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Protagonismo, ética e liberdade: Aristóteles curtiu

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Foto: Karsten Winegeart/Unsplash

Muitas vezes nos vemos imersos em uma busca incessante pela felicidade, mas o caminho para alcançá-la parece cada vez mais difuso. Basta olhar um feed em alguma rede social e vemos a felicidade em cada perfil de usuário, que compartilham viagens, encontros, relacionamentos e outros prazeres da vida. A pergunta que fica é: será que isso é felicidade ou somente uma tentativa de reafirmação para nós mesmos que devemos buscar prazeres sem responsabilidade? É nesse contexto que a ética aristotélica oferece uma perspectiva valiosa sobre o que realmente significa ser feliz e como podemos trilhar esse caminho em nossas vidas.

Para Aristóteles, a felicidade, ou eudaimonia, é o bem supremo que todos os seres humanos buscam. No entanto, ele acreditava que a verdadeira felicidade não é simplesmente o resultado de prazeres momentâneos ou da acumulação de bens materiais. Em vez disso, ela é alcançada por meio da prática contínua de virtudes e da busca da excelência moral.

A base da ética aristotélica reside na ideia de que nossas ações devem ser intencionadas para alcançar a eudaimonia. Isso significa que não podemos simplesmente viver nossas vidas de forma impulsiva, buscando prazeres passageiros. Em vez disso, devemos trilhar um caminho de ações virtuosas, guiadas pela razão e pela justiça.

A virtude desempenha um papel central na busca da felicidade. Aristóteles identifica várias virtudes, como coragem, moderação, generosidade e justiça, que são essenciais para uma vida virtuosa. Essas virtudes não são inatas, mas podem ser desenvolvidas por meio da prática e da reflexão.

A razão desempenha um papel crucial na ética aristotélica. A capacidade de pensar, refletir e tomar decisões racionais nos permite discernir o que é virtuoso e agir de acordo com princípios éticos. A razão é o critério que nos ajuda a distinguir entre o bem e o mal, a virtude e o vício.

No entanto, na sociedade atual, muitas vezes somos inseridos em um universo repleto de mensagens que nos incentivam a buscar a felicidade em bens materiais, status social e prazeres imediatos. Essa busca incessante por satisfação material pode nos desviar do verdadeiro caminho da eudaimonia, levando-nos a um vazio existencial.

A ética aristotélica nos lembra da importância de buscar a felicidade por meio da prática das virtudes, da reflexão sobre nossas ações e da busca do bem comum. Ela nos encoraja a cultivar relacionamentos significativos, a contribuir para a comunidade e a priorizar a excelência moral em nossas vidas.

Portanto, à luz da ética aristotélica, a eudaimonia do homem contemporâneo é possível, mas requer uma mudança de perspectiva. Devemos abandonar a busca por prazeres efêmeros e materiais em favor da busca por virtudes, sabedoria e uma vida de significado. A verdadeira felicidade, como Aristóteles nos lembra, reside na prática das virtudes e na busca da excelência moral, e essa é uma jornada que todos nós podemos trilhar, independentemente do contexto em que vivemos.

Protagonismo para o Bem

Aristóteles, um dos mais notáveis pensadores da antiguidade, sustentava a convicção de que a busca pela eudaimonia, um estado de bem-estar florescente e plenitude, representava o objetivo supremo da vida humana. Contudo, o caminho para alcançar esse estado de plenitude não era passivo nem fortuito, mas, ao contrário, demandava um protagonismo ativo e consciente. Para Aristóteles, esse protagonismo para o bem envolvia uma contínua e diligente busca pelo que é moralmente correto e virtuoso.

Nesse contexto, somos mais do que meros observadores passivos da nossa própria existência. Somos, antes de tudo, atores responsáveis que têm o poder e o dever de moldar não apenas nosso caráter, mas também as nossas ações, em direção à excelência moral. Em outras palavras, Aristóteles nos convida a assumir um papel fundamental e deliberado na definição do nosso próprio destino moral. É um chamado à autorreflexão constante, à prática das virtudes e à escolha consciente de agir de maneira ética e virtuosa em todas as áreas da vida. O protagonismo para o bem é um compromisso ativo e contínuo em direção à realização da excelência moral e, por conseguinte, à conquista da eudaimonia.

Liberdade e Escolha Deliberada

Para Aristóteles, a concepção de liberdade transcende a mera ausência de restrições externas ou coerção física. Em sua visão, a verdadeira liberdade é um estado interior que se manifesta na capacidade de agir em conformidade com a razão e a virtude. É importante destacar que, para Aristóteles, a liberdade não é simplesmente a capacidade de fazer o que se deseja, mas sim a habilidade de fazer escolhas deliberadas e éticas, guiadas por princípios morais sólidos.

Assim a liberdade se torna um ato de autodeterminação consciente. Significa que somos livres quando usamos nosso poder de escolha de maneira criteriosa e ética. Em vez de sucumbir aos impulsos e desejos momentâneos, a verdadeira liberdade nos encoraja a considerar cuidadosamente as implicações morais de nossas ações e a selecionar o curso de ação que se alinha com o que é certo e bom.

Como amplamente difundido, o conceito de liberdade não é uma licença para agir de forma arbitrária ou egoísta. É, em vez disso, um convite à autorreflexão e à autorregulação, exigindo de nós a responsabilidade de agir de acordo com princípios éticos e virtuosos. Dessa forma, a liberdade aristotélica é uma liberdade com responsabilidade, na qual a escolha consciente e ética é o cerne da verdadeira liberdade.

Responsabilidade Moral

A responsabilidade, no contexto da ética aristotélica, emerge como um alicerce crucial que sustenta a busca pela eudaimonia e o exercício do protagonismo em direção ao bem. Aristóteles via a responsabilidade como um elo vital entre nossas escolhas e ações, a virtude, e o florescimento humano.

Enquanto buscamos ativamente a eudaimonia, o estado de bem-estar florescente que representa o ápice da existência humana, é imperativo compreender que somos responsáveis pelas decisões que moldam nosso caminho. Essa responsabilidade não é meramente uma formalidade, mas uma profunda compreensão de que nossas ações têm consequências morais. Aristóteles nos instiga a refletir sobre o impacto de nossas escolhas não apenas em nossas vidas individuais, mas também na comunidade e no bem comum.

Assumir a responsabilidade significa, portanto, considerar cuidadosamente as ramificações éticas de nossas decisões. Significa ponderar como nossas ações afetam não apenas nosso próprio florescimento pessoal, mas também o florescimento da comunidade em que vivemos. Esse senso de responsabilidade nos encoraja a agir de maneira que promova valores éticos e virtuosos, contribuindo para um ambiente onde o bem comum é priorizado.

A responsabilidade é mais do que um dever; é um compromisso consciente e moral de agir de forma que promova a virtude, a excelência moral e o florescimento tanto pessoal quanto coletivo. É um convite à reflexão profunda sobre como nossas escolhas moldam não apenas nossas vidas, mas também o destino da comunidade e da sociedade em que vivemos. Portanto, ser responsável é um passo essencial na jornada em busca do bem-estar florescente e da realização do potencial humano.

O universo digital e o distanciamento da eudaimonia

No universo digital, pessoas frequentemente buscam validação externa na forma de curtidas, comentários e compartilhamentos. Isso pode levar a um foco excessivo na aparência, na impressão que os outros têm de nós e na busca por aprovação, em vez de se concentrar na busca da excelência moral e da autenticidade, como preconizado por Aristóteles.

Além disso a obtenção rápida de elogios ou entretenimento online pode levar as pessoas a priorizarem prazeres momentâneos em vez de se comprometerem com a prática contínua de virtudes e a busca da eudaimonia, que é um processo mais duradouro.

Há o incentivo à comparação com os outros, levando a uma mentalidade de competição em busca de status, popularidade e riqueza material. Essa mentalidade pode desviar as pessoas da busca de uma vida virtuosa e significativa.

Embora as redes sociais possam conectar as pessoas, as interações muitas vezes são superficiais e baseadas em curtidas e comentários rápidos. Isso pode prejudicar a qualidade dos relacionamentos interpessoais, que são fundamentais para a eudaimonia, que Aristóteles considerava importante para a busca da felicidade.

Além disso o uso excessivo pode se tornar uma distração constante e uma forma de dependência como fuga da realidade. Isso pode dificultar a reflexão profunda, a autorreflexão e a busca ativa da virtude.

No entanto, não podemos generalizar, pois as redes sociais podem ser usadas de maneira construtiva. Muitas pessoas usam as redes sociais para compartilhar conhecimento e manter relacionamentos significativos. A chave está em como as pessoas equilibram o uso das redes sociais com a busca da eudaimonia e do protagonismo para o bem em suas vidas, priorizando a autenticidade, a reflexão e a busca de significado profundo.

O pensamento de Aristóteles sobre ética e felicidade continua a ressoar profundamente atualmente, fornecendo uma base sólida para a reflexão sobre a conduta humana e o significado da vida. Suas contribuições se destacam como um guia atemporal para a busca da verdadeira realização e bem-estar na sociedade.

Aristóteles argumentava que o objetivo supremo de toda ação humana é a felicidade, que ele chamava de eudaimonia. Essa busca não é meramente um desejo de prazeres momentâneos ou bens materiais, mas sim a realização de uma vida bem vivida e virtuosa. Para Aristóteles, a eudaimonia está intrinsecamente ligada à ética, pois a verdadeira felicidade só pode ser alcançada por meio da prática das virtudes.

A virtude desempenha um papel central na ética aristotélica, e ela não é vista como algo inato, mas sim como algo que pode ser cultivado e desenvolvido ao longo da vida. Cada ser humano possui um fim em si mesmo, um potencial inato para a excelência ética, e é através da prática de boas ações e da busca da virtude que esse potencial é realizado.

A ética aristotélica também enfatiza a importância da ação como um meio de alcançar a felicidade. Não se trata apenas de contemplar teoricamente o que é virtuoso, mas de agir de acordo com a virtude na prática. É por meio da ação virtuosa que o ser humano se torna virtuoso e alcança a excelência ética.

Portanto, para Aristóteles, a felicidade não é um estado passivo, mas sim um processo ativo que envolve a busca constante da virtude e da excelência moral. É a realização plena da natureza humana, que se encontra na convivência harmoniosa na cidade (polis), onde as pessoas podem praticar virtudes, contribuir para o bem comum e encontrar significado em suas vidas.

No mundo contemporâneo, onde muitas vezes somos bombardeados por mensagens de busca por prazeres imediatos e materialismo, a ética aristotélica nos lembra da importância de buscar a felicidade por meio da excelência moral, da reflexão sobre nossas ações e da busca do bem comum. O pensamento de Aristóteles continua a nos desafiar a buscar uma vida de significado e virtude, onde a verdadeira felicidade é encontrada na prática das virtudes e na busca do bem supremo.

IoP

A “Justiça Social” e a “Distribuição Justa de Riqueza”: conceitos bonitos, mas limitados

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A busca por “justiça social” e “distribuição justa de riqueza” tornaram-se parte integrante do discurso atual de políticos, jornalistas e acadêmicos que, frequentemente disseminam esses conceitos com entusiasmo e aprovação. No entanto, é crucial entender que essas ideias têm raízes em uma visão econômica estática que não reflete a dinâmica real da economia.

A Natureza da Economia Dinâmica

A suposição de que “todas as informações são conhecidas” é o alicerce dos modelos econômicos convencionais, que tratam a economia como algo estático. Essa hipótese é irreal, uma vez que a informação na economia está dispersa e em constante evolução devido à criatividade e inovação humanas. Novos objetivos são estabelecidos, novos meios são criados e utilizados, desafiando a ideia de uma economia estática e isso é o que chamamos de empreender.

A Abordagem da Escola Austríaca de Economia

A Escola Austríaca de Economia introduziu uma nova perspectiva. Em contraste com a visão estática, ela reconhece que o processo econômico é impulsionado por empreendedores que continuamente transacionam e descobrem novos arranjos, baseados em dados reais. Essa informação é subjetiva e tácita, não objetiva. Os seres humanos têm a capacidade inata de criar, descobrir e buscar oportunidades de lucro, arriscando seu capital próprio em busca, muitas vezes, do desconhecido para fins de prosperidade e criar soluções destrutivas, que costumam mudar o modo de vida dos indivíduos.

O Princípio Ético da Criatividade Empresarial

Nesse contexto, a ética social deve priorizar a liberdade e a criatividade empresarial. O direito natural de um indivíduo empreendedor de colher os frutos de sua criatividade empresarial é fundamental. Se não pudermos reivindicar o que criamos ou descobrimos, perderemos os incentivos para exercer nossa capacidade criativa. Isso prejudica a detecção de oportunidades de lucro e reduz nossa motivação para agir.

O Caráter Imoral do Intervencionismo

Intervencionismo, regulamentações e expropriação de riqueza, independentemente de suas intenções nobres, são intrinsecamente imorais. Eles impedem o livre exercício da função empresarial ao usar a coerção para forçar a conformidade. A coerção institucionalizada mina a capacidade das pessoas de almejar novos objetivos e criar meios para alcançá-los.

O Papel da Caridade versus a Intervenção Estatal

Embora o ímpeto humano para a criatividade empresarial se estenda à ajuda aos necessitados, a intervenção estatal prejudica esses esforços. O “estado de bem-estar social” retira os incentivos para ajudar e transfere essa responsabilidade para o governo, que na maioria das vezes é ineficiente. A solidariedade e a colaboração voluntária são suprimidas, prejudicando o verdadeiro espírito de ajuda mútua.

Uma abordagem mais realista da economia reconhece sua natureza dinâmica, baseada na criatividade e na descoberta contínuas. A ética social deve valorizar a liberdade e a criatividade empresarial, respeitando o direito de cada indivíduo colher os frutos de suas iniciativas. O intervencionismo, por outro lado, é moralmente questionável, pois inibe a capacidade humana de prosperar e colaborar de maneira voluntária. A verdadeira caridade floresce quando as pessoas são livres para exercer sua criatividade em busca do bem comum.

Para saber mais

Certamente, o tema apresentado aqui também tem sido abordado por diversos autores. Listamos aqui alguns deles que, com suas ideias, nos ajudam a ver como a realidade econômica é muito diferente de discursos bonitos de alguns de nossos políticos, jornalistas e acadêmicos:

  • Thomas Sowell: Autor de obras influentes como “Conflito de Visões” e “A Verdade Sobre os Intelectuais”, Sowell é conhecido por sua abordagem conservadora em questões econômicas e sociais. Ele frequentemente argumenta contra políticas de redistribuição de renda e defende a importância da liberdade individual e da meritocracia.
  • Ayn Rand: A filósofa e romancista Ayn Rand é famosa por suas obras “A Revolta de Atlas” e “A Nascente”, que promovem o objetivismo, uma filosofia que enfatiza o egoísmo racional, o livre mercado e a propriedade privada. Ela criticou fortemente a ideia de “Justiça Social” e defendeu a primazia do indivíduo sobre o coletivo.
  • Milton Friedman: Um renomado economista conservador, Friedman argumentou a favor do livre mercado e da limitação da intervenção do governo na economia, enfatizando a importância da liberdade individual.
  • Friedrich Hayek: Autor de “O Caminho da Servidão”, Hayek advogou pela economia de mercado e alertou sobre os perigos do planejamento centralizado, enfatizando a importância da liberdade individual e da propriedade privada.
  • Russell Kirk: Kirk é conhecido por sua obra “Os Dez Princípios Conservadores”, onde destaca a importância da prudência e da tradição como valores fundamentais.
  • Edmund Burke: Embora seja um autor do século XVIII, as ideias de Burke sobre a preservação das instituições e a desconfiança em relação à mudança abrupta ainda influenciam o pensamento conservador atual.
  • William F. Buckley Jr.: Como fundador da revista “National Review”, Buckley desempenhou um papel importante na disseminação do conservadorismo nos Estados Unidos, abordando temas políticos e econômicos.

Esses autores oferecem perspectivas valiosas sobre o tema da “Justiça Social” e da “Distribuição de Riqueza” a partir de uma visão que valoriza o indivíduo, o mercado livre e a limitação do poder estatal, na busca pela vida, paz, liberdade e prosperidade.

IoP

“Independência ou morte”: Se você não gosta do governo sob o qual vive, deve ter o direito de se separar e criar um outro

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Aqueles que gostam de caracterizar Ludwig von Mises como um “moderado”, em comparação com o mais radical Murray Rothbard, com frequência observam que, ao contrário de Rothbard, Mises não defendia a abolição do estado e, por isso, não era um “anarcocapitalista“.

Esta afirmação, entretanto, se torna um tanto insustentável quando levamos em consideração os comentários feitos por Mises em seu livro Liberalismo sobre o tema da descentralização radical:

O direito à autodeterminação, no que se refere à questão de filiação a um estado, significa o seguinte, portanto: quando os habitantes de um determinado território (seja uma simples vila, todo um distrito, ou uma série de distritos adjacentes) fizeram saber, por meio de um plebiscito livremente conduzido, que não mais desejam permanecer ligados ao estado a que pertenciam na época, mas desejam formar um estado independente ou ligar-se a algum outro estado, seus anseios devem ser respeitados e cumpridos. Este é o único meio possível e efetivo de evitar revoluções e guerras civis e internacionais

Chamar este direito à autodeterminação de “direito à autodeterminação das nações” é não compreendê-lo. Não se trata do direito à autodeterminação de uma unidade nacional delimitada, mas sim do direito dos habitantes de cada território de decidirem sobre o estado ao qual desejam pertencer.

[…]

Entretanto, o direito à autodeterminação de que falamos não é o direito à autodeterminação das nações, mas, antes, o direito à autodeterminação dos habitantes de todo o território que tenha tamanho suficiente para formar uma unidade administrativa independente.  Se, de algum modo, fosse possível conceder esse direito de autodeterminação a toda pessoa individualmente, isso teria de ser feito. No entanto, isso é impraticável apenas por causa de coercitivas e restritivas considerações técnicas, as quais fazem com que o direito à autodeterminação seja restrito à vontade da maioria dos habitantes de áreas grandes o bastante para serem consideradas unidades territoriais dentro da administração do país.

“Mas espere”, dirão os opositores do anarcocapitalismo. “Mises diz que é impraticável que cada indivíduo tenha autodeterminação total”.

A esta observação, a única resposta possível é “e daí?”. No trecho acima, Mises claramente afirma que concorda com o argumento teórico em prol de toda e qualquer secessão que chegue até o nível do indivíduo.  Ele apenas observa que há certas considerações de ordem prática que tornam improvável aplicar esse tipo de secessão ao mundo real.

E quem poderia discordar disso? É óbvio que há limitações práticas quanto à capacidade de cada pessoa ser uma — para utilizar o termo de Mises — “unidade nacional” em si mesma.

Com efeito, é difícil imaginar que a maior parte dos seres humanos sequer gostaria de ser uma unidade nacional autônoma.  É muito mais provável que, mesmo pessoas defensoras do laissez faire — desde que sempre existam alternativas práticas de saída — busquem a conveniência da vida dentro de uma cidade, de uma associação, de uma confederação ou de uma liga administrada por algum grupo de indivíduos indicados ou eleitos. Essas organizações seriam encarregadas de preservar a paz e o livre comércio por meio da manutenção de leis confiáveis e previsíveis, que protejam a propriedade privada.

Ademais, é difícil acreditar que Murray Rothbard poderia discordar desse argumento. Afinal, qualquer estudioso da história e da natureza humana — o que Rothbard de fato era — reconhece que as pessoas sempre tiveram a propensão de se agrupar e viver conjuntamente, tanto por razões sociais quanto para se aproveitar das vantagens das economias de escala no que tange aos serviços de defesa e aos de toda a produção econômica.

A eterna questão para os anarcocapitalistas não é a de se indivíduos podem ou não existir como unidades autônomas (nações) em si próprios, mas sim se é possível criar uma sociedade na qual um indivíduo seja livre para escolher uma dentre várias alternativas práticas.  Ou seja, seria possível criar uma situação na qual os indivíduos escolhem seus regimes políticos de uma maneira verdadeiramente voluntária?

Precisamos de mais estados

Por esta razão, a resposta prática para a atual falta de opção (ou seja, falta de “autodeterminação”) não reside na abolição imediata de todos os estados (até mesmo porque nunca houve consenso quanto à maneira de se fazer isso), mas sim na fragmentação dos atuais estados em estados cada vez menores.

Isto pode ser feito de forma de jure — como, por exemplo, mediante movimentos formais de secessão — ou pode ser feito por meio de uma secessão de facto, como a nulificação (deslegitimação da autoridade do governo federal sobre você) e a insistência na autonomia localizada.

O que Mises descreve acima refere-se a votos formais em eleições e a declarações de independência.  Porém, os mesmos efeitos, na prática, podem ser obtidos por meio dos métodos de nulificação e separação locais, tal como sugerido por Hans-Hermann Hoppe. E, obviamente, por razões práticas, a secessão de facto pode frequentemente ser o método preferível.

Alguns doutrinários e até mesmo anarcocapitalistas frequentemente argumentam, de maneira nada prática, que a secessão é uma coisa negativa porque “cria um novo estado”. Entretanto, este é um ponto de vista bastante simplista, dadas as realidades geográficas do planeta Terra. A menos que alguém esteja formando um novo estado situado completamente em águas internacionais, ou na Antártida, ou no espaço sideral, a criação de qualquer estado novo terá necessariamente de ocorrer à custa de algum estado existente.

Assim, a criação de um novo estado — por exemplo, na Sardenha — seria feita à custa do atual estado conhecido como “Itália”.  Por causa da secessão, o governo italiano seria privado de receitas dos impostos dos sardos e das vantagens militares do território.  Consequentemente, o estado que perde território torna-se necessariamente enfraquecido. 

Portanto, a secessão, em vez de ser vista como apenas “um ato que cria um novo estado”, deve ser vista como um ato que enfraquece um estado existente.

(Vale lembrar, por exemplo, como a dissolução da URSS em dezenas de novos países enfraqueceu aquele estado.  Mesmo a divisão da Tchecoslováquia em República Tcheca e Eslováquia também foi um golpe ao poder centralizado.)

Ou seja, além de enfraquecer estados, a vantagem, pela perspectiva do indivíduo, é que ele agora tem à sua disposição dois estados para escolher, onde antes havia somente um. Agora, o indivíduo tem mais opções: ele pode, mais facilmente, escolher um lugar para viver que seja mais adequado ao seu estilo de vida pessoal, ideologia, religião, grupo étnico e assim por diante.

A cada ato de secessão bem-sucedido, as escolhas disponíveis para cada pessoa aumentam continuamente:

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Gráfico 1: As escolhas aumentam à medida que aumenta o número total de estados/governos civis: no eixo X, o número total de estados/governos civis; no eixo Y, as opções para uma possível realocação do indivíduo

Observe que, neste caso, quando o número de estados é apenas um, uma pessoa não tem absolutamente nenhuma alternativa.  O número real de escolhas é zero, dado que há um monopólio. Ou seja, um único estado global é o estado mais poderoso possível e é, no sentido mais estrito, um estado total. Possui o monopólio completo e exclusivo da força sobre sua população, dado que seus cidadãos não podem escapar desse estado nem sequer por meio da emigração. Não há para onde possam emigrar.

Por outro lado, um mundo composto de centenas, milhares ou mesmo dezenas de milhares de estados (ou de regimes de diversos tipos) ofereceria muito mais escolhas para os residentes que desejassem mudar sua situação de vida.

Alguns governos civis são muito grandes e coercivos; ou seja, são a representação perfeita do estado.  Já alguns outros governos são muito pequenos e muito descentralizados; ou seja, possuem poucas características de um estado.  Estes últimos governos têm de concorrer com numerosas alternativas existentes ao seu redor, para onde os cidadãos e seu capital podem fugir.

Como explicou Hans-Hermann Hoppe:

Governos pequenos possuem vários concorrentes geograficamente próximos.  Se um governo passar a tributar e a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo ficará sem recursos e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias. Quanto menor o país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será a oposição a medidas protecionistas. 

Naturalmente, um mundo em que há poucos estados, e estes são muito centralizadores, oferece poucas alternativas para a liberdade, o que por sua vez significa que haverá menos opções para as pessoas, para as cidades, para os vilarejos e para as comunidades.

Por outro lado, quanto menores se tornam os estados, mais práticas se tornam as opções de realocação. Isto se deve ao fato de que proximidade e distância são fatores que realmente importam: um estado do qual somente se pode escapar emigrando 2.000 quilômetros é consideravelmente diferente de um estado do qual se pode escapar emigrando 100 quilômetros.

A existência dos fatores tempo, distância e facilidade da viagem significa que a emigração para localidades distantes irá limitar a capacidade de um indivíduo de compartilhar tempo e recursos com a família, amigos e seres queridos deixados para trás. Já a emigração para uma localidade situada a meio dia de viagem requer muito menos mudanças no estilo de vida.

Essa é uma razão pela qual estados preferem ser maiores em vez de menores. Estados maiores podem tornar a emigração impraticável para as pessoas que desejam permanecer próximas dos amigos e familiares.

De maneira similar, se a emigração requer adaptação a uma cultura e idioma radicalmente diferentes, isto limitará ainda mais a viabilidade da emigração para aqueles que não são fluentemente poliglotas. Assim, estados se beneficiam consideravelmente do fato de que muitos deles usufruem monopólios (os quais reforçam) sobre questões linguísticas.  Por exemplo, se um indivíduo fala apenas sueco, então ele tem um grande incentivo para permanecer na Suécia; se um indivíduo fala somente grego, estará praticamente preso à Grécia.  Mesmo no caso do inglês, que é tido como uma língua falada internacionalmente, é significativo que 80% dos falantes nativos vivam sob um único estado — os Estados Unidos. As implicações disto para os emigrantes em potencial são evidentes.

Muitas dessas limitações sobre as escolhas humanas podem ser reduzidas e superadas por meio de uma bem-sucedida, mesmo que limitada, quebra dos monopólios estatais sobre as áreas linguística e cultural.

Por exemplo, se os Estados Unidos fossem fragmentados em dois pedaços a partir do rio Mississippi [que corta o país de norte a sul], isto proporcionaria imediatamente uma escolha adicional para os emigrantes americanos em potencial que desejassem viver sob um regime separado. E isso lhes possibilitaria mudar-se para uma nova jurisdição política onde a língua e a cultura seriam extremamente similares. Naturalmente, essas escolhas se multiplicariam ainda mais quanto mais os Estados Unidos fossem fragmentados em porções menores.

Tal como é na atualidade, a residência contínua nos Estados Unidos dificilmente pode ser oferecida como prova de que o indivíduo escolheu “voluntariamente” viver sob o regime americano. Dado o tamanho e alcance territorial dos Estados Unidos, o verdadeiro custo pessoal da emigração é incrivelmente elevado.

O mesmo pode ser dito a respeito de fragmentar outros países em porções menores. Se o Brasil, por exemplo, fosse dividido entre “Brasil do Norte” e “Brasil do Sul”, os brasileiros disporiam de duas escolhas de regimes sob os quais viver, sem terem de abandonar aquela parte do mundo que pode ser chamada, em termos culturais, de “Brasil”.

Este artigo aprofunda a discussão a respeito do papel e importância das áreas culturalmente similares, porém politicamente distintas.

Assim, se imaginamos um mundo tal como descrito por Mises, no qual a autodeterminação é caracterizada por um sistema de escolha e secessão de regimes políticos, feito de forma dinâmica e baseada localmente, ganhamos aquilo que é fundamentalmente um sistema marcado mais pela escolha do que pelo monopólio — diferentemente do sistema atual de estados grandes.

O problema da defesa

Qualquer um que esteja familiarizado com a obra de Mises sabe que ele não era ingênuo em relação à política externa. Mises sempre entendeu que — contrariamente à afirmação frequentemente repetida de que estados centralizados e “fortes” são os mais poderosos em termos de diplomacia — os estados mais liberais e descentralizados frequentemente comandavam a maior parte do poder econômico, e assim a maior parte do poder político na esfera internacional. Em si mesma, esta é uma razão para liberalizar e descentralizar regimes em busca de uma auto-defesa mais eficiente.

Como ilustração das nuanças do ponto de vista de Mises sobre este tema, descobrimos que dentro do seu entendimento a respeito da autodeterminação e secessão está o reconhecimento de que algumas dessas regiões secessionistas e independentes podem desejar, conforme colocado por Mises, “juntar-se a algum outro estado”.

Por que um estado desejaria juntar-se a um outro estado? Bem, pode haver vantagens em se tornar membro de associações políticas já existentes e poderosas. Há vantagens em termos de defesa militar e também em termos de comércio — se o comércio for facilitado por meio de uniões aduaneiras ou outras garantias de livre comércio entre os estados.

Os Estados Unidos tal como concebidos originalmente — como uma união aduaneira e uma confederação para defesa militar — foram criados para este propósito, com um olhar específico voltado para a atração de novos territórios que quisessem ser membros voluntários. Com efeito, antes de 1860, os Estados Unidos eram um estado muito fraco, no qual o poder político e militar encontrava-se fortemente descentralizado nas jurisdições de seus membros.

É provável que Mises estivesse ciente desse exemplo, assim como do fato de que a própria Europa continha diversos exemplos históricos de regimes baseados em associação voluntária, os quais existiam para proporcionar serviços de defesa e de administração legal.

 “Estados” baseados em associação

O exemplo mais notável disso foi a Liga Hanseática — uma federação comercial inferior –, que o acadêmico de Relações Internacionais Henryk Spruyt descreveu como “um caso interessante porque sugere uma lógica de organização alternativa àquela do estado soberano”. Como uma organização baseada em associação voluntária, a Liga “podia convocar um exército, decretar leis, empenhar-se na regulação social e coletar receitas”.

Entretanto, diferentemente de um estado, a Liga — composta de centros comerciais e urbanos ao longo do norte da Europa — não podia impor nenhuma filiação (embora pudesse expulsar membros) e nem tampouco possuía uma capital ou uma relação direta com os pagadores de impostos de seus afiliados. As cidades-membros, cada uma das quais tinha um voto, reuniam-se de tempos em tempos para votar sobre políticas e objetivos para a Liga.

Conforme descrito por Spruyt, as cidades buscavam se afiliar à Liga para aproveitar as vantagens dos seus serviços de defesa contra estados estrangeiros e contra piratas. A associação também possibilitava facilidades comerciais com outros membros da Liga e com cidades de fora com as quais agentes da Liga tinham aberto o comércio através de meios diplomáticos.

Em suma, a Liga oferecia os serviços de um estado sem exercer um monopólio sobre a governança interna das jurisdições de seus membros. Aquelas questões que não exigiam o envolvimento da totalidade da Liga eram enfrentadas em nível regional ou puramente local.

Obviamente, em um cenário como este, há vantagens reais com a filiação, dado que o custo para lidar sozinho com a intromissão de estados estrangeiros e com piratas poderia ser razoavelmente elevado. As cidades que tinham mais necessidade desses serviços eram os membros mais ativos, enquanto as cidades ligadas de maneira mais marginal envolviam-se menos. A complexidade, a fluidez e a natureza voluntária da associação à Liga enfatizavam sua capacidade de permitir a autodeterminação localizada ao mesmo tempo em que proporcionavam os benefícios da defesa e da facilitação do comércio.

Embora não fosse a única organização do tipo, a Liga Hanseática figurava entre as mais influentes e bem-sucedidas. Assim como outras ligas de cidades, observa Spruyt, a Liga não tinha “uma autoridade hierárquica clara e nem fronteiras territoriais formais”.

Adicionalmente, a Liga frequentemente tinha sucesso militar, e a este respeito era capaz de competir com os estados monopolistas mais tradicionais que a rodeavam. Sobreviveu do século XIII ao século XVII, ultrapassando a duração de diversos regimes concorrentes.

A Liga Hanseática tampouco estava sozinha neste tipo de regime político. Spruyt prossegue:

Os burgueses formavam essas ligas com o propósito explícito de defender as cidades contra a usurpação por parte da nobreza. Militarmente, prometiam-se ajuda mútua contra o inimigo comum […] determinavam os contingentes de tropas que cada cidade tinha de proporcionar […] Juridicamente, as ligas defendiam os direitos à auto-governança das cidades […] Havia um número considerável dessas ligas.

A Liga da Suábia-Renânia demonstrou, em 1385, que tais ligas podiam reunir poderio militar considerável. A liga consistia de aproximadamente 89 cidades e podia colocar em campo um exército de 10.000.

Obviamente, as ligas de cidades não inventaram o conceito de defesa mútua. Essa ideia é tão antiga quanto a política.  Porém, com o triunfo das ideologias pró-estado por volta da virada do século XIX, esses não-estados voluntários de defesa mútua, tais como as ligas de cidades, desapareceram.

Entretanto, o conceito de defesa mútua, tal como empregado pelas ligas de cidades, persistiu até os dias de hoje, precisamente porque funciona.

A característica que define o anarcocapitalismo e a descentralização radical é a escolha

Mesmo em um mundo no qual pudéssemos escolher livremente entre vários fornecedores de serviços jurídicos e de defesa (isto é, um mercado para governos civis), não haveria um número ilimitado de escolhas. O que torna os mercados preferíveis aos estados, entretanto, é o fato de eles serem voluntários, dinâmicos, flexíveis e buscarem constantemente fornecer serviços desejáveis em troca do livre desejo de compra dos consumidores.

Este tipo de sociedade voluntária pode ser facilitada e expandida por meio da utilização da livre associação e da secessão, tal como vislumbrado por Mises, ou por meio da nulificação local e da desobediência civil, tal como vislumbrado por Hoppe.  Em cada caso, a resolução de conflitos desloca-se para longe da coerção estatal e aproxima-se da negociação, da concessão, da arbitragem e do consenso.

Embora estes métodos possam resultar em violência caso fracassem, ainda assim são preferíveis ao modelo estatal de governança, no qual a violência coercitiva é assumida, legitimada e frequentemente utilizada.

Aqueles regimes que oferecem mais liberdade, mais respeito à propriedade privada e mais autodeterminação também serão os mais bem-sucedidos economicamente.

Porém, em última instância, o poder dos estados somente pode ser controlado por seres humanos que adotarem ideologias que questionam as prerrogativas e a legitimidade dos estados monopolistas. Na ausência dessas ideologias, nenhuma estrutura organizacional, nenhum documento constitucional e nenhum evento histórico pode, em si mesmo, criar as condições necessárias para o exercício bem-sucedido da autodeterminação.


Ryan McMaken é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute.

Fonte: Mises Brasil

Vale do Lítio é aposta para reviver uma das regiões mais pobres do país

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Uma das regiões mais pobres do país, o Vale do Jequitinhonha, situado no nordeste de Minas Gerais, tem sido visto como um lugar de grande potencial econômico, graças a uma preciosidade escondida em seu relevo: o lítio. A exploração do mineral ocorre há algumas décadas, mas o aumento na procura pelo carbonato de lítio fez com que o mundo todo voltasse os olhos para a região, que fica na divisa com o estado da Bahia.

Utilizado na fabricação de baterias, especialmente de celulares e notebooks, o metal tem sido cada vez mais demandado devido à crescente produção de veículos elétricos. A Tesla, maior fabricante desse segmento no mundo, prevê que sua demanda por carbonato de lítio até 2030 será 16 vezes maior do que a necessidade que teve em 2022. Isso representa 30% a mais do que a produção mundial atual.

O Vale do Jequitinhonha abriga aproximadamente 1 milhão de habitantes, correspondendo a 5% da população de Minas Gerais. No entanto, o Produto Interno Bruto (PIB) da região, de acordo com os últimos dados do IBGE, correspondia, no final da década passada, a cerca de 1,5% do PIB mineiro. Até a chegada de grandes mineradoras, a economia da região se baseava principalmente na agricultura familiar e no artesanato.

Em maio deste ano, o governo de Minas Gerais lançou em Nova York o projeto Vale do Lítio, com foco em atrair empresas globais para as regiões norte e nordeste mineiras. Dados divulgados pela Agência de Promoção de Investimentos de Minas Gerais (Invest Minas) confirmam R$ 5 bilhões de investimentos, e a expectativa é que esse número alcance entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões até 2030. Uma alteração na legislação que, até 2022, classificava o lítio como produto de segurança nacional e impunha diversas burocracias para sua exploração facilitou a chegada de novos interessados em investir, explorar e beneficiar o lítio.

Até o momento, 14 municípios estão na rota do lítio: Araçuaí, Capelinha, Coronel Murta, Itaobim, Itinga, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul, Virgem da Lapa, Teófilo Otoni, Turmalina, Rubelita e Salinas.

Além dos investimentos na produção, o governo busca viabilizar a infraestrutura, uma vez que o escoamento da produção ficaria prejudicado devido à situação crítica das rodovias e aeroportos da região. Para se ter uma ideia, o maior aeroporto de Minas, localizado em Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, está a 470 quilômetros de Teófilo Otoni, cidade que está entre as maiores da região, com 137 mil habitantes e um aeroporto regional. Segundo informações fornecidas pela assessoria do Governo de Minas, além de Teófilo Otoni, Araçuaí e Salinas devem ter seus aeroportos melhorados para atender às demandas que surgirão a partir do lítio.

A ampliação dos sistemas de distribuição e transmissão de energia também está incluída na lista de melhorias para a região. Em julho deste ano, a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) inaugurou a Subestação de Itinga, construída especialmente para atender às necessidades de uma das mineradoras já instaladas no local.

Também estão previstos investimentos em capital humano para trabalhar na cadeia de produção do lítio, além do financiamento de negócios de suporte à indústria que estão em crescente demanda, como hotéis, restaurantes, locadoras de máquinas e equipamentos e prestadores de serviços em geral.

De acordo com o vice-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Antônio Claret, o banco enxerga uma grande oportunidade de apoio neste período inicial das operações no Vale do Lítio. “O BDMG apoia o desenvolvimento de todas as regiões de Minas. Sabemos que os financiamentos são importantes para impulsionar o emprego e a renda, e isso é ainda mais relevante para essa região. Investidores privados de todo o mundo estão de olho no projeto de beneficiamento do lítio, o que ampliará o potencial de desenvolvimento de várias outras atividades, como hotéis, restaurantes e oficinas”, afirma.

Desde o primeiro mandato do governador Romeu Zema (Novo), foi demonstrada a preocupação em promover o desenvolvimento social e econômico por meio da geração de empregos. A iniciativa do Vale do Lítio vem reforçar essa intenção. A preocupação com a precariedade econômica e social da região mobiliza um trabalho interdisciplinar do governo, buscando consolidar políticas públicas que possam melhorar a qualidade de vida da população.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Fernando Passalio, este é um trabalho de longo prazo, mas que visa a esse desenvolvimento integrado. “Há um foco em formar profissionais para atender às demandas da região por meio do programa Trilhas de Futuro, da Secretaria de Estado de Educação, que oferece capacitação técnica gratuita para egressos do ensino médio. Para a região do Vale do Lítio, serão requisitadas, em sua grande maioria, vagas de emprego mais qualificadas. Por isso, o programa planeja uma edição do projeto para a região, com a expectativa de formar a primeira turma de profissionais em 2024”, afirma Passalio.

A qualificação dos profissionais é uma necessidade urgente, já que apenas com os investimentos iniciais, a expectativa é que surjam mais de 3 mil postos de trabalho.

Vale do Lítio projeta planta para fabricação de baterias

Apesar do crescimento na demanda por lítio devido às baterias, tanto o carbonato quanto o hidróxido de lítio têm aplicações industriais que vão desde a produção de graxas, cerâmicas e vidros especiais até aplicações na indústria farmacêutica e geração de energia nuclear. Dentro do projeto do Vale do Lítio, está prevista nos planos do Governo estadual a viabilização de uma planta para a fabricação de baterias.

O foco em trazer desenvolvimento não está dissociado da preocupação ambiental. O secretário Passalio afirma que as empresas que estão autorizadas a atuar na região seguem protocolos internacionais de governança socioambiental e têm contrapartidas já acordadas. “Atuam com comprometimento em diversas contrapartidas sociais necessárias para melhorar a qualidade de vida da população. Podemos citar, por exemplo, o programa de crédito para mulheres empreendedoras da região, bem como a construção e manutenção de hospitais, escolas, entre outros.”

São cinco empresas atuando na região, tanto na extração quanto na pesquisa. A primeira remessa de lítio do Vale do Jequitinhonha foi exportada em julho deste ano, saindo do Porto de Vitória, no Espírito Santo. Na ocasião, 15 mil toneladas foram embarcadas para a China.


Marília Rodrigues – Gazeta do Povo

Livre na decisão – não livre nas consequências da decisão

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Quanto mais um país desafia as leis econômicas, mais seu padrão de vida cai. Não há dúvida de que a Alemanha está nesse caminho há algum tempo. Para encontrar o caminho de volta à prosperidade, é necessária uma mudança de direção. Em primeiro lugar, requer a percepção de que o caminho para a prosperidade não é agir contra as leis da economia, mas reconhecê-las e torná-las utilizáveis.

Leis da ação humana

O conceito de lei, como também o usamos para leis naturais e leis de mercado, vem originalmente do mundo da fé. Até o século XVIII, prevaleceu a ideia de que o homem estava essencialmente sujeito à religião e à autoridade e, em última análise, a Deus ou aos deuses.

Mas, logo que se reconheceu que a natureza tem sua própria lei, surgiram considerações sobre se o mesmo não se aplicaria também à economia e à sociedade. Especialmente a partir do Iluminismo escocês do século XVIII e de Immanuel Kant (1724-1804), tentou-se então mostrar quais leis se aplicam à ação humana nos negócios e na sociedade e para o Estado.

Foi sobretudo Adam Smith (1723-1790) quem, juntamente com Adam Ferguson (1723-1816) e David Hume (1711-1776), formulou tais leis econômicas tanto para a sociedade em “Teoria dos Sentimentos Morais” (1759) quanto para a economia em sua principal obra “A Riqueza das Nações” (1776).

A mensagem básica do liberalismo econômico promovido por Adam Smith é que as nações que prosperam são aquelas que respeitam as leis do mercado e mantêm baixa a atividade estatal e a carga tributária.

Já em seu livro sobre sentimentos éticos, Smith afirma que o caminho para a prosperidade de uma nação não é pelo Estado, mas pelos caminhos da liberdade individual.

Em “Lectures on Jurisprudence” de 1755, Adam Smith declarou que “pouco mais é necessário para conduzir uma nação ao mais alto grau de riqueza da mais baixa barbárie do que a paz, impostos fáceis e um sistema legal tolerável: todo o resto é efetuado pelo curso natural das coisas”.

Em “Riqueza das Nações”, Adam Smith aponta que não depende da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que recebamos nossa refeição, mas porque eles perseguem seus próprios interesses.

“Não apelamos para a humanidade deles, mas para o amor-próprio, e não falamos com eles sobre nossas necessidades, mas sobre seus benefícios” (livro 1, cap. 2).

A intervenção estatal não é apenas desnecessária, mas também prejudicial, explica Adam Smith:

“O estadista que tenta instruir os particulares sobre a maneira pela qual eles deveriam investir seu capital não apenas se sobrecarregaria com uma tarefa altamente desnecessária, mas também se apoderaria de uma autoridade que não pode ser confiada a uma única pessoa nem a um conselho ou senado”. O controle do investimento do governo “nunca é mais perigoso do que nas mãos de um homem dotado de tolice e presunção suficientes para se sentir capaz de exercer essa autoridade” (Riqueza das Nações, Livro IV, cap. 2).

Ato político de poder

No dia a dia da política, é prática comum desdenhar e ignorar as leis inerentes à economia. No campo de batalha político, a visão predominante é que aqueles que têm poder e persuasão suficientes podem moldar a economia e a sociedade quase à vontade. Na política e no Estado, prevalece o pensamento baseado em comandos: a crença de que as ordens podem ser usadas para minar as leis econômicas.

Essa convicção anda de mãos dadas com o pensamento jurídico positivista, segundo o qual o que o legislador decide juridicamente é considerado lei. Essa crença na onipotência da legislação e do Estado domina o intervencionismo. O crente no Estado não quer ver que o Estado é impotente em relação às leis econômicas, porque o preço dessa ignorância não é pago pelos membros do governo, mas por outros.

Ao reivindicar uma legislação arbitrária, o positivista jurídico desafia a ideia original de direito. Ele se faz divino, por assim dizer, porque a ideia básica do direito é que o direito não é criado, mas descoberto. De acordo com a doutrina tradicional, o que se supõe certo é baseado na essência das coisas.

O homem não pode e não deve moldar o mundo como achar melhor. Quem agir diferente será punido pelos deuses. Em termos modernos, isso significa que aqueles que se opõem às leis da economia devem pagar o preço apropriado.

Livre na decisão – não livre nas consequências da decisão

  • Quem escolhe o Socialismo colhe pobreza e opressão;
  • Quem dá rédea solta ao intervencionismo leva a economia ao caos;
  • Quando o governo impõe controle de preços, a eficácia da lei de oferta e demanda muda do preço para a quantidade;
  • No caso de controles de quantidade, o efeito muda para o preço;
  • Se ocorrerem acordos salariais excessivamente altos, segue-se o desemprego;
  • Se o banco central inflacionar a oferta monetária, mais cedo ou mais tarde ocorrerá a inflação de preços;
  • Alguém tem que pagar a conta dos gastos do governo;
  • Se o legislador abolir os direitos de propriedade privada a fim de eliminar a percepção de escassez de oferta, a escassez aumentará.

Conclusão

O homem é livre em sua escolha, mas não nas consequências de sua decisão. O Estado pode intervir na economia e na sociedade, mas as leis econômicas permanecem válidas em sua eficácia. Assim como não se pode derrubar as leis da natureza, o intervencionismo estatal não pode anular as leis do mercado. As leis continuam a existir, ainda que de forma modificada.


Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

Fonte: Mises Brasil

Liberdade não é política pública

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Foto: Envato

Uma das maiores derrotas do movimento intelectual pró-livre mercado foi permitir que suas ideias fossem categorizadas como sendo “opções de políticas públicas”.  Tal concessão sugere que se deve deixar a cargo do estado — de seus gerentes e intelectuais pagos — decidir como, quando e onde a liberdade deve ser permitida.  A implicação maior desse erro é fazer parecer com que a função da liberdade, da propriedade privada e dos incentivos de mercado é apenas permitir que haja um melhor gerenciamento da sociedade por parte do estado – ou seja, permitir que o regime funcione mais eficientemente.

Esse tipo de pensamento vem nos permeando há um bom tempo.  Murray Rothbard, ainda nos anos 1950, observou que os economistas, mesmo aqueles favoráveis ao mercado, haviam se tornado especialistas em “como dar eficiência ao estado”.  A diferença entre essa postura infeliz e aquela que utiliza uma retórica livre-mercadista para encobrir atrocidades estatais é mínima, sendo que esta última é certamente o objetivo final de todo o esquema.

Essa postura, por exemplo, foi o cerne da Revolução Reagan, que, em nome da liberdade, propôs cortes de impostos que na realidade visavam apenas aumentar as receitas do governo, como sugerido pela Curva de Laffer.  Mas quem disse que o propósito da liberdade é garantir uma superabundância de fundos para o estado?  E se esse aumento da receita não se concretizasse?  Isso significaria que os cortes de impostos fracassaram?  Até hoje, pessoas que se dizem defensoras resolutas do livre mercado seguem esse raciocínio: “Corte de impostos é bom porque, além de tudo, aumenta as receitas do estado!” 

E, como já ficou mais do que claro, essa estratégia foi um desastre para a liberdade.  As receitas dos governos em proporção ao PIB nunca foram tão grandes, assim como a sofisticação das maneiras de se recolhê-las.  Ademais, hoje, quando o governo quer aumentar suas receitas, ele nem mais precisa se esconder sob esse manto oratório: ele simplesmente sai coletando mais receitas e encarcerando aquele que não se curvar.  Tal foi o fracasso da “estratégia” acima.

Há vários outros exemplos atuais dessa horrenda concessão ao estado.  Em alguns círculos “liberais”, as pessoas utilizam a palavra “privatização” não com o sentido de se retirar o governo de um aspecto particular da vida social e econômica, mas meramente com a intenção de terceirizar prioridades estatais para empresas privadas que possuam fortes conexões políticas.

Vouchers escolares e “privatização” da Previdência Social são os mais notórios exemplos em nível federal.  Já em nível estadual e municipal, qualquer contrato governamental concedido, geralmente via propinas, a algum interesse privado é considerado “privatização”.  Vemos isso quando se terceiriza serviços como coleta de lixo, saneamento básico, eletricidade e rodovias.  Uma empresa privada ganha um monopólio concedido pelo estado e, daí pra frente, não mais precisa se preocupar com a concorrência.  Um privilégio e tanto.

O que está em jogo é a própria concepção do papel da liberdade na vida econômica, política e social.  Afinal, para nós, seria a liberdade apenas um recurso útil dentro da atual estrutura ou ela é uma alternativa genuína ao atual sistema político?  Não se trata de uma simples contenda entre facções libertárias.  O futuro do próprio livre mercado está em jogo.

São poucas as oportunidades de reforma que aparecem.  E quando elas aparecerem, os libertários precisam estar à frente não apenas exigindo o serviço completo, como também alertando contra os perigos de certas concessões.  O pior erro que nosso lado pode cometer é propagandear nossas idéias como sendo a melhor maneira de se obter os fins desejados pelo estado.  Entretanto, foi exatamente essa abordagem — dizer que a economia de mercado é a melhor opção política dentre uma variedade de planos estatistas — que se tornou a dominante do nosso lado da cerca.

Pra começar, essa abordagem tipicamente leva a resultados infaustos no mundo real, como o fiasco da “desregulamentação”[*] do setor energético na Califórnia.  Reformas parciais como essa podem gerar um sistema ainda pior do que o sistema que vigorava antes da reforma, além de acabar com a autoridade moral da livre iniciativa.

Outra observação contra reformas parciais foi feita por Ludwig von Mises:

Há uma tendência inerente a todos os governos em não reconhecer qualquer limitação às suas operações e em ampliar a esfera de seu domínio o máximo possível.  Controlar tudo, não deixar espaço para que nada aconteça fora da interferência das autoridades – esse é o objetivo ao qual todos os regentes secretamente aspiram.

Mises

A única maneira de fugir desse problema é batalhando para eliminar todo o envolvimento do estado na vida da sociedade e da economia.  Sem isso, simplesmente não há como evitar a miséria, a submissão e a ineficiência.

O que ocorreu com a Polônia é um ótimo exemplo.  Após o colapso do comunismo, houve uma explosão de entusiasmo pela idéia de se ter uma economia de mercado.  Porém, a transição foi tão mal feita — leia-se “muito planejada” — que, já em 2002, o estaleiro da cidade de Estetino (Szczecin) foi renacionalizado após os operários terem ameaçado rebeliões violentas pelo fato de os bancos terem parado de financiar um empreendimento deficitário, o que fez com que os cheques parassem de entrar.

Essa foi a primeira de várias reestatizações que viriam após o colapso do socialismo, empreendida em resposta ao que seria uma falência de rotina em uma economia de mercado.  Após isso, o governo caiu nas mãos tanto de partidos abertamente de esquerda como de partidos socialmente conservadores e economicamente intervencionistas.  Apenas em outubro de 2007, como consequência da estagnação econômica, um partido mais liberal ganhou as eleições para o parlamento.  Isso vai impedir o retorno do socialismo?  Em termos de política, é sempre um erro acreditar que o pior não pode acontecer.

Após 1989, a Polônia implantou uma série de reformas econômicas.  Fábricas foram privatizadas.  A maior parte das mais de 100.000 empresas municipais foi transferida para mãos privadas.  A moeda foi estabilizada.  Os preços foram liberados.  O governo encorajou todos os tipos de empreendimentos.  O resultado foi magnífico: investimentos estrangeiros abundantes e uma década de crescimento econômico respeitável.

Entretanto, assim como em outros países do Leste Europeu, a privatização estava longe de estar completa.  As telecomunicações foram parcialmente privatizadas.  O setor de saúde foi colocado em ordem, porém permaneceu em grande parte nas mãos do governo.  Os sindicatos conseguiram manter enormes privilégios legais e não havia um mercado ativo que pudesse controlar as corporações.  Os impostos continuaram muito altos (33 por cento).  Um quarto da população ainda está empregada no setor público, conquanto recentemente haja uma tendência de queda.

Lamentavelmente, a Polônia não quis enxergar muito longe.  A classe política quis utilizar os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental como modelos, o que levou à instituição de uma vasta gama de impedimentos regulatórios sobre a livre iniciativa, incluindo leis antitruste, regulamentações sobre a saúde e sobre a segurança do trabalho, regulamentações ambientalistas e várias leis trabalhistas.  É verdade que essas regulamentações ainda eram mais brandas que as de seus países-modelo, porém a Polônia não poderia se dar ao luxo de permitir esse absurdo após todo o empobrecimento trazido pelo comunismo.

Muitas fábricas grandes e poderosas jamais foram tocadas pela privatização, por medo de que elas simplesmente falissem caso tivessem de competir em um livre mercado.  Caso houvesse essa hipótese, a única atitude certa seria permitir que elas quebrassem, pois é absurdo queimar dinheiro do contribuinte para subsidiar empresas economicamente inviáveis (exatamente o que o governo dos EUA está fazendo com as montadoras).  No setor marítimo, o governo polonês se comprometeu a não deixar que fábricas ineficientes quebrassem caso não mais conseguissem se manter.  Tudo por medo dos sindicatos.

Intervenções para salvar empresas insolventes são ruins em seus próprios termos.  Elas, ao contrário do que se imagina, não ajudam a economia.  Elas apenas postergam o dia em que a empresa necessariamente irá ou se tornar uma entidade estatal ou quebrar por completo.

Na Polônia, a raiz do problema estava na própria palavra “privatização”.  Um significado peculiar foi dado a essa palavra: “privatização” passou a significar que tudo e todos continuariam exatamente como antes, exceto que o controle agora estaria em mãos privadas, e não mais nas mãos do governo.  O socialismo é possível afinal, desde que seja gerido pela iniciativa privada!

A mesma confusão predomina nos países ocidentais.  Ouvimos alguns “liberais” dizerem que se “privatizarmos” as escolas públicas por meio de vouchers ou por quaisquer outros expedientes, elas se tornarão mais baratas de serem geridas e a qualidade do ensino irá aumentar.  Também nos dizem que se “privatizarmos” a Previdência Social, ela irá trazer maiores retornos aos aposentados.  Em ambos os casos, os “libertários” estatistas estão simplesmente dizendo: “O socialismo é possível, desde que gerido pela iniciativa privada!”

Realmente, se o setor educacional estivesse completamente sob mãos privadas — o que significa, obviamente, a abolição de um Ministério da Educação e de seus currículos obrigatórios –, nada igual ao atual sistema continuaria existindo.  A maioria dos atuais coordenadores não teria emprego no novo sistema escolar.  As próprias escolas se tornariam centros varejistas.  A educação seria radicalmente descentralizada e ofertada pela livre concorrência.  Escolas surgiriam e desapareceriam.  Os salários de alguns professores provavelmente despencariam.  Ninguém iria ter o direito a uma educação fornecida pelo estado.  O estado poderia até exigir alguns conteúdos curriculares ou até mesmo determinar resultados mínimos, mas não obteria resposta alguma.

Uma enorme variedade de alternativas passaria a existir, mas seria raro que, entre elas, existisse o atual sistema de megaescolas que mais se parecem contêineres que abrigam milhares de pessoas.  É claro que não podemos saber de antemão como seria esse setor e nem qual forma ele tomaria no futuro.  Mas é exatamente esse o ponto.  A proposta dos vouchers e todos os outros esquemas de terceirização sequer dariam ao livre mercado a chance de mostrar sua superioridade.  Eles apenas gerariam mais aumentos nos gastos públicos e mais garantias estatais a um sistema já amplamente socialista.

O mesmo se aplica para a Previdência Social.  Aqueles que dizem querer sua privatização estão simplesmente defendendo um sistema que em nada difere do atual.  Seu dinheiro ainda continuará sendo roubado pelo estado. As pensões ainda continuariam sendo garantidas pelo estado.  Aliás, você poderia até acabar pagando mais: uma parcela para os atuais aposentados e outra para financiar a sua própria conta “privada”.  A única diferença entre esses dois sistemas é que uma parte do dinheiro poderia passar a ser utilizada por empresas privadas, o que as tornaria dependentes de subsídios públicos.

Há uns cem anos, quem propusesse tal sistema seria imediatamente tachado de socialista.  Hoje, esse mesmo indivíduo é considerado libertário e “especialista em políticas públicas”.  Agora, se o que você quer é uma reforma genuína e de livre mercado, não chame isso de privatização.  Tal método é uma fraude magnânima.  Sob uma verdadeira reforma de livre mercado, ninguém seria pilhado e a ninguém seriam dadas quaisquer garantias estatais.  Você, e apenas você, seria o responsável por seu sustento, não legando a mais ninguém esse encargo.  O slogan deveria ser: parem o roubo!

Na Polônia, as enormes fábricas não deveriam ter sido “privatizadas”.  O estado deveria ter simplesmente saído do controle delas, vendendo os ativos a quem pagasse mais ou entregando-os para os respectivos funcionários e gerentes, e permitindo que os novos proprietários fizessem o que melhor lhes aprouvesse.  A única função do estado seria não criar obstruções à concorrência.  No Ocidente, as escolas públicas e a Previdência Social não deveriam ser privatizadas; elas deveriam apenas ser abandonadas, permitindo a liberdade total de gerenciamento e escolha.  Em outras palavras, instituições de mercado não deveriam ser utilizadas como ferramenta de “políticas públicas”; elas deveriam ser a realidade prática em uma sociedade livre.

Uma objeção frequentemente levantada a esse meu ponto é que medidas parciais ao menos nos levam para a direção correta.  É verdade que mesmo um sistema parcialmente livre ainda é melhor do que um totalmente socialista.  Contudo, vitórias parciais são completamente instáveis.  Elas facilmente são revertidas para um estatismo completo.  Se as escolas públicas e a Previdência fossem privatizadas seguindo-se os esquemas frequentemente propostos, o sistema poderia até se tornar menos livre do que atual, pois haveria a possibilidade de se incorrer em mais gastos públicos para cobrir os novos custos demandados pelos vouchers e pelas contas privadas.

Na última década — e mais do que nunca no atual momento — o capitalismo passou a ser visto como um mecanismo criado para permitir que setores insolventes e mal geridos possam continuar operando ineficientemente.  É por isso que reformas de livre mercado nunca foram tão necessárias.

O livre mercado não é apenas um mecanismo de gerar lucros e produtividade.  Ele não serve apenas para estimular a inovação e a concorrência.  Fazer a transição do estatismo para a economia de mercado significa fazer uma revolução completa na vida econômica e política, saindo de um sistema em que o estado e seus grupos de interesse estão no controle e indo para um sistema em que o poder do estado não tem função alguma.  A liberdade não é uma opção de política pública.  Ela é a abolição de todas as políticas públicas.  Já passou da hora de tomarmos o passo seguinte e exigir justamente isso.

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[*] O governo da Califórnia impôs controles de preços no setor energético e criou mercados “artificiais” propícios para manipulações e para o descasamento entre oferta e demanda. Ao fixar preços abaixo dos preços de mercado, o estado limitou a lucratividade das companhias.  E quando os custos da energia aumentaram, o congelamento de preços impediu que os produtores repassassem esse aumento aos consumidores.  Além de ter impedido novos investimentos, esse congelamento de preços também desestimulou outras empresas de entrarem no mercado, o que geraria uma muito necessária concorrência.[N. do T.]


Lew Rockwell é chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com , e autor dos livros Speaking of Liberty.

Fonte: Artigo original de Mises Brasil

O protagonismo do pai

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Em um mundo em que os valores éticos e virtuosos parecem escorrer entre os dedos, a presença do pai no contexto familiar como orientador se torna um farol de esperança em meio à tempestade. Compreender o protagonismo paterno é mergulhar nas profundezas da ética das virtudes e na importância singular do pai como guia, referência moral e escudo protetor. Desenvolver nos filhos o exemplo de como crescer livres, apesar das influências corrosivas que cercam o nosso mundo, é uma tarefa crucial, sobretudo pela relativização e demonização da figura masculina tão presente na atualidade. O resultado desse colapso é catastrófico, à medida que pais se afastam de suas famílias e da responsabilidade da presença com seus filhos, em um ciclo que vai se perdendo na dificuldade de compreensão e de cerceamento de diálogo sobre o tema. Isso reforça que a presença e atuação da figura paterna no núcleo familiar se torna imprescindível. Inspirados por histórias da literatura e do cinema, podemos compreender como pais podem ser pilares de virtude e orientação, por mais que hajam dificuldades.

Em um contexto repleto de dilemas morais e desafios éticos, a figura do pai parece emergir como um farol de esperança, iluminando o caminho para uma vida virtuosa. Enquanto valores são testados e princípios são abalados, o papel do pai no contexto familiar, como orientador se torna crucial como uma bússola moral aos filhos. Sua presença, junto à mãe, oferece uma base sólida e segura, permitindo que os filhos naveguem pelo mar agitado da vida com integridade, sabedoria e, obviamente, com muito amor.

A ética das virtudes deve servir como guia e referência moral. Para um pai, isso deve estar bem claro, pois ele não apenas transmite conhecimento e sabedoria, mas também deve personificar os valores que ensina como um norte referencial, algo como “faça ou que eu falo, faça o que eu faço”.

Atticus Finch de “O Sol é para Todos”, exemplifica como a coragem moral, a força, a empatia e a integridade do pai molda o caráter dos filhos e proporciona um alicerce sólido para suas vidas.

O pai não só orienta, mas também protege. Em um mundo onde influências corrosivas tentam minar os valores e virtudes, a figura do pai surge como um escudo protetor. O personagem Maximus de “Gladiador”, enfrenta os desafios com determinação, assegurando que seus filhos sejam blindados contra as tentações que ameaçam corromper sua moral. O pai se torna o guardião, garantindo que os valores que ele incute em seus filhos permaneçam inabaláveis.

Desenvolver nos filhos a coragem e capacidade de crescerem livres, mesmo em um mundo contaminado por influências negativas, é um legado inestimável. Inspirados por histórias como a de Daniel Hillard de “Uma Babá Quase Perfeita”, estrelado por Robin Williams, um pai que, após o divórcio, se transveste de babá para continuar próximo aos seus filhos. Pais podem demonstrar que a autenticidade e a busca pela virtude não são comprometidas pelas pressões externas. Ao ensinar seus filhos a serem líderes éticos e a enfrentarem os desafios de cabeça erguida, os pais capacitam a próxima geração a resistir às tentações que corroem os valores.

O personagem do blockbuster “Rock, o Lutador”, estrelado por Silvester Stallone, destaca-se como um pai ausente, que aos poucos vai reconstruindo a relação com seu filho Robert “Rocky” Balboa, Jr. Sua dedicação e cuidado com o filho retratam como um pai que errou, inicialmente sem saber como lidar com o divórcio, sua ex-mulher e com seu filho, pode ser um protetor e um guia, mesmo diante de enormes adversidades. No filme, Rock tem a capacidade de quebrar a imagem do pai desinteressado e bruto, que não se importa com a sua família. Quando tudo parece perdido, o personagem aposta na reconstrução das relações que estão ao seu alcance e que lhe restaram. O esforço de Rock em treinar e trazer seu filho para a sua realidade acaba por servir como uma jornada de autoconhecimento e superação para pai e filho, fortalecendo relações e evidenciando que é possível aos pais ausentes buscarem a reconciliação para que possam se tornar um alicerce sólido, orientando e dando amor, independentemente das circunstâncias.

Em “King Richard: Criando Campeãs”, estrelado por Will Smith, uma biografia incrível de Richard Williams, o pai de Serena e de Venus Williams, campeãs mundiais de tênis, nos mostra como o protagonista tinha uma visão singular para o futuro de suas filhas. Mesmo com recursos limitados, investiu tempo e esforço em treiná-las desde cedo. Acreditando firmemente em seu potencial, ele desenvolveu um plano detalhado para nutrir suas habilidades e transformá-las em atletas de elite. Seu papel não se limitava apenas à orientação técnica, mas ele também se esforçava para transmitir valores essenciais, como disciplina, determinação e resiliência. Ele compreendia a importância de educar suas filhas, garantindo que recebessem uma base sólida para enfrentar os desafios que encontrariam fora do esporte. Sua visão era criar não apenas campeãs no tênis, mas também mulheres fortes e confiantes que poderiam enfrentar qualquer obstáculo na vida, a partir da visão de um pai comprometido a ponto de influenciar positivamente o destino de seus filhos. O filme é sobre um pai dedicado, que superou desafios financeiros, enfrentou ceticismo e nunca perdeu de vista sua visão de ver suas filhas alcançarem a grandeza.

À medida que o cenário ético se torna mais corrompido, o papel do pai como exemplo e protetor torna-se crucial no contexto familiar. Inspirados por exemplos da literatura e do cinema, compreendemos que os pais têm o poder de moldar futuros, não apenas orientando, mas também como inspiração, a partir de suas ações e erros, para capacitar seus filhos a crescerem com valores sólidos e um senso inabalável de ética. Ser pai é ter a força, dentro de suas possibilidades, de construir bons legados para a humanidade.

Jorge Quintão – IoP

A Suprema Corte e a usurpação do protagonismo do cidadão

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Atualmente, há um frenesi nos Estados Unidos sobre a vaga na Suprema Corte após a morte de Antonin Scalia [algo semelhante se passou no Brasil com a recente indicação de Cristiano Zanin]. Isso deveria ser suficiente para deixar claro até mesmo para o observador mais ingênuo que a Suprema Corte é uma instituição partidária e política, e não um grupo de sábios apolíticos desinteressados como o tribunal quer que pensemos. Como escrevi em “The Mythology of the Supreme Court”, a ideia do tribunal como um grupo de pensadores jurisprudenciais profundos é um conto para crianças em idade escolar:

“Essa visão da Corte é, obviamente, irremediavelmente fantasiosa, e a verdadeira natureza política da Corte está bem documentada. Sua política pode assumir muitas formas. Para um exemplo de seu papel no patrocínio político, não precisamos olhar além de Earl Warren, um ex-candidato a presidente e governador da Califórnia, que foi nomeado para o tribunal por Dwight Eisenhower. É amplamente aceito que a nomeação de Warren foi uma vingança pela não oposição de Warren à nomeação de Eisenhower na convenção republicana de 1952. A proposição de que Warren de alguma forma se transformou de político em pensador profundo após sua nomeação não é convincente na melhor das hipóteses. Ou podemos apontar para a famosa ‘mudança no tempo que salvou nove’, na qual o juiz Owen Roberts reverteu completamente sua posição legal sobre o New Deal em resposta a ameaças políticas do governo Franklin Roosevelt. De fato, os juízes da Suprema Corte são políticos, que se comportam da maneira que a teoria da ‘Escolha Pública’ nos diz que deveriam. Eles procuram preservar e expandir seu próprio poder”.

Na prática, a Suprema Corte é apenas mais uma legislatura federal, embora esta decida questões de política pública com base nas opiniões de apenas cinco pessoas, a maioria das quais passa seu tempo totalmente distantes da realidade econômica das pessoas comuns enquanto brincam com os oligarcas e outras elites.

O poder legislativo do tribunal é igualado pelo seu poder político, uma vez que cada vaga no tribunal é um presente para os partidos políticos dominantes. Cada vez que um juiz morre ou se aposenta, o evento oferece aos partidos políticos mais uma oportunidade de emitir cartas histéricas de arrecadação de fundos para os apoiadores mais endinheirados e exigir apoio não qualificado das bases, ao mesmo tempo em que afirma que o processo de nomeação para a Corte torna a próxima eleição “a mais importante de sempre”.

Parece incomodar poucos, no entanto, que vivamos em um sistema político onde as questões políticas e econômicas mais importantes do dia – ou assim nos dizem – devem ser decididas por um pequeno grupo de pessoas, sejam elas o presidente do Federal Reserve, cinco juízes da Suprema Corte ou um presidente com sua “caneta e telefone”.  

Assim como é extremamente disfuncional para uma grande economia se apegar a cada palavra do presidente do Banco Central, também deveria ser considerado anormal e insalubre para um país de 320 milhões de habitantes esperar ansiosamente pelos últimos prognósticos de nove amigos de presidentes em túnicas pretas de seus escritórios palacianos em Washington, DC.

O tribunal é apenas um grupo de políticos em vestes extravagantes

Somos informados por especialistas e políticos de todo o espectro o quão indispensável, inspiradora e absolutamente essencial é a Suprema Corte. Na verdade, deveríamos procurar maneiras de minar, incapacitar e, de maneira geral, forçar a Corte à irrelevância.

Com os esperados elogios a Scalia entre seus partidários, estamos sendo repreendidos com a ideia de que Scalia era um “originalista” que se ateve obstinadamente ao texto claro da Constituição como imaginado por seus autores. Na verdade, Scalia não era um originalista, pois, se fosse, teria rejeitado toda a noção de revisão judicial, que é em si uma total inovação e fabricação inventada pelo juiz John Marshall. Em nenhum lugar o Artigo III da Constituição (a parte que trata do tribunal e tem meia página) dá ao tribunal o poder de decidir sobre o que pode ser legal ou não em cada estado, cidade, vila ou empresa dos Estados Unidos. Além disso, como Jeff Deist observa, os poderes da Corte que aceitamos tão alegremente como fato consumado são em sua maioria inventados:

  • O conceito de revisão judicial é uma invenção da Corte, sem base no Artigo III. 
  • Jurisprudência constitucional não é direito constitucional.
  • O Supremo Tribunal é supremo apenas sobre os tribunais federais inferiores: não é supremo sobre outros ramos do governo.
  • O Congresso claramente tem autoridade constitucional para definir e restringir a jurisdição dos tribunais federais.

Uma ferramenta de centralização do poder

Mas não espere que muitos em Washington admitam isso tão cedo. A Suprema Corte desempenha uma função muito importante na centralização do poder federal em DC e nas mãos de um pequeno número de altos funcionários federais. E como é conveniente para os membros das classes dominantes influenciarem e acessarem esses guardiões da respeitabilidade intelectual do governo federal: os membros da Corte, presidentes e senadores são geralmente todos os membros da mesma classe socioeconômica, enviam seus filhos para as mesmas escolas de elite e trabalham e vivem juntos nos mesmos pequenos círculos sociais. Ao mesmo tempo, esse círculo social e profissional fechado também ajuda a diminuir a influência daqueles que estão fora da bolha de Washington, DC.

O Tribunal em sua forma atual pode ser reformado da noite para o dia

Se quisesse, o Congresso poderia reformar a Corte esta tarde. Nada mais do que uma simples legislação seria necessária para mudar radicalmente ou extinguir completamente os tribunais federais de primeira instância. O Congresso poderia decidir quais tópicos estão sob a jurisdição dos tribunais inferiores e, assim, limitar também a jurisdição da Suprema Corte. O Congresso também pode decidir que a Suprema Corte seja composta por um juiz ou por 100 juízes.

De fato, uma vez que a Suprema Corte nada mais é do que uma legislatura, por que não torná-la uma? Por que não fazer da Suprema Corte um corpo de 50 “juízes”, com o entendimento de que o Senado não ratificará qualquer nomeação que não cumpra a regra de que cada estado tenha um juiz na Corte? A política e a ideologia impedem isso, mas nenhuma disposição constitucional o faz. 

“Mas o tribunal simplesmente declararia todas essas reformas inconstitucionais”, alguns podem dizer. Isso é verdade, embora, para isso, precisemos apenas parafrasear as palavras (possivelmente apócrifas) de Andrew Jackson: “o Tribunal tomou sua decisão. Agora, deixe-os aplicá-la”.

O Tribunal não precisa se preocupar, porém, pois quase sempre pode contar com o apoio do Presidente e do Congresso justamente porque o Tribunal desempenha um papel essencial no aumento do poder dos outros poderes do governo federal.

Usurpação do protagonismo: O povo sem representantes que os governam

Muitas vezes nos dizem para reverenciar o Tribunal simplesmente porque está consagrado na Constituição. A escravidão também estava consagrada na Constituição. Precisamos reverenciar isso?

Mesmo que a forma atual da Suprema Corte fosse realmente constitucional (o que, novamente, não é), ainda seria uma relíquia obsoleta de uma era distante. A ideia de que a Suprema Corte poderia de alguma forma tratar de todas as questões legais que surgem em uma vasta confederação era absurda desde o início, ainda mais agora. Ao reconhecer isso, os autores da Constituição criaram a Corte como um corpo designado a tratar apenas de conflitos entre estados, ou entre indivíduos de diferentes estados. Ou seja, deveria evitar conflitos que pudessem levar a crises entre os governos estaduais; foi projetada para evitar guerras entre os estados. Se o confeiteiro local deveria ou não fazer um bolo para casais gays, não estava exatamente no topo da agenda.

Mesmo no final do século XVIII, porém, o status da Corte como um minúsculo clube de elite exigia a criação do mito de que a Corte era de alguma forma “apolítica”, reforçada pela criação de um mandato vitalício para os juízes, não importando quão senis ou fora de alcance. Caso contrário, as ideias predominantes de representação no governo na época nunca teriam permitido que uma instituição política como a Corte ganhasse aceitação. Isso pode ser ilustrado pelo fato de que, em 1790, o Congresso era muito mais “democrático” do que é agora, no sentido de que havia muito mais representantes por pessoa do que hoje. As eleições em muitos governos estaduais eram eventos anuais e os distritos legislativos eram muito pequenos para os padrões de hoje, garantindo que seus representantes eleitos vivessem próximos a você e estivessem fisicamente acessíveis. 

Em contraste com isso, em 1790, havia um juiz da Suprema Corte para cada 600.000 americanos. Hoje, há um juiz da Suprema Corte para cada 35 milhões de americanos. Nem mesmo o politburo soviético conseguiu esse nível de não-representação. 

Por outro lado, não há razão para que um conselho de governos estaduais não possa ser empregado para tratar de questões de conflitos entre estados, e os estados (ou mesmo pequenas porções deles) — e não nove nomeados políticos — devem desempenhar a função de revisão judicial. Este não é o século XVIII. Ter delegados de uma variedade de estados diversos e geograficamente variados permanecendo em contato constante e se encontrando regularmente não é de forma alguma uma impossibilidade logística. 

Pior ainda, muitos dos juízes não têm um emprego de verdade há décadas e não têm ideia de como a realidade realmente funciona. É improvável que os membros mais velhos do Tribunal pudessem usar o Google para encontrar um número de telefone na internet, muito menos entender as complexidades de como as pessoas modernas administram seus negócios, criam suas famílias ou funcionam na vida cotidiana. O Tribunal é em grande parte o domínio dos geriatras que são generosamente pagos para fazer julgamentos complexos sobre um mundo no qual eles raramente vivem e mal conseguem entender.

Se os americanos querem um governo com maior probabilidade de deixá-los em paz, devem ignorar os apelos para eleger outro político que apenas indicará outro doador ou aliado político para o tribunal. Em vez disso, os governos estaduais e locais devem procurar a todo momento ignorar, anular e, em geral, desconsiderar as decisões da Corte quando elas contrariam a lei local e as instituições locais, onde – bem diferente da Suprema Corte – os cidadãos comuns têm alguma influência real sobre as instituições políticas que afetam suas vidas.


Ryan McMaken é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute.

Fonte: Mises Brasil

Sem unanimidade, a tributação é ilegítima

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Imagem gerada digitalmente por AI

Hoje, a política fiscal faz parte da política social, na qual se acondiciona tudo o que corresponde à respetiva oportunidade política. A tributação serve como forma de oferecer benefícios a grupos especiais. Trata-se menos dos efeitos reais da medida do que da arrecadação de dinheiro e, em última instância, de votos para o partido.

Desta forma, os eleitores entusiastas da proteção do clima e do meio-ambiente estão satisfeitos com a cobrança de impostos e outras taxas ou regulamentos que parecem servir aos desejos de seu grupo. O efeito real de tais medidas, que geralmente têm o efeito oposto, não é registrado. A política tributária é um jogo manipulado que consiste em prometer supostas vantagens para determinados grupos, em detrimento do todo indivíduo.

Nessa competição perversa, a concessão de vantagens partidárias está em constante expansão. O beneficiário deste teatro é a tecnocracia, que está intimamente ligada a este sistema. Dificilmente, nenhum outro setor do governo absorve tanta expertise quanto o sistema tributário sem que esse conhecimento tenha qualquer utilidade para o cidadão como um todo. Pelo contrário.

O sistema tributário, tal como é atualmente, é irracional, contraditório, sem princípios e ilegítimo. Cabe ao leitor imaginar quanto dos custos desse espetáculo político-econômico poderia ser mais bem aproveitado para fins de prosperidade mais valiosos.

As tentativas de justificação científica do sistema tributário moderno fracassaram. O chamado “princípio da eficiência”, que visa medir a alíquota do imposto com base na renda e no patrimônio, é inadequado desde o início porque ignora o lado da despesa. Por outro lado, de acordo com o “princípio da equivalência”, qualquer política redistributiva deve ser rejeitada porque não há uma metodologia objetiva para determinar a atribuição.

Uma vez que tanto o princípio da eficiência como o da equivalência não podem ser aplicados de forma significativa, a tributação na sua forma atual perde toda a legitimidade. Em suas “Investigações de Teoria Financeira” (1896), Knut Wicksell já chamava a atenção para esse fato e desenvolvia uma solução.

Este princípio é o de que qualquer atividade de cobrança de receitas e despesas do Estado só se justifica se a medida em questão for aprovada por todos.

Se não há unanimidade, explica Knut Wicksell em suas “Investigações de Teoria Financeira” (p. 113 s.), “há então uma prova a posteriori, e a única possível, de que a atividade estatal em questão traria ao todo apenas um benefício não correspondente ao sacrifício necessário”.

Se não for possível obter consenso, a respectiva atividade estatal deve ser descartada.

Com o princípio da unanimidade, Wicksell determinou o único critério racional possível para a legalidade da tributação. O acordo mútuo sobre as decisões serve de garantia contra a distribuição injustificada da carga tributária. Não só isso, a unanimidade e a voluntariedade também têm sido uma barragem eficaz contra a enxurrada de gastos e, portanto, contra a carga tributária desenfreada que se rompeu desde o início do século XX.

Hoje estamos vivenciando o que Knut Wicksell previu em suas “Investigações de Teoria Financeira” (p. 122) pouco antes do final do século XIX:

Uma vez que as classes mais baixas tenham definitivamente tomado posse da forma legislativa e de aprovação tributária, (…) há o perigo de que eles ajam de forma tão egoísta quando as classes que até então detinham o poder em suas mãos”. Eles “imporão a maior parte dos impostos às classes proprietárias, talvez procedendo de forma tão descuidada e perdulária na aprovação dos gastos para os quais eles mesmos agora pouco contribuem que o capital móvel do país em breve será inutilmente desperdiçado e, assim, as alavancas do progresso serão quebradas“.

Em “Uma Teoria Econômica dos Clubes” (1965) e seus escritos posteriores, James M. Buchanan modificou o princípio da unanimidade de Wicksell no princípio do consentimento. Uma vez que não é possível alcançar a unanimidade total em questões individuais na maioria das questões públicas, o princípio do consentimento representa uma saída, segundo o qual é exigida pelo menos unanimidade nas regras de votação. Neste sentido, a comunidade adota uma “Constituição“, na qual, por exemplo, se estabelece o princípio da maioria ou o princípio da maioria de dois terços.

O ponto crucial, no entanto, mantém-se: enquanto não houver uma Constituição aprovada por unanimidade, as decisões sobre impostos e direitos e a sua utilização são, em princípio, ilegítimas.


Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

Fonte: Mises Brasil

Protagonismo e a virtude da amizade

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A amizade, para os antigos, era compreendida de forma mais abrangente do que a atual definição de “sentimento fiel de afeição, simpatia, estima ou ternura entre pessoas que geralmente não são ligadas por laços de família ou por atração sexual” (Dic. Aurélio). O filósofo Aristóteles explora essa concepção em sua obra “Ética a Nicômaco”, na qual apresenta uma teoria da amizade dividida em três tipos: amizade por virtude, por prazer e por utilidade. Ele ressalta que essas diferentes formas de amizade são todas necessárias em momentos específicos da vida, não sendo sua intenção eliminar as amizades “menores”, mas sim que tenhamos consciência do tipo de amizade que estabelecemos com os outros.

“A amizade é uma alma que habita dois corpos; um coração que habita duas almas.”

Aristóteles

Aristóteles destaca a importância de distinguir a amizade do amor e da benevolência, pois muitas vezes os limites precisos entre esses sentimentos são confundidos, o que pode dificultar nossas relações interpessoais. Enquanto o amor está acompanhado por excitação e desejo, podendo ser dirigido até mesmo a coisas inanimadas, a benevolência difere da amizade e do amor, pois pode ser direcionada a seres desconhecidos, permanecendo oculta e não requerendo a reciprocidade característica da amizade e do amor.

Ao comparar os três tipos de amizade, Aristóteles destaca que a amizade baseada no prazer e na utilidade é considerada inferior à amizade fundamentada na virtude. Nas amizades do prazer e da utilidade, o amado é valorizado não por si mesmo, mas pelo que pode oferecer em termos de prazeres ou utilidades. Por isso, essas amizades são consideradas defeituosas, limitadas e não plenas.

O filósofo enfatiza que, mesmo entre o senhor e o escravo, é possível haver amizade, desde que o escravo não seja reduzido a mero instrumento do senhor. Porém, nos regimes tirânicos, a amizade encontra pouco espaço, pois não há pontos em comum entre polos opostos de poder. Aristóteles aponta que a força da amizade está na quantidade de coisas comuns que existem entre iguais.

Os tipos de amizade segundo Aristóteles

Amizade por prazer: Não é necessariamente duradoura, pois sua base é a busca pela satisfação do prazer. Quando o prazer acaba, a amizade também tende a desaparecer. O prazer aqui não se resume apenas à satisfação dos impulsos sexuais, mas engloba uma sensação geral de agradabilidade e deleite. Um exemplo típico seria a amizade com alguém bem-humorado, em que a pessoa se sente bem em estar próxima de alguém alto-astral ou com os “contatinhos” utilizados apenas para satisfazer impulsos sexuais.

Amizade por utilidade: Similar à amizade por prazer, essa amizade também não é eterna, pois depende da manutenção da utilidade para continuar ativa. É uma forma egoísta de amizade, focada na satisfação dos interesses pessoais dos envolvidos. Geralmente é unilateral, embora possa haver reciprocidade em algumas situações. Um exemplo comum é a amizade baseada na dependência mútua da satisfação de necessidades profissionais, acadêmicas ou sociais.

Amizade por virtude: É a forma mais completa de amizade, pois é fundada no bem em si, sem interesse em prazer ou utilidade pessoais. Essa amizade tende a ser duradoura e verdadeira. Um exemplo seria quando uma pessoa quer o que é bom para outra porque deseja genuinamente o bem-estar do outro, sem nenhum interesse particular.

É importante ressaltar que a amizade por virtude é rara, pois requer um desejo genuíno de bem-estar do outro sem qualquer motivação egoísta. Ao compreender essas diferentes formas de amizade, podemos aprimorar nossas relações com os outros, evitando confusões e promovendo amizades mais autênticas e significativas.

Amizade e protagonismo dos indivíduos

Aristóteles considerava a amizade como um dos elementos fundamentais para uma vida virtuosa e realizada. Através dela, os indivíduos encontram um apoio mútuo que os impulsiona a alcançar um protagonismo moral e intelectual.

A amizade, segundo o filósofo, é uma relação baseada na virtude e no desejo genuíno de bem-estar do outro. Os amigos verdadeiros incentivam-se reciprocamente a buscar o bem e a desenvolver suas capacidades, tornando-se protagonistas em suas próprias vidas. Eles apoiam-se nas virtudes um do outro e ajudam-se a superar suas fraquezas, estimulando um crescimento pessoal e moral contínuo.

Indivíduos têm a oportunidade de exercitar suas virtudes, como a generosidade, a compaixão, a coragem e a sabedoria. Essas virtudes são fundamentais para alcançar o protagonismo moral, pois impulsionam as pessoas a agirem de maneira ética e responsável em suas escolhas e ações.

Além disso, a relação entre amigos também promove o protagonismo intelectual, pois podem compartilhar ideias, conhecimentos e perspectivas, enriquecendo-se mutuamente e incentivando-se a crescer intelectualmente. Já discutimos em um artigo anterior como virtudes em prol do protagonismo para o bem também podem ser disseminadas pelo exemplo. Neste sentido a troca de ideias e o debate saudável são estímulos importantes para o desenvolvimento da sabedoria e da busca pelo conhecimento.

Aristóteles acreditava que uma vida virtuosa e protagonista não poderia ser alcançada de forma isolada. A interação com os outros e a construção de relações genuínas de amizade são cruciais para que o indivíduo possa se aprimorar e se tornar um protagonista moral e intelectual em sua comunidade.

A verdadeira amizade é como uma comunhão de almas, onde duas pessoas se unem em um vínculo de afeto e cumplicidade, compartilhando suas alegrias, tristezas, sonhos e desafios.

Nessa perspectiva aristotélica, a amizade transcende meras relações superficiais e utilitárias. Ela se revela como uma ligação espiritual entre seres humanos, onde cada amigo se torna uma parte essencial da vida do outro. A verdadeira amizade é fundada na virtude, no respeito mútuo e na busca sincera pelo bem-estar do amigo.

Jorge Quintão – IoP