações. Ambas as virtudes são importantes para uma vida saudável e equilibrada.

Ao cultivar as virtudes da moderação e da temperança, é importante encontrar um equilíbrio entre elas. É o caso da alimentação, quando você pode ter um comportamento moderado no consumo de alimentos e, ao mesmo tempo, ser temperante em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo.

Felicidade, moderação e temperança

Aristóteles acreditava que as virtudes eram a chave para a realização da felicidade. Ele definiu a moderação e a temperança como duas virtudes importantes para uma vida virtuosa e equilibrada.

A moderação consiste em encontrar o meio-termo entre dois extremos, enquanto a temperança era a capacidade de controlar os desejos e apetites, ou seja, as virtudes não eram inatas, mas sim adquiridas por meio da prática e do hábito.

Como cultivar a virtude da moderação e da temperança

Para cultivar as virtudes da moderação e da temperança, é importante adotar hábitos saudáveis e evitar comportamentos viciantes. Algumas dicas práticas incluem:

  • Estabelecer limites claros para o consumo de alimentos, bebidas alcoólicas e tecnologia
  • Evitar situações que possam levar a comportamentos prejudiciais
  • Buscar apoio de amigos e familiares
  • Praticar atividades físicas e hobbies saudáveis
  • Buscar ajuda profissional em caso de dificuldades em controlar comportamentos viciantes

Cultivar as virtudes da moderação e da temperança pode trazer diversos benefícios para a vida dos indivíduos. Alguns desses benefícios incluem:

  • Melhora na saúde física e mental: Ao evitar comportamentos prejudiciais e adotar hábitos saudáveis, é possível melhorar a saúde física e mental.
  • Maior autocontrole: Ao cultivar a moderação e a temperança, é possível desenvolver maior autocontrole e resistência às tentações.
  • Melhora nos relacionamentos interpessoais: Ao cultivar as virtudes da moderação e da temperança, é possível evitar comportamentos excessivos que possam prejudicar os relacionamentos interpessoais.
  • Maior equilíbrio emocional: Ao evitar comportamentos viciantes e adotar hábitos saudáveis, é possível desenvolver maior equilíbrio emocional e evitar oscilações de humor.

A importância da moderação e da temperança na sociedade

Além dos benefícios individuais, as virtudes da moderação e da temperança também são importantes para a sociedade como um todo. Ao cultivar essas virtudes, é possível evitar comportamentos prejudiciais que possam afetar a coletividade. Por exemplo, ao evitar o consumo excessivo de álcool, é possível evitar comportamentos agressivos e acidentes de trânsito. Além disso, ao adotar hábitos saudáveis, é possível reduzir os custos com saúde pública e evitar sobrecarregar o sistema de saúde.

Você tem a oportunidade de encontrar o meio-termo entre dois extremos, enquanto na virtude da temperança você pode controlar os seus desejos e apetites, sendo importantes para uma vida equilibrada e saudável, sendo possível desenvolver maior autocontrole, resistência às tentações, equilíbrio emocional e melhorar a saúde física e mental.

IoP

O amor de mãe é pleno e eterno. É vida!

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Ser mãe é uma tarefa desafiadora e exigente, mas também é uma das mais gratificantes e significativas que alguém pode assumir.

Ser mãe significa ter a responsabilidade de criar, educar e nutrir um ser humano e isso exige uma série de habilidades e qualidades que são essenciais para proporcionar um ambiente seguro, amoroso e acolhedor para seus filhos.

Ao se tornarem mães, as mulheres descobrem que precisam desenvolver talentos de liderança para orientar e apoiar seus filhos em suas jornadas, ou seja, se tornarem protagonistas. Aprendem a se comunicar de maneira eficaz, a serem flexíveis e adaptáveis às mudanças e a lidar com desafios e crises de forma resoluta e positiva em cada etapa de vida dos seus filhos, se reinventando a cada ciclo.

Mães são verdadeiras heroínas que nos ensinam, muitas vezes pelos atos e não pelas palavras que, colocando as necessidades de seus entes queridos acima das suas próprias, podem assim moldar a próxima geração de líderes, pensadores, inovadores, de cidadãos fortes e resilientes.

A maternidade é uma força motriz fundamental na evolução e sobrevivência da espécie humana. É através dela que os valores são transmitidos, as habilidades são desenvolvidas e, então, a VIDA é perpetuada. O amor de mãe é pleno, eterno e é capaz de superar qualquer adversidade.

Por isso, neste Dia das Mães, expressamos nossa gratidão e admiração por todas as mães do mundo. Vocês são verdadeiras inspirações e seu amor incondicional e o sacrifício mantém firmes as raízes do futuro da humanidade.

IoP

O livre arbítrio e o protagonismo dos indivíduos

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Livre arbítrio é a capacidade de um indivíduo de tomar suas próprias decisões e escolhas, independentemente de influências externas ou determinações prévias. É a habilidade de escolher entre diferentes opções, agir de acordo com sua própria vontade e assumir as consequências de suas escolhas.

Na filosofia, o livre arbítrio é frequentemente associado à ideia de liberdade, autonomia e responsabilidade pessoal. Essa capacidade é considerada fundamental para a dignidade humana e para a possibilidade de uma vida plena e realizada.

“Se tens vida, procura compreender que és um homem livre e, por conseguinte, escolhe o que é certo e o que é útil. Aprende a distinguir as coisas de que precisas das que desejas; e, por fim, terás a liberdade que é fruto da virtude e que consiste em viver conforme a razão. O livre-arbítrio é a capacidade que tens de escolher tua própria vida, de usar tua vontade de acordo com a razão.”

Marco Aurélio

Marco Aurélio, filósofo estoico e imperador romano, defendia que o livre arbítrio é um elemento fundamental para o desenvolvimento do protagonismo para o bem. Segundo ele, o ser humano possui a capacidade de escolher suas ações e decisões, o que o torna responsável pelos resultados de suas escolhas.

Nesse sentido, o protagonismo para o bem envolve a utilização consciente do livre arbítrio para a realização de ações que contribuam para o bem-estar de si mesmo e dos demais, implicando em uma atitude ética e virtuosa, que parte do reconhecimento da própria capacidade de escolha e da responsabilidade pelos próprios atos.

O filósofo estoico acreditava que o desenvolvimento do protagonismo para o bem requer o cultivo de virtudes como a sabedoria, a coragem e a justiça, bem como a prática constante do autocontrole e da reflexão sobre as próprias ações e decisões.

O livre arbítrio é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento do protagonismo para o bem, mas esse processo requer um compromisso ético e virtuoso por parte do indivíduo.

IoP

Virtude não se cria por decreto

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“A vida, a liberdade e a propriedade não existem pelo simples fato de os homens terem feito leis. Ao contrário, foi pelo fato de a vida, a liberdade e a propriedade existirem antes que os homens foram levados a fazer as leis”, diz Bastiat na primeira página de A Lei. Para ele, é imprescindível que se parta deste entendimento para organizar a sociedade; caso contrário, o que se vê é a abdução da lei para legitimar ações inerentemente contraditórias à sua natureza, ou seja, para tornar legal justamente a violação dos direitos naturais à vida, liberdade e propriedade.

Para compreender melhor a discussão proposta em A Lei, vale utilizar exemplos atuais. Para tal, sigamos a sugestão de Bastiat: “Basta verificar se a lei tira de algumas pessoas aquilo que lhes pertence e dá a outras o que não lhes pertence”. Aqui, Bastiat está falando sobre a espoliação legal, ou a legitimação da violação ao direito da propriedade. A espoliação se dá no usufruto não dos resultados do próprio trabalho, mas dos resultados do trabalho de outrem. Ele aponta que, uma vez instalada a espoliação legal, dificilmente será extinta, posto que as suas vítimas atuais serão os espoliadores do futuro – um caso crônico de combate a uma injustiça perpetuando-a.

Vejamos a ideia de que os ricos devem doar parte de suas fortunas aos pobres ou pagar impostos proporcionais à sua riqueza. Recentemente, David Beasley, diretor de uma agência da ONU, afirmou em entrevista à CNN que 2% da fortuna do empresário Elon Musk (US$ 6 bilhões) resolveria o problema da fome mundial. Em resposta, o empresário se comprometeu a doar esse valor se a ONU criasse um plano detalhado sobre como esse valor realmente acabaria com a fome do mundo. A resposta da ONU consistiu em duas tabelas simples e a divisão de US$ 6,6 bilhões da seguinte forma: US$ 3,5 bilhões em alimentos e logística, US$ 2 bilhões em vales, US$ 700 milhões em desenho e implantação dos programas e US$ 400 milhões para gestão.

Segundo a ONU, esses 2% da fortuna de Elon Musk assistiriam 42 milhões de pessoas por um ano, ou seja, postergariam sua inanição em alguns meses. De fato, não são necessários tantos detalhes para compreender que alimentar essas pessoas por um ano está muito longe de salvar suas vidas ou acabar com a fome no mundo. Sobre esse episódio, vale dizer que em 2020 a World Food Programme (WFP), agência da ONU dirigida por Beasley, recebeu US$ 8,4 bilhões para seus programas de acesso a alimentos. O valor, que supera em US$ 1,8 bilhão o valor solicitado a Musk, claramente não acabou com a fome do mundo. Não surpreende que, em 2018, a WFP tenha sido listada pelo Center for Global Development (CGD) como a organização humanitária internacional mais ineficaz. Aliás, depois disso a WFP saiu do ranking por ser categorizada como uma entidade assistencialista e não de desenvolvimento, não agindo, portanto, sobre as causas-raiz dos problemas que ataca.

A taxação de grandes fortunas é uma ideia antiga no mundo inteiro e que ganhou mais notoriedade em função da recessão econômica provocada pela pandemia da Covid-19. No Brasil, há 37 projetos do gênero parados no Congresso, e que são amplamente defendidos pela sociedade civil (dado que 99% da população não pagaria este imposto, fica fácil entender a razão). O discurso de que o 1% da população mais rica deveria bancar a desigualdade do país ganha crescente espaço na mídia, mas, felizmente, o que ainda tem mais peso é o poder indiscutível dos fatos: o que aconteceu com a grande maioria dos países que adotou o imposto sobre grandes fortunas foi a evasão de riqueza, gerando o efeito oposto ao desejado.

Voltemos a Bastiat para refletir sobre como este exemplo ilustra um problema conceitual. “Com efeito, não é a justiça que tem existência própria, mas a injustiça. Uma resulta na ausência da outra”, reflete o autor. O ser humano é naturalmente propenso à defesa de seus direitos naturais em nível individual; em sociedade, é essencial que haja uma mediação destes direitos entre indivíduos, função que cabe ao Estado. Portanto, as leis não devem reger as ideias, as vontades ou o trabalho dos indivíduos para impor uma decisão arbitrária de alguém. Antes, o único motivo para que elas existam é justamente impedir que nossos direitos sejam violados por qualquer outro indivíduo ou instituição.

O que aconteceu com a grande maioria dos países que adotou o imposto sobre grandes fortunas foi a evasão de riqueza, gerando o efeito oposto ao desejado

Quando as leis obedecem à sua natureza negativa, limitada à garantia dos direitos naturais, o Estado é mínimo, os indivíduos são livres para escolher como desejam viver suas vidas e se mantém a harmonia entre a liberdade de todos. Para Bastiat, este é o cenário que contribui para o exercício da “tendência fatal da humanidade”: o progresso incessante, ininterrupto e infalível. E prova-se correto: os países que mais prosperam são aqueles onde os indivíduos usufruem de mais liberdade e, não por coincidência, os países na lista da WFP estão ranqueados pelo Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation nas respectivas posições, de um total de 178: Afeganistão (146), Etiópia (151), Paquistão (152), Haiti (155), Congo (156), Sudão (175) e Venezuela (177). Ninguém seria contra doar dinheiro para a população desses países, mas todos havemos de concordar que fazer isso sem endereçar as causas-raiz do seu subdesenvolvimento não só é indiscutivelmente ineficaz, como também é uma forma de perpetuar sua dependência econômica.

A reflexão filosófica que este episódio nos impõe, presente na discussão de Bastiat, é que, quando as leis se dão de forma positiva e coercitiva, a premissa é a de que a ação sendo normatizada não é natural do ser humano – se o fosse, não precisaria ser imposta. Portanto, quanto mais as leis determinam como as pessoas devem agir, mais elas revelam o desprezo pela humanidade de quem as criou: a ideia de que o ser humano deixado livre para agir conforme suas vontades se afasta das virtudes e toma decisões ruins para si e os outros. Assim, os governantes que determinam como todos devem agir consideram-se acima das demais pessoas. “Enquanto a humanidade tende para o mal, eles, os privilegiados, tendem para o bem. Enquanto a humanidade caminha para as trevas, eles aspiram à luz; enquanto a humanidade é levada para o vício, eles são atraídos para a virtude”, ironiza Bastiat ao revelar a contradição óbvia na qual incorre este pensamento. Mas será que a lei é responsável pela nossa inclinação à virtude? Vejamos.

Em 2020, os norte-americanos doaram o total recorde de US$ 471 bilhões para a caridade (equivalente a mais de 78 vezes o valor “cobrado” de Elon Musk pela ONU), segundo relatório da Giving USA: isso durante a pandemia e sem qualquer lei que os obrigasse. O oposto aconteceu no Brasil: o volume de doações caiu 24% em cinco anos, totalizando R$ 10,3 bilhões em 2020. Seriam os norte-americanos mais caridosos que os brasileiros? É claro que não. São, antes de tudo, mais livres: no citado ranking da Heritage Foundation, os Estados Unidos figuram na posição 20 e o Brasil, na posição 143. Isso só prova que, em países em que a lei age como deveria, observa-se não só a tendência apontada por Bastiat do progresso incessante, ininterrupto e infalível, mas também a tendência ao altruísmo e à fraternidade em sua única forma possível: voluntariamente. “Com efeito, é-me impossível separar a palavra fraternidade da palavra voluntária. Eu não consigo sinceramente entender como a fraternidade possa ser legalmente forçada, sem que a liberdade seja legalmente destruída e, em consequência, a justiça legalmente pisada”, observa Bastiat.

Enquanto os brasileiros doavam cada vez menos, o Movimento Juntos vandalizava o Touro de Ouro em frente à Bolsa de Valores em São Paulo. O movimento destaca: “Seguiremos buscando expor a contradição entre a existência de bilionários enquanto o povo vive à procura de ossos de boi e carcaças de frango”. Enquanto movimentos com este discurso se fortalecem com a certeza de que manifestam a virtude que falta no ser humano “comum”, compete aos lúcidos expor a contradição entre combater a pobreza minando a liberdade. Ao refletir sobre a função da lei, Bastiat indaga: “Sinceramente, como se pode imaginar o uso da força contra a liberdade dos cidadãos, sem que isto não fira a justiça e o seu objetivo próprio?” A resposta é simples: não se pode.


Flávia Sato é graduada em Comunicação Social, pós-graduada em Mindful Leadership pela New York University e em Gestão Emocional nas Organizações, e associada ao Instituto de Formação de Líderes de São Paulo.

Fonte: Gazeta do Povo

Feliz dia do capital!

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Ao redor de todo o mundo, hoje, celebra-se o dia do trabalhador.  Levando-se em conta a contínua e irrefreável expansão dos governos, cujo fardo tributário recai majoritariamente sobre os assalariados, achatando seus rendimentos, a data vem se tornando a cada dia mais emblemática e importante.

No entanto, o objetivo principal da data — ao menos o seu original — é celebrar o trabalhador como sendo o responsável pelo grande padrão de vida desfrutado pelas civilizações ao redor do mundo.  Mas este argumento possui várias falhas.

Nossa evolução

Por 10.000 anos, desde a antiga Suméria até a Revolução Industrial, o trabalho extenuante era o segredo da organização econômica. A agricultura era a principal atividade econômica, e se baseava totalmente na mão-de-obra física e no trabalho exaustivo. Um ser humano sem absolutamente nenhuma ferramenta ou maquinário (capital) tinha de furar um buraco no chão com seu próprio dedo e jogar ali dentro uma semente.

A mudança para o uso de gravetos e outros pedaços de pau foi um exemplo da evolução do capital. 

E a mudança deste arranjo para o uso de arados de metal representou uma imensa alteração na estrutura de produção, uma alteração totalmente baseada no uso intensivo de capital. 

O desenvolvimento de uma coleira de cavalo — um pedaço de capital — permitiu um enorme aumento na produtividade da agricultura. Literalmente, toda a mão-de-obra do mundo era incapaz de fazer aumentar a oferta de alimentos; porém, simples aprimoramentos no capital levaram a um substancial crescimento na produção agrícola.

Em um mundo baseado no trabalho, caçar animais era uma atividade precária, dado que animais frequentemente eram mais bem munidos de armas do que os seres humanos. Um ser humano utilizando apenas suas próprias mãos não é páreo para um búfalo; com efeito, um ser humano utilizando apenas a sua inteligência e suas próprias mãos dificilmente conseguirá capturar sequer um pequeno coelho. 

O desenvolvimento das armadilhas para animais, por exemplo, foi um progresso que permitiu que presas pequenas fossem capturadas com riscos mínimos para o capturador. 

O uso de lanças representou outro aprimoramento do capital, permitindo que um pequeno grupo de homens exitosamente caçasse grandes animais. E a invenção das armas de fogo permitiu que um homem pudesse matar até mesmo o maior dos animais a uma grande distância.

Em um mundo baseado inteiramente no trabalho, o comércio entre as regiões exigia que os homens levassem semanas, meses ou até mesmo anos para percorrer montanhas, áreas nevadas ou florestas inóspitas. E este trabalho excruciante gerava apenas pequenas quantidades de comércio, dado que os comerciantes — limitados pela própria força física e pela necessidade de carregar comida e conduzir um enorme grupo de animais — eram capazes de transportar, de forma segura e eficaz, apenas uma pequena quantidade de bens, frequentemente não mais do que uns 100 kg.

Já em nosso mundo baseado no uso de capital, o comércio é feito por meio de caminhões, aviões, trens e enormes navios com capacidade para várias toneladas. 

Com efeito, é muito provável que, neste nosso mundo baseado no capital, ocorra em um só dia um volume de comércio muito maior do que aquele que ocorria em um ano, em uma década ou, possivelmente, até mesmo em um século inteiro antes da Renascença. 

Hoje, usufruímos prazeres e magnificências que eram inimagináveis há até mesmo 100 anos. Dirigimos automóveis confiáveis, temos luz e inúmeros aparelhos elétricos em nossas casas, produzimos em massa e rapidamente, todos e quaisquer tipos de antibióticos e vacinas, temos ar condicionado, viagens aéreas, geladeiras, congeladores, televisão de tela plana, filmes sob demanda, celulares, motoristas ao toque da tela de um celular, computadores, notebooks, moradias confortáveis, comidas e roupas abundantes e de qualidade, medicina e odontologia modernas, máquina de lavar e secar, forno de microondas e por aí vai. E para não mencionar “raridades”, como rádios, toca-discos, CD players, DVD e videocassetes.

Livros que antes tinham de ser meticulosamente reproduzidos um de cada vez — com trabalho — hoje são reproduzidos aos milhares tanto por meio de fotocópias e impressoras quanto por meios puramente digitais.  Com efeito, você pode ler este texto na internet por meio do seu computador, notebook, tablet, smartphone ou simplesmente por meio de papel e impressora. Você escolhe.

Um voo intercontinental de algumas horas substitui semanas de viagem dentro de um navio primitivo — viagem esta que apresentava enormes chances de resultar em tragédia. E mesmo um navio primitivo havia ao menos tornado possível as viagens intercontinentais, algo que era uma impossibilidade em um mundo baseado exclusivamente no trabalho humano (imagine ter de nadar todo o Oceano Atlântico!). Uma mensagem que demorava dias para ser transportada por meio de cavalos é hoje instantaneamente entregue via celulares e emails.

Por meio de um celular ou de um notebook, podemos acessar absolutamente todos os cursos do MIT. Os portais de informações são infindáveis e impressionantes. Podemos jogar jogos e nos comunicar gratuitamente com qualquer outra pessoa que tenha acesso à internet. Mesmo o simples ato de ligar a televisão nos fornece acesso imediato a várias centenas de estações. A explosão da informação disponibilizada em tempo real em nossas vidas é tão vasta e profunda que é impossível de ser acuradamente descrita.

E eis o crucial: não mais é só para uma elite; é para todos. 

O que permitiu esta magnífica criação de riqueza foram investimentos em capital feitos por capitalistas, os quais geraram as mudanças tecnológicas que hoje nos permitem produzir mais com cada vez menos recursos. 

O trabalho é importante, sem dúvida, mas o que realmente nos faz ricos é o capital e a tecnologia que tornam o trabalho mais produtivo.

E um ótimo exemplo de como esta acumulação de capital favorece principalmente os trabalhadores pode ser observado na própria Revolução Industrial, contrariamente a todos os clichês que você certamente já ouviu sobre aquela época. Durante a Revolução Industrial, os aluguéis cobrados sobre a terra permaneceram praticamente inalterados, o que significa que os ganhos da industrialização não foram absorvidos pelos proprietários de terra. As taxas de juros permaneceram praticamente inalteradas, o que significa que os ganhos da industrialização não foram absorvidos pelos capitalistas. Já os salários — principalmente da mão-de-obra de baixa qualidade — explodiram. Tudo em decorrência da acumulação de capital.

O capital é o que aumenta a produtividade, os salários e, consequentemente, o padrão de vida de uma sociedade. A acumulação de capital, ao tornar o trabalho humano mais eficiente e produtivo, é o que permite aumentos salariais e um maior padrão de vida para todos. Trabalhar menos, produzir mais e ter mais qualidade de vida é o resultado direto da acumulação e do uso do capital.

Prestando a devida homenagem

Somos realmente abençoados de viver nesta era. A expansão do capital nos permitiu chegar a um nível de conforto jamais sonhado até mesmo por monarcas e imperadores de alguns séculos atrás. Com efeito, vivemos hoje muito melhor que um bilionário americano há 100 anos

É hora de repensar este incorretamente rotulado “dia do trabalhador” e prestar o devido reconhecimento e homenagem àquilo que realmente torna a nossa vida mais fácil e prazerosa: o capital.

Logo, feliz dia do capital!


Scott Kjar é Ph.D. em economia pela Universidade de Auburn, mestre em Política Pública pela Universidade de Rochester, e professor de economia da Univesidade de Dallas.

Fonte: Mises Brasil

Sobre como resistir ao mal — há os que se vendem, e há os que se retiram da luta

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Como pode alguém, encontrando-se cercado por uma crescente maré de transgressões, de desrespeito à liberdade mais básica, e de maldade, não lutar até suas últimas forças contra ela? 

Há tempos estamos sendo submergidos por uma inundação de perversidades na forma de coletivismo, socialismo, igualitarismo, niilismo e autoritarismo. 

Sempre foi muito óbvio para mim que temos uma imperiosa obrigação moral de lutar contra esses males – para o nosso próprio bem, para o de nossos entes queridos, de nossa prosperidade, de nossos amigos, de nossos vizinhos e de nosso país.

Sendo assim, sempre foi um mistério para mim por que as pessoas que enxergaram e identificaram estes males – e, consequentemente, foram convocadas a combatê-lo – abandonam esta luta, aos poucos ou de uma vez. Como pode alguém enxergar a verdade, entender seu premente dever, e, então, simplesmente desistir e até mesmo ir além e trair a causa e seus companheiros de luta? 

E, no entanto, nos dois movimentos e em suas variantes aos quais já estive associado — libertário e conservador —, isto acontece o tempo todo.

Conservadorismo e libertarianismo, no fim, são movimentos “radicais”, ou seja, eles se opõem radical e fortemente a todas as tendências de estatismo e imoralidade. Logo, como pode alguém que se juntou a um movimento destes — seja como ideólogo, ativista ou financiador – simplesmente abandonar a luta? 

Recentemente, perguntei a um perspicaz amigo por que um conhecido nosso abdicou da luta. Ele respondeu que “ele é o tipo de pessoa que deseja uma vida tranquila, que só quer se sentar à frente da TV e não quer ouvir falar de nenhum problema”. Ok, mas, neste caso, disse eu angustiado, “por que então estas pessoas se tornaram ‘radicais’? Por que elas orgulhosamente se proclamam ‘conservadores’ ou ‘libertários’?” Infelizmente não obtive nenhuma resposta.

E o fato é que, se você quer realmente mudar o estado das coisas — tanto moral quanto economicamente —, esqueça qualquer tipo de vida tranquila ou sossegada. Não vai acontecer.

Em algumas ocasiões, as pessoas desistem da luta porque, dizem elas, trata-se de uma causa perdida. Perdemos, elas dizem. A derrota é inevitável. O grande economista Joseph Schumpeter escreveu em 1942 que o socialismo é inevitável, e que o capitalismo está condenado não por suas falhas, mas pelo seus próprios êxitos, os quais deram origem a um grupo de intelectuais invejosos e malignos que iria subverter e destruir o capitalismo por dentro. Os críticos acusaram Schumpeter de pregar o derrotismo aos defensores do capitalismo. Schumpeter respondeu que, se alguém disser que um barco está inevitavelmente afundando, seria isto a mesma coisa de dizer: “não faça o melhor que pode para salvar o barco”?

Da mesma maneira, assuma por um minuto que a luta contra os malefícios estatais seja uma causa perdida: por que isto implica abandonar a batalha? 

Em primeiro lugar, por pior que as coisas estejam, lutar significa que o inevitável pode ao menos ser adiado. Por que isto não valeria a pena? Não é melhor perder daqui a trinta anos do que perder agora? 

Em segundo lugar, na pior das hipóteses, é muito divertido provocar e irritar o inimigo; deixar o monstro incomodado. Por si só, isto já vale a pena. 

Não se deve pensar no processo de luta contra o inimigo como um tormento sério e melancólico. Ao contrário: é altamente inspirador e revigorante ir à guerra contra um oceano de problemas em vez de simplesmente se render passivamente. E, ao oferecer essa oposição, há a chance de alguns ganhos; no mínimo, haverá alguma resistência e não se estará entregando ao inimigo a vitória gratuitamente.

E, por fim, ora!, se você de fato luta contra o inimigo, você pode sim vencê-lo! Pense nos bravos que lutaram contra o comunismo na Polônia e na União Soviética e que nunca desistiram, que enfrentaram adversidades aparentemente impossíveis de serem superadas. Ninguém acreditava neles; todas as chances estavam contra eles. E então, do nada, bingo!, um dia o comunismo sucumbiu. 

Com certeza as chances de vencer são bem maiores se você lutar do que se você simplesmente desistir.

Os que se corrompem e os que abandonam

Nos movimentos conservador e libertário foram duas as principais formas de desistência, de abandono da causa. 

A forma mais comum e mais patentemente óbvia é aquela com a qual todos nós estamos bem familiarizados: vender-se. 

O jovem libertário ou conservador entra no governo – ou no Executivo, ou no Congresso, ou em um cargo administrativo – ansioso e pronto para a batalha de reduzir o estado em prol de sua estimada causa radical. E então alguma coisa acontece: às vezes, gradualmente; outras, com uma impressionante rapidez. Esse jovem começa a frequentar alguns coquetéis frequentados pelo alto escalão, descobre que o inimigo parece ser muito agradável, começa a se envolver com a marginalia, começa a fazer concessões e, sem perceber, já está dando extrema importância a alguma comissão ordinária, ou a algum insignificante corte de imposto ou emenda. E, com o tempo, ele se mostra disposto a abandonar totalmente a batalha em troca de um pomposo cargo no governo ou de um bom contrato no setor privado, ganho em decorrência de suas conexões políticas. 

E, à medida que esse processo de corrompimento continua, ele descobre que a coisa que mais o incomoda não é o inimigo estatista, mas sim os seus antigos aliados que se transformaram em meros “resmungões e criadores de caso”, que não param de fazer cobranças, vivem fazendo sermões sobre princípios e até mesmo o atacam por ter traído a causa. 

E, assim, rapidamente, esse jovem e O Inimigo se tornam indistinguíveis.

Todos nós conhecemos bem este roteiro de corrompimento, e é fácil e correto ficar indignado com esta traição moral a uma causa que é justa — a batalha contra o mal — e aos seus antes estimados camaradas. 

Mas existe outra forma de abandono que não é tão evidente e é ainda mais insidiosa – e não me refiro à simples perda de forças e entusiasmo. Nesta forma, que tem ocorrido bastante no movimento libertário e também em setores do conservadorismo, o militante simplesmente decide que a causa é perdida e, então, desiste de tudo, abandonando resolutamente este mundo corrupto e imoral, refugiando-se em alguma comunidade pura e nobre formado exclusivamente por semelhantes. Para os randianos, este seria o “Vale de Galt”, do romance de Ayn Rand A Revolta de Atlas

Outros libertários seguem tentando formar alguma comunidade underground, com o intuito de “capturar” uma pequena cidade, ou de ficar “underground” em um floresta ou em plataformas marítimas, ou até mesmo construir um novo país libertário em uma ilha, nas montanhas ou onde quer que seja. 

Já os conservadores têm seu próprio jeito de isolamento e retirada. Em cada caso, surge o apelo de abandonar o mundo perverso, e de formar uma pequena comunidade alternativa em algum refúgio isolado. 

Muito tempo atrás, rotulei este posicionamento de “isolacionismo”. Poderiam chamar esta estratégia de “neo-Amish”, exceto pelo fato de que os Amish são fazendeiros produtivos, e recuo que estes grupos jamais chegariam a este estágio.

A justificativa para este isolacionismo sempre vem acompanhado de uma Moral Superior, e também de termos pseudo-psicológicos. Estes “puristas”, por exemplo, dizem que eles – ao contrário de nós, combatentes incautos – estão “vivendo a liberdade”, que eles estão enfatizando “o positivo” em vez do “negativo”, que estão “vivenciando a liberdade” e vivendo uma “vida libertária pura”, enquanto que nós, pobres almas, ainda estamos vivendo no corrupto e apodrecido mundo real. 

Há anos tenho respondido para estes grupos de isolacionistas que o mundo real, no fim das contas, é bom; que nós libertários podemos ser anti-estado, mas que não somos categoricamente anti-sociedade ou contrários ao mundo real, por mais contaminado que ele possa estar. Propomos continuar a luta para salvar valores, princípios e pessoas que estimamos, mesmo que o campo de batalha fique lamacento. Igualmente, eu citaria o grande libertário Randolph Bourne, que proclamou que nós somos patriotas, não no sentido de patriotas adeptos ao estado, mas ao país, à nação, a nossas gloriosas tradições e cultura que estão sob vil ataque (de políticos, de progressistas, de parasitas, de desarmamentistas e de demais tipos de degenerados autoritários).

Sim, nosso país, como existe hoje, são duas nações; uma é a nação deles, a nação do inimigo corrupto, de seu sistema de educação pública de lavagem cerebral deles, de toda a sua burocracia estatal, de sua grande mídia, e de todo o seu autoritarismo; e a outra é a nossa nação, muito maior, formada pela maioria; uma nação muito mais nobre que representa o antigo e mais verdadeiro país. Nós somos a nação que irá vencer, que irá retomar o país, não importa quanto tempo isto leve. É na verdade um grave pecado abandonar esta nação necessitada de vitórias.

Mas estaríamos então enfatizando “o negativo”? Em certo sentido, sim; mas o que mais deveríamos destacar quando nossos valores, nossos princípios, nossos próprios seres estão sob ataque de um adversário insaciável? 

Porém, primeiro temos que entender que no próprio ato de acentuar o negativo também estamos enfatizando o positivo. Por que lutamos contra – e, sim, até mesmo odiamos – o mal? Somente porque amamos o bem, e nossa ênfase no “negativo” é apenas o outro lado da moeda, a consequência lógica de nossa devoção ao bem, aos princípios e valores positivos que prezamos. Não há razão para não podermos enfatizar e espalhar nossos valores positivos ao mesmo tempo em que lutamos contra nossos inimigos. Na realidade, os dois andam juntos.

No fim, há uma diferença crucial entre os dois

O que é realmente fascinante e crucial é que estes dois caminhos – mesmo que pareçam ser diametralmente opostos – acabam inexoravelmente no mesmo lugar. 

Os corrompidos abandonam a causa e traem seus camaradas por dinheiro e status; os isolacionistas, compreensivelmente abominando os vendidos, concluem que o mundo real é impuro e se retiram dele. 

Em ambos os casos, seja em nome do “pragmatismo” ou em nome da “pureza”, a causa, a luta contra o mal no mundo real, é abandonada.

No entanto, há claramente uma grande diferença moral nos dois caminhos. 

O vendido é moralmente mal; já o isolacionista, por sua vez, é – dizendo com educação – extremamente equivocado. É perda de tempo tentar convencer um corrompido; não vale a pena tentar dialogar com eles. Já os isolacionistas têm que entender que lutar contra o mal não significa trair a causa, longe disso. E abandonar o mundo real não ajuda em nada a luta pela liberdade.

O isolacionista, em sua atitude, se torna indiferente ao poder e à opressão, gosta de relaxar e mostrar que não liga para o autoritarismo à sua volta se a sua “alma interior está livre”. 

Sim, claro, é bom ter liberdade para nossa alma interior. Sou bem familiarizado com os velhos clichês sobre como a mente é livre e como o prisioneiro também é livre no fundo de seu coração. 

Porém, podem me chamar de vil materialista, mas acredito, e creio que todos os libertários e conservadores também acreditam sinceramente, que o homem merece mais do que isso, que nós não temos que nos contentar com a liberdade interior do prisioneiro em uma cela, que devemos entonar o bom e velho coro de “Liberdade e Propriedade”, que devemos exigir liberdade em nosso mundo real externo de dimensão e espaço. Eu acredito que é disso que se trata a luta. E que sempre foi disso que se tratou.

Coloquemos dessa forma: não temos que deixar nossas vidas, nossas propriedades, nosso país, o mundo real, para os bárbaros. Nunca. Vamos agir no espírito daquele magnífico poema que James Russel Lowell criou para a bela melodia Welsh:

Uma vez para cada homem e nação chega o momento de decidir/na contenda entre a verdade e a falsidade, se para o lado do bem ou do mal deve ir.

Alguma grande causa, o novo Messias de Deus, oferecendo a cada um o flagelo ou o florir.

E a escolha vale para a eternidade entre aquela escuridão e a luz que há de vir. 

Embora a causa do mal prospere, ainda é a verdade sozinha forte; embora sua parcela seja o cadafalso, e ainda que aquele cadafalso distorça o futuro, por trás do sombrio desconhecido, Deus se ergue firme em meio às sombras mantendo os olhos sobre os Seus filhos.


Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. TambÉm foi vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

Fonte: Mises Brasil